ChatGPT na escola: proibir ou estabelecer regras de uso?
Um assunto está preocupando educadores e dando o que falar no mundo todo: o ChatGPT. Lidar com os rápidos avanços da tecnologia vem sendo um grande desafio para gestores escolares há tempos, mas no fim do ano passado esse termo com nome futurista apareceu de forma avassaladora para revolucionar ainda mais o mundo em que vivemos, como já falamos por aqui.
As escolas públicas de Nova York proibiram o uso da plataforma, mas será que a proibição é o caminho? Como o Brasil deve se posicionar?
Convidamos uma super especialista em tendências/futuro para falar sobre o assunto: Eliane El Badouy. Mas antes de ler o que ela muito tem para nos dizer, vamos resumir rapidamente o que significa essa plataforma tão polêmica, encantadora e assustadora.
O que é ChatGPT?
Em apenas cinco dias, foram conquistados 1 milhão de usuários. 100 milhões com somente dois meses de existência. Já deu para ver o poder, né? GPT é a abreviação de Generative Pre-Trained Transformer, algo como “Transformador Pré-Treinado Generativo”. Para acessar, basta encontrar o endereço virtual que é chat.openai.com e, para navegar, é preciso criar uma conta, colocar usuário, senha, algumas informações básicas e pronto!
Essa ferramenta de inteligência artificial foi desenvolvida pela empresa norte-americana OpenAI, que tem entre seus fundadores Elon Musk e foi lançada em novembro de 2022. O que ela faz? Responde perguntas de uma forma muito parecida a uma pessoa de verdade. “Ah, um novo chatbot, como aqueles que as empresas usam para atender usuários”.
Não. O chatbot tradicional se baseia em um número pré-estabelecido de respostas, tendo um script manualmente definido e programado para responder somente determinadas perguntas. Quando não consegue responder, direciona o atendimento a um atendente humano.
O ChatGPT vai muito além, pois a tecnologia é capaz de compreender o significado das frases e desenvolver conversas muito mais complexas, decodificando perguntas, sem depender de um contexto pré-definido. Podemos dizer que é uma super evolução, só que por escrito, de assistentes virtuais como Siri, da Apple, e Alexa, da Amazon, criados para conversar com pessoas como se fossem outra pessoa. Mas no ChatGPT as respostas não são pré-definidas, são dadas com base no que dizem os próprios usuários e ainda identificando o idioma da conversa.
O ChatGPT na educação
Se a prática do copy and paste (“copia e cola”) já era um “atalho” muito utilizado por alunos – e grande preocupação para professores, imagina agora ter uma plataforma que você pergunta o que quiser e ela dá a resposta de um jeito muito mais completo e difícil de ser rastreado pelos professores… A ferramenta preocupa pelo fato de estudantes poderem passar a fazer trabalhos e provas com ajuda do chat, sem desenvolver habilidades necessárias para construir ferramentas essenciais para o sucesso ao longo da vida do estudante.
A proibição em Nova York
Preocupado com o desenvolvimento do pensamento crítico e raciocínio lógico dos estudantes para resolução de problemas, o Departamento de Educação da cidade de Nova York proibiu o acesso em escolas do sistema público, da mesma forma que fez com Youtube e Facebook. O acesso, no entanto, pode ser liberado se um colégio entrar com pedido de acesso para usar a ferramenta para pesquisa e em projetos de computação. Muita polêmica!
Então vamos para nossa entrevista? Vale a pena “ouvir” essa expert quando o assunto é futuro/tendências.
Escolas Exponenciais: Proibir o uso do ChatGPT é o caminho?
Eliane El Badouy: Proibir não vai resolver. O uso mal feito é preocupante, porém esse é um assunto com o qual vamos conviver de maneira muito efetiva daqui para frente, e vai gerar cada vez mais necessidade de debate sobre adaptação por parte de todos os envolvidos, que não são apenas os alunos, mas professores e pais.
É inegável que o ChatGPT é um novo desafio de competência docente, mas, na minha opinião, medidas proibitivas representam um certo retrocesso. Saber trabalhar com Inteligência Artificial (IA) vai ser tão importante quanto conhecer o próprio conteúdo programático.
E se há alguém que as novas gerações podem e devem contar para ensiná-las a melhor forma de desfrutar dessa ferramenta são os professores. No entanto, eles precisam estar preparados para isso. Não é realista tentar impedir o uso. É muito mais importante ensinar o aluno a usar de forma eficiente, segura e eficaz a IA do que proibir.
EX: Outros lugares além de NY já fizeram o mesmo, proibir?
Eliane: Existem instituições na Europa e mesmo escolas particulares no Brasil que iniciaram movimentos similares.
EX: Qual a maior preocupação, se é que dá para destacar uma principal? Fake News, informações falsas?
Eliane: Uma preocupação real é a precisão e confiabilidade das respostas dadas pelo GPT. Existe um grande risco de os menores acessarem conteúdo de fontes de idoneidade duvidosa, pois a linguagem é formada por grandes conjuntos de dados de textos, que foram alimentados somente até 2021. Nem sempre esses dados são vindos de fontes confiáveis e podem conter imprecisões capazes de impactar negativamente o aprendizado de aluno.
Modelos de linguagem não sabem nada sobre significado, apenas juntam palavras de maneira muito convincente, de forma que não é fácil detectar respostas verdadeiras e falsas. Esses modelos de inteligência artificial acabam inventando informações e apresentam falsidades como sendo fato. Quando os textos citam fontes, os usuários ficam ainda menos propensos a verificar informações. Vale lembrar que estamos vivendo um momento muito complicado em relação à quantidade de Fake News e desinformação no ambiente da internet.
EX: Outra preocupação grande é o vício do aluno em acessar essas respostas fáceis, sem “trabalhar” para buscar suas respostas, certo?
Eliane: A inteligência artificial e seus estímulos artificiais geram preguiça, trazem prejuízo à criatividade e curiosidade humanas. Desestimulam o pensamento crítico, não instigam, não fazem questionamentos. Os educadores temem, com razão, que a utilização desse tipo de ferramenta gere opiniões muito rasas.
EX: Essa nova ferramenta, o ChatGPT, fertiliza o terreno para bullying?
Eliane: A preocupação com fins inapropriados é real, principalmente cyberbullying, assédio, e até mesmo com a privacidade e segurança dos alunos. Isso precisa ser levado em consideração, principalmente quando se fala em LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados). Por ser um modelo de linguagem baseado em deep learning (braço da IA sobre aprendizagem profunda das máquinas), o ChatGPT pode gerar respostas semelhantes às humanas, que também tem o potencial de coletar e armazenar dados de usuários, entre eles alunos, que podem ter conteúdo mal utilizado ou hackeado.
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EX: Mas separar internet da escola é impossível, então como equilibrar?
Eliane: O uso de internet nas escolas vai continuar avançando, não existe outro caminho, cada vez mais escolas vão estar conectadas, com conexões melhores. Em pleno século XXI, é basicamente impossível pensar em um lugar sem acesso a internet. Por isso, proibir não resolve e já vimos isso com tecnologias anteriores, como foi com a calculadora, com o corretor ortográfico e mais tarde com celular.
É preciso orientar para a melhor forma de utilização das ferramentas de inteligência artificial, buscar a forma mais ética, mais consciente de uso. Porque essa é uma realidade sem volta e que o aluno vai ter acesso fora do ambiente escolar de qualquer forma. Sem falar em estudantes buscaram meios de furar o bloqueio dentro da própria escola.
EX: Aprender a lidar com IA é um desafio para todos, certo? Não só para os alunos.
Eliane: Todos nós temos que ter uma educação digital contínua, life long learning de educação digital. Isso implica que professores estejam preparados para lidar com a evolução tecnológica e saibam agir como curadores de conhecimento dos alunos. É crucial que as escolas implementem protocolos e saibam que os professores vão reagir de formas diferentes, principalmente pelo tipo de familiaridade que tiverem com a ferramenta.
EX: Como o ChatGPT pode trazer benefícios para o aprendizado?
Eliane: Toda Inteligência Artificial, e não somente o ChatGPT, pode entrar como mocinho ou vilão na história. O maior problema não é hardware ou software, é o peopleware, a intenção e a forma como as pessoas usam essas ferramentas. As escolas podem usar a IA para melhorar a experiência de aprendizagem com planos de aula mais customizados para cada aluno, para tornar as aulas mais acessíveis e inclusivas, mais atraentes.
O chat tem que ser facilitado para que os alunos desenvolvam sua criatividade e para auxiliar no aprendizado de disciplinas tradicionais. O uso correto pode ajudar a mostrar aos alunos justamente as limitações dessa nova inteligência. Os professores podem provocar um chat que gere respostas para fazer com que os alunos aprendam a desconfiar.
Os professores podem promover reflexões críticas, éticas, propor debates em grupo, mostrar a importância de como fazer perguntas. Se você faz uma pergunta rasa e mal formulada para o ChatGPT, a resposta não vai ajudar. É preciso estimular a usar o GPT como ponto de partida.
A ferramenta é útil para dar ideias iniciais, mas não para criar um material inédito. Sem falar que os alunos com a IA podem ter acesso muito mais amplo a recursos educacionais online, como plataforma educativas, cursos online, material de gamificação, livros digitais, tradução de idiomas, aumento de vocabulário, …
EX: Qual seria o impacto positivo para professores e gestores?
Eliane: A IA pode economizar tempo dos professores, pois eles conseguem automatizar tarefas repetitivas. Pode gerar melhores análises de dados, fazer previsões, e muito mais. Tudo isso permitindo que os professores se concentrem em outros aspectos e que melhorem a qualidade de educação que oferecem.
É muito importante pensar em mudar a forma de avaliar estudantes, trocar provas que medem conhecimento acumulado por conhecimento aplicado, ou seja, pela formulação de projetos e apresentações orais, para mostrar capacidade de argumentação que está muito em falta hoje em dia.
A IA pode ainda ajudar a desenhar políticas públicas de educação mais equitativas, promovendo escolas mais diversas, mais integradas, com avaliações mais personalizadas com base no potencial de cada aluno. Pode ajudar a identificar áreas onde o aluno precisa de mais apoio, pode redesenhar zonas de frequência escolar e mitigar padrões de segregação escolar em bairros, aumentando o número de alunos em sala de aula.
Quando bem usado, você consegue trazer a tecnologia a favor da educação tanto para o professor quanto para alunos e gestores e poder público.
EX: O que chamou atenção foi a rápida popularidade que o ChatGPT alcançou. Em apenas cinco dias, foram conquistados 1 milhão de usuários. Isso assustou também o universo escolar, certo?
Eliane: Segundo o site Statistic, o Instagram levou dois meses e meio para atingir essa mesma marca de 1 milhão de usuários, o Spotify levou 5 meses, Dropbox 7 meses, o Facebook 10 meses, AirBnB dois anos e meio e Netflix 3 anos e meio. Essa estatística mostra que, com o passar do tempo, a internet se torna cada vez mais popular, levando cada vez menos tempo para que essas plataformas alcancem a marca de um milhão de pessoas.
EX: Isso ameaça?
Eliane: A IA foi criada para complementar a inteligência humana e não para nos substituir. Ainda exige a entrada e a supervisão humana. O que nos diferencia das máquinas é o conhecimento humano (experiências x sensibilidade), e é aí onde entram valor e significado, precisão e ética.
A IA deve ser usada para aumentar a capacidade da inteligência humana e não para substituir os humanos. Não pode existir uma equação “humanos contra máquinas”. Tem que ser “humanos e máquinas”. Se a gente terceirizar esse dom de pensar de forma original, criativa, de sentir e atribuir significado, aí nós estaremos nos equiparando às máquinas e não elas a nós. Eu costumo dizer que a IA é boa na resposta, mas nós somos bons em fazer perguntas. E isso faz toda diferença. Nós somos mais inteligentes que a IA, fomos nós que criamos essa tecnologia.
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