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Com a pandemia, veio a exigência de mudanças em quase todo aspecto da instituição escolar: logística, pedagógica, psico-social, financeira, tecnológica – e no meio de todas essas, a mudança de talvez o item mais central, no qual se baseia, em essência, a relação entre todos os envolvidos: professores e educadores, alunos e pais e mães. 

A transformação tecnológica das escolas, um dos processos que se viram obrigados a acelerar com a crise, trouxe a necessidade de revisar e atualizar cláusulas contratuais. Segundo a Dra. Patrícia Peck – advogada especialista em Direito Digital, Propriedade Intelectual, Proteção de Dados e Cibersegurança – a transferência do ambiente escolar para o universo virtual envolveu na ainda maior importância da Lei de Proteção de Dados Pessoais – “para que não houvesse dúvidas do que está regendo a relação da instituição de ensino com todos”, explica.

O uso e controle das novas tecnologias

Desse modo, cláusulas que demandam atenção são, por exemplo, destaque à ciência e cumprimento do regimento, ao regime de guarda do aluno, ao uso adequado dos recursos educacionais tecnológicos e a questão de postura ética e de boa fé no uso dos recursos digitais. Esse último tópico apresenta um novo desafio às escolas já que, com a utilização crescente da internet e mídias sociais para o aprendizado, é preciso ter controle para assegurar que esses recursos estão sendo usados de forma ética.

 

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Peck sugere que, no uso de ferramentas como Whatsapp, seja usado um “princípio da minimização”. Ou seja, quando a informação que precisa ser comunicada for mais sensível (como dados de saúde e documentos, por exemplo), o melhor é utilizar um VPN (Rede Privada Virtual) ou um e-mail corporativo próprio da instituição. “Estamos dentro de uma lei mais rigorosa, ela exige que nós apliquemos métodos, técnicas de segurança para proteção de dados, então você, como instituição, tem que demonstrar que está utilizando uma ferramenta mais adequada de segurança”, explica a profissional. Adiciona ainda que não deve ser feito um “puxadinho digital”, já que as consequências podem ser graves, e às vezes um canal fechado é melhor para certas ocasiões.

O uso consciente de imagens 

Além da manutenção ao chat em salas de vídeo ou ferramentas online, para garantir que permaneçam apropriadas, também é preciso reforçar ainda mais os limites de uso de imagens, filmagens, fotos e gravações do ambiente escolar. Isso porque, enquanto esse ambiente muda – da sala física à internet – essas condições também precisam ser ajustadas. Agora que vários eventos escolares acontecem online, e que os alunos apresentam trabalhos até em mídias sociais, as escolas devem olhar para a utilização de imagens de forma diferente, atualizada, e garantir autorização específica quando o uso é publicitário. 

Segurança no mundo digital e deveres na dinâmica escola-família

Peck ainda lembra dos hackers, um problema que pode causar muita dor de cabeça às escolas, já que torna necessário um nível muito maior de vigilância e proteção para impedir que dados pessoais sejam “sequestrados”. Em geral, é importante pensar cuidadosamente nos métodos de solução de conflitos que serão usados, nos deveres de indenização e nos limites de responsabilidades e deveres que cada indivíduo tem com a escola. 

Por exemplo, de acordo com Peck, o dever de pais e alunos de comunicar informações importantes sobre cumprimento do regime escolar ou mudanças na guarda da criança, se tornam ainda mais essenciais. “porque às vezes a instituição de ensino não toma conhecimento dessas alterações”, explica a advogada. “E é dever de comunicação que a escola tem com relação àqueles que detém a guarda compartilhada dentro da legislação”.

No caso de escolas que optam por fornecer recursos educacionais tecnológicos, termos de responsabilidade em relação ao uso dessas ferramentas podem ser necessários. “A escola tem que garantir segurança das atividades escolares para toda a comunidade escolar, o que traz uma prerrogativa de monitoração, de precisar trabalhar a vigilância da atividade escolar”, afirma Peck. 

Assim, atualmente, escola e pais devem trabalhar juntos para garantir um uso adequado desses itens, já que com os alunos estudando na própria casa em vez do ambiente escolar físico, a supervisão depende muito dos responsáveis na mesma casa. “Normalmente é muito recomendável pedir a vigilância parental no uso desses recursos, a colaboração se houver necessidade de apagamento de algum conteúdo, porque a utilização disso acontece em uma sala de aula virtualizada, então a supervisão acaba precisando de uma colaboração muito grande da família”, avisa a especialista. 

A advogada ainda sugere sempre visar resolver conflitos de forma amigável, e simultaneamente reconhecer os limites e obrigações de todas as partes. Peck menciona alguns cenários novos em que esse pode se mostrar um desafio: “Têm sido mais destacadas por motivos de rescisão contratual questões relacionadas a não cumprir com a ética, não cumprir com as leis, gerar ameaças à integridade física do corpo docente, inclusive por meios digitais”. A especificação, nesse caso, da legitimidade das situações ocorridas online, lembra que ainda se trata de um ambiente escolar, apesar de virtual. “Esse ‘inclusive por meios digitais’ foi acrescido nos contratos para não ter dúvidas que as atitudes ou as más condutas em meios digitais também são motivadoras de rescisão”, esclarece Peck.

Essas reflexões, assim como a comunicação e limites na relação escola-família, são importantes porque, de acordo com Peck, esse novo modo de escolarização conta com algumas famílias que não querem seguir certas regras da instituição – como por exemplo a checagem de frequência. Além disso, como aponta Peck, a utilização de contratação eletrônica vem se popularizando, tanto no contrato de matrícula quanto na renovação do contrato e nas comunicações eletrônicas. “Então a escola cresceu no uso dos aplicativos de comunicação junto à família”, explica, já que agora o modo de comunicação com os responsáveis não se dá mais em comunicados impressos ou nas agendas dos alunos. 

Agora, com o distanciamento social, essa comunicação também teve que evoluir para uma forma mais tecnológica; por isso é imprescindível que mantenham seus canais de contato com a escola atualizados. A Lei de Proteção de Dados Pessoais prepara para situações como essa, diz Peck, contando com uma cláusula que deixa clara a autorização por parte dos pais para que esses dados sejam utilizados pela escola. 

Um assunto também coberto por essa discussão se refere a alunos com deficiência, que o contrato também deve levar em conta; e isso pode ser feito por meio de um “serviço de inclusão e atendimento” ao aluno que depende dos dados pessoais do estudante, como laudos médicos. 

Mudanças na comunicação 

Devido à lei, segundo Peck, “toda a instituição de ensino precisa publicar no seu portal escolar a política de privacidade e proteção de dados no padrão LGPD, e aí com isso é inserido uma cláusula dentro do contrato de matrícula que faz referência à essa política que diz que vai estar detalhado o tratamento de dados pessoais e diz qual é o endereço eletrônico que essa política está”. Desse modo, em vez de tornar o contrato cada vez maior ao mencionar tudo a respeito da proteção de dados, é possível apresentar uma cláusula que faz referência a essa política – que, por sua vez, estará publicada na página online da escola. 

Outra cláusula diz respeito às medidas preventivas de proteção aos dados pessoais: “a instituição de ensino vai empregar seus melhores esforços para proteção da informação, especialmente dados pessoais sensíveis”, afirma Peck. A especialista aponta que tais medidas não são necessariamente infalíveis, pois são técnicas disponíveis na época de uso, mas devem ser as melhores na medida do possível.

Mudanças contratuais para a equipe profissional

A atualização contratual nesse cenário não se estende apenas aos alunos e responsáveis, mas também aos funcionários da escola, já que no ambiente de trabalho também existe tratamento de dados pessoais. Por isso os contratos de trabalho, devido à Lei de Proteção de Dados Pessoais, também têm mudado para os colaboradores, funcionários e professores da instituição de ensino. Devido ao aumento do uso da tecnologia “cloud” por parte das instituições, é possível que ocorra internacionalização de dados, ou seja, armazenagem no exterior, o que requer uma menção dessa possibilidade no contrato. Além disso, as obrigações e deveres do colaborador também são mencionadas para que essas pessoas também cumpram as regras da nova lei. Existe ainda o dever de notificar incidentes de acordo com a lei.

É possível perceber, então, que a atualização contratual diz respeito a três eixos: o eixo clientela (alunos, responsáveis e famílias); o eixo de relação de trabalho com os funcionários da escola e com os professores; e o eixo de terceirização (profissionais terceirizados que colaboram com a instituição de ensino). “Nesses três eixos, nós temos atualização contratual provocada tanto pela transformação digital, mas principalmente pela nova lei de proteção de dados pessoais”, desenvolve Peck. “Normalmente se insere uma cláusula de direito de regresso”, complementa.

Dicas para uma boa política de privacidade

Por fim, a Dra. Patrícia Peck ainda fornece algumas dicas sobre política de privacidade: de acordo com ela, a política deve contar com informações sobre a instituição de ensino responsável pelo tratamento dos dados; deve deixar claro quais dados serão tratados; qual é a base jurídica do tratamento;  os prazos para retenção; e quem é o encarregado de dados. O DPO da escola ainda deve avisar sobre compartilhamento; transferência internacional; se há ou não o uso dos dados além da finalidade acadêmica e – por motivos específicos educacionais e de relacionamento e de publicidade – se há ou não há algum tipo de decisão automatizada; sobre o uso para fim de algoritmo; sobre a menção sobre dados de menores de idade e dados sensíveis; e sobre o uso de cookies. 

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Novas dinâmicas de contrato