A Biblioteca Infantojuvenil Monteiro Lobato reabre nesta segunda-feira (23), ao público, depois de mais de um ano fechada pela pandemia do coronavírus. Há uma novidade importante: a inauguração de uma sala de leitura para a primeira infância. Mas também uma polêmica sobre o futuro de seu acervo histórico, que envolveu nas últimas semanas ordens desencontradas da Prefeitura, ex-funcionários, frequentadores e até a bisneta do escritor.
A seção de Bibliografia e Documentação guarda documentos relacionados à história das bibliotecas infantis e à literatura infantojuvenil, além de parte considerável do acervo de Monteiro Lobato (1882-1948), doado por dona Purezinha (1885-1959), mulher do escritor. No dia 16 de julho, Marta Nosé Ferreira, diretora da Biblioteca Monteiro Lobato, disse aos funcionários que ela havia sido “avisada” pela coordenadora do Sistema Municipal de Bibliotecas de que a seção seria extinta no dia 2 de agosto – e que, com isso, os dois funcionários que atuavam nela seriam remanejados ou deveriam se aposentar.
Com a divulgação dessa informação, reuniões foram realizadas online, um abaixo-assinado foi criado. O vereador Celso Giannazi (PSOL) apresentou um projeto de lei para declarar a Biblioteca Monteiro Lobato como patrimônio histórico, social e cultural. E, na quinta, 19, houve uma audiência pública, virtual, na Câmara dos Vereadores, em defesa da seção.
Em um primeiro momento, a Secretaria Municipal de Cultura afirmou que as informações não passavam de fake news. Ao saber, porém, que havia uma ata da reunião, à qual o Estadão teve acesso, informou que havia instaurado “um procedimento legal interno para apurar os fatos e esclarecer como surgiu a informação falsa sobre qualquer tipo de desmonte ou negligência com o importantíssimo acervo da Biblioteca Monteiro Lobato”.
O Estadão procurou o secretário Alê Youssef para uma entrevista, mas recebeu por meio de um comunicado oficial as respostas aos questionamentos da reportagem. Nele, a secretaria reafirma não ter dado ordem para extinguir a seção e que o episódio está sendo investigado internamente. O texto informa, ainda, que “nenhum funcionário foi transferido da biblioteca”. E que “o acervo de preservação continua sendo aberto mediante agendamento e com funcionários especializados na sua manutenção”.
Para ex-funcionários, funcionários e herdeiros, no entanto, é preciso aproveitar a repercussão que o caso teve e a mobilização popular que gerou para obter o compromisso do poder público de que esses itens serão restaurados, preservados, catalogados e digitalizados, entre outras demandas listadas em uma carta entregue por Cleo Campos Hill ao prefeito Ricardo Nunes na terça, 17. A bisneta do escritor, que mora nos Estados Unidos, estava chegando no Brasil para uma visita familiar quando o assunto veio a público, no início do mês.
Nesta segunda à tarde, Cleo volta à biblioteca depois de 40 anos, como contou ao Estadão, para uma visita à seção. “A doação foi feita pela minha bisavó e não pode sair de lá. Também não pode ficar no armário, desintegrando, sendo tudo comido por cupim e traça. As coisas estão pegando fogo, temos que ter um apreço maior pelo nosso patrimônio histórico”, disse.
Risco
Na opinião da herdeira de Monteiro Lobato, o risco de encerramento era concreto. “Acho que, se não tivesse tido essa manifestação pública de horror, a seção teria sido fechada. Estão fazendo esses desmentidos porque foram pegos no pulo, desmontando a seção de Bibliografia e Documentação.” O pior passou, mas é preciso olhar adiante. “É verdade, não vai fechar, mas não podem deixar desintegrar. ‘Ah, choveu’. ‘Ah, pegou fogo’. Veja o que aconteceu com a Cinemateca, com o Museu Imperial. Esse desmonte, esse descaso, tem que parar aqui e agora.”
Questionada sobre o que a Prefeitura pretende fazer para garantir que esses documentos históricos não sejam destruídos pelo tempo, clima, insetos ou ratos, a secretaria respondeu: “Melhorias são sempre fundamentais em acervos dessa natureza (de preservação) e podem depender de diversos fatores (orçamento disponível, contratação de novos servidores), muitos deles não relacionados às decisões desta Pasta. Mas a situação não se compara em nenhuma hipótese à da Cinemateca Brasileira, há mais de um ano sem gestão e sem servidores especializados”.
Importância histórica
Cleo conseguiu um encaixe na agenda do prefeito na semana passada e contou que ele foi receptivo e a escutou com “muito critério” e “cuidado”. Na carta que ela levou, havia demandas como definição de orçamento próprio, climatização e adequação de mobiliário, inventário e diagnóstico dos acervos, concurso público para bibliotecários, retomada do projeto Bibliografia Brasileira de Literatura Infantojuvenil (interrompido em 2007), plano de conservação preventiva, restauro de livros, compra de computadores, entre outras.
Ana Brandão, que trabalhou por 32 anos nesta área da Monteiro Lobato, até 2016, ajudou na elaboração da carta ao prefeito e estará na biblioteca a partir das 10 horas, quando foi combinado um “abraço simbólico”. Essa movimentação toda vai servir, também, para a criação da Associação Amigos da Lobato, conta a pesquisadora. Para ela, trabalhos de restauro e de digitalização estão entre as coisas mais urgentes a se fazer lá.
A digitalização integral do acervo seria, na opinião do pesquisador Vladimir Sacchetta, “o melhor dos mundos”. “Preserva os documentos e, ao mesmo tempo, agiliza a pesquisa”, disse um dos autores de Monteiro Lobato: Furacão na Botocúndia. “A importância do acervo é indiscutível. Ajudou muito quando realizamos a pesquisa para a biografia. Isso sem falar na memória da própria Biblioteca Infantil, um projeto pioneiro implantado nos anos 1930 na cidade de São Paulo e que vem atendendo as demandas da comunidade desde então”, completou.
Para a professora Marisa Lajolo, uma das organizadores de Monteiro Lobato Livro a Livro: Obra Infantil, vencedor do Prêmio Jabuti, o conteúdo desta seção é muito importante para pesquisadores, embora as condições de pesquisa sejam “precárias”. Há ali primeiras edições de Lobato e os cadernos de dona Purezinha, que, como conta a pesquisadora, recortava tudo o que saía sobre o marido nos jornais e tudo o que ele escrevia – mas não anotava data nem fonte, o que dá um trabalho extra para os pesquisadores.
“O material não está catalogado de uma forma razoável e profissional. É bom que isso seja uma medida tomada pela biblioteca. Mas acho que esse auê está um pouco fora de hora. Ao longo da vida normal, antes da pandemia, fui lá várias vezes, outros pesquisadores vão, conseguem o acesso, veem o que precisam. As condições de pesquisa são precárias, a iluminação, a própria conservação do material precisava ser mais cuidada, mas é com certeza um material muito importante para a história da literatura infantil brasileira”, comentou Marisa Lajolo. Outro importante acervo de Lobato, mais organizado, está na Unicamp.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
(*Por Maria Fernanda Rodrigues / Agência Estado)