Contar histórias é importante recurso educacional para despertar o gosto pela leitura
Contar e ouvir histórias são atividades comuns em quase todas as culturas. Muitas delas são registros orais passados de pais para filhos, em que se conta e descobre-se a história de um povo, de uma cultura, de um país. Narrar histórias é uma prática antiga e uma arte. O contador precisa interpretar, por gestos e o uso da voz, as personagens, valendo-se, muitas vezes, de objetos, adereços, pequenos cenários que implementam a narrativa, fazendo com que aquele que ouve seja transportado para o que está sendo contado: “viajar sem sair do lugar”. Contam-se histórias por vários motivos: conhecimento de uma cultura, diversão, estímulo à imaginação. Mas não é só isso.
O artigo da revista Literartes mostra o quanto a contação de histórias é recurso importante para a educação e na formação do futuro leitor, na medida em que promove o despertar da criança para a leitura, em uma época na qual as redes sociais e o acesso fácil às pesquisas on-line parecem tomar conta do mundo educacional. O prazer de ler, não somente notícias do Facebook, sites dos mais variados assuntos, mas livros, nesse cenário atual, atua como grande aliado e incentivo à contação de histórias.
As autoras do artigo, Elisangela Cristina Monegato e Bárbara Cristina Moreira Sicardi Nakayama, relatam suas experiências vividas no cotidiano escolar como professoras, mostrando como conseguiram que os alunos desinteressados por livros e leituras passassem a gostar dessas atividades, ao realizarem uma mudança na maneira de abordar a leitura, contando, verbalizando e interpretando as personagens para uma classe que, encantada com a nova realidade, começou a dirigir um olhar prazeroso para os livros.
A apresentação das vivências das autoras “tem o objetivo de ampliar as possibilidades de reflexão sobre a formação leitora das nossas crianças, tendo por aliada a ‘contação de histórias’ de uma forma prazerosa, lúdica e significativa”. A introdução de novas práticas escolares desconstrói a ideia de como deve ser uma aula; por exemplo: “Na classe todos devem sentar-se enfileirados” foi substituída por “podemos aproveitar o chão da escola como espaço criativo e libertador para as aulas”. Segundo a pedagoga e professora Maria Teresa Leitão de Melo, “o chão de escola não é um chão qualquer – é um chão que congrega, que constrói, que educa”. Muitas escolas aderem a essa prática há algum tempo, visto os professores aderirem à formação leitora das crianças cuja tônica didática é sempre o lúdico, consequência da reflexão e aplicação de uma transformação de práticas pedagógicas que ganham outros significados para o ensino dos professores e alunos.
“O processo de leitura possibilita essa operação maravilhosa que é o encontro do que está dentro do livro com o que está guardado na nossa cabeça”, afirma a escritora Ruth Rocha. Contar histórias é contar o mundo. O livro é um instrumento imprescindível no desenvolvimento pessoal, “na evolução e identidade profissional”, e a contação de histórias revela-se como instrumento de formação do sujeito como um ser complexo, que se identifica ou não com atitudes e pensamentos, emoções do que está sendo contado, conhecendo e reconhecendo-se na história e, mais tarde, também nos livros que irá ler. As autoras descrevem que o aprendizado nas salas de aula, na “perspectiva da formação na ação docente, integra a prática, o fazer, os conhecimentos e os saberes, constituindo uma formação com interação e inter-relação com significados e sentidos a partir do vivido”.
O desempenho baixo em língua portuguesa e interpretação de textos em testes e provas se agrava em alunos de escolas públicas devido a desigualdades de oportunidades de aprendizado. Essa situação compromete o gosto pela leitura e o desenvolvimento do potencial crítico dos alunos, alijados de práticas estimulantes de leitura como a contação de histórias. Na citação da escritora Fanny Abramovich: “Ao ler uma história a criança também desenvolve todo um potencial crítico. A partir daí ela pode pensar, duvidar, e perguntar, questionar…”. As autoras expõem suas experiências partilhadas e contadas a outros professores, concluindo que a tradição oral de narrar histórias faz parte da formação de um adulto dotado de pensamento crítico, reflexivo e criativo, diante de um mundo inacabado, receptivo a contribuições inovadoras para os conhecimentos científico, social e artístico, e, certamente, do mundo e de si mesmo.