A interação por meio das mídias digitais é cada vez mais frequente no ambiente escolar. Mas até que ponto as instituições de ensino tem responsabilidade quanto aos conteúdos acessados pelos estudantes por meio das ferramentas digitais?
No interior de São Paulo, um colégio sentiu na pele os desafios de gerir a educação na Era Digital. Para realizar um projeto de integração, a escola solicitou que os estudantes levassem seus tablets ou notebooks pessoais para a sala de aula. Enquanto realizava o trabalho usando a rede de internet do colégio, um dos alunos, de 12 anos, foi convidado por amigos da classe para entrar em um jogo online.
Sem ter conhecimento de que o cartão de crédito do pai estava cadastrado no aparelho para uso automático, o jovem deu início ao jogo ainda no ambiente da escola e, posteriormente, seguiu a brincadeira em casa, passando para etapas mais avançadas. Quando a família se deu conta, o custo da brincadeira, até então inofensiva, havia chegado em R$ 15 mil. Traumatizado com o prejuízo causado à família, o jovem passou a ter crises de ansiedade. O caso acendeu a discussão sobre as regras e os mecanismos de vigilância para uso destes recursos no ambiente escolar. Afinal, de quem é a responsabilidade pelo conteúdo acessado neste contexto?
Proibir não é solução
A advogada Patrícia Peck, especialista em Direito Digital, defende que pais e educadores devem ser parceiros na orientação dos alunos quanto ao uso adequado das mídias digitais, seja para assuntos de lazer ou relacionados às atividades curriculares. Ela argumenta que a proibição de celulares e tablets não é a solução e afirma que há caminhos que conduzem para o uso mais efetivo e seguro.
“A lei determina que a responsabilidade pela vigilância da criança é da família primeiramente, isso é o que está tanto na Constituição Federal, quanto no Estatuto da Criança e do Adolescente. Logo, em princípio, a responsabilidade pela vigilância do WhatsApp e mídias sociais é dos pais. No entanto, como a instituição de ensino recebe a transferência temporária da vigilância do menor, como seu aluno, durante o período das aulas, passa a ter que reportar qualquer sinal de risco que vier a tomar conhecimento”, detalha a advogada.
Os primeiros passos para promover uma rede virtual segura, segundo ela, começa por estimular o conhecimento sobre as ferramentas em si e suas regras. Muitas delas têm idades mínimas recomendadas para uso, por exemplo, e que podem passar despercebidas do conhecimento dos pais. A importância do uso de softwares de controle parental para ajudar na vigilância ao acesso à internet também está dentre os caminhos destacados por Patrícia e que podem ser trilhados tanto pelos pais, quanto pela escola.
Escola deve dar ciência aos pais
Para ajudar a se proteger, um dos recursos adotados por algumas escolas é inserir já no contrato de matrícula e no regimento escolar, as regras de conduta no manuseio dos recursos digitais dentro do ambiente da escola.
Outra linha é trabalhar na educação e capacitação de educadores, pais e alunos, com temas que alertem sobre os riscos do uso das mídias digitais. Promover reuniões sobre o tema e a busca por certificações que atestem segurança nas práticas pedagógicas virtuais, como o selo “Escola Digital Segura”, são outras ações que podem ser oferecidas pelas unidades.
As medidas são importantes para promover uma cultura virtual mais segura, mas, segundo Patrícia, não isentam a escola da responsabilidade de dar ciência aos pais se tiver conhecimento de alguma suspeita de risco para o menor. “O que a escola deve sempre evitar é a situação de omissão, quer seja no sentido educativo-preventivo ou no sentido da contenção do incidente”, enfatizou.
Atenção redobrada ao oferecer recurso tecnológico
Fazer uso de ferramentas digitais para inovar e expandir o alcance das atividades pedagógicas é uma prática condizente com a nova realidade de escola digital, na qual a tecnologia pode e deve ser uma aliada do ensino-aprendizagem. Contudo, quanto maior o uso, maior deve ser a vigilância. E isso vale tanto para resguardo do aluno, quanto da escola, especialmente nos casos em que celulares, tablets e notebooks pessoais forem usados para ações educacionais ou em situações nas quais a escola venha a oferecer seus próprios recursos tecnológicos para a realização de projetos.
A explicação para este alerta é simples: nestas circunstâncias, a instituição passa a ter responsabilidade pela vigilância do conteúdo acessado, ainda que não esteja no contexto da matéria estudada – o que pode deixá-la vulnerável a eventuais penalizações.
Um processo contra a escola poderia ser o desfecho da história do jogo online que contamos no início deste texto. Felizmente, a família conseguiu se livrar da dívida gerada com o jogo, após longo diálogo com a fabricante do notebook.
Mas, de acordo com Patrícia, o caso serve como alerta sobre a importância da instituição acompanhar de perto a conduta dos alunos na realização de atividades educacionais que envolvam mídias digitais, deixando sempre à disposição um professor ou monitor adulto para auxiliar nessa vigília.
“Quando propõe o uso de ferramentas digitais para atividades, a escola precisa informar os pais com antecedência e fazer as devidas recomendações quanto aos cuidados com a segurança, privacidade e direito de uso e imagem”, apontou.
Riscos dos canais de comunicação
Se o controle quanto ao material acessado pelos alunos deve ser frequente, os cuidados quanto ao conteúdo gerado pela instituição ou propagados nos canais de comunicação usados por ela devem ser ainda mais significativos.
Ao assumir um canal de comunicação como oficial, a escola passa a ser responsável pela mediação de todas as mensagens e informações compartilhadas neste ambiente e está sujeita a ser responsabilizada até mesmo por mensagens divulgadas por terceiros. Daí a importância de fazer uma escolha criteriosa quanto à ferramenta que será usada na comunicação direta com pais e alunos.
Por isso, se decidir manter um grupo de WhatsApp próprio para esse fim, por exemplo, a escola deve se preocupar em como vai gerenciá-lo completamente e se pronunciar sempre que houver algo que possa acender debates ou polêmicas. Isso porque, o entendimento jurídico, é que os membros daquela instituição são seus representantes legais naquele ambiente e podem ser responsabilizados por omissão, caso não se manifestarem ao testemunharem algo que venha a ser gerador de debates.
Confira se o WhatsApp é a melhor saída para a comunicação da sua escola
A responsabilidade em questão pode resultar em processos causadores de grandes prejuízos, tanto econômicos como para a imagem do colégio. E eles podem surgir por razões aparentemente insignificantes, como, por exemplo, pelo uso de termos figurados.
Um dos exemplos mais emblemáticos é o de uma escola de Minas Gerais que foi condenada a pagar R$ 30 mil à família de um aluno, após a mãe se sentir ofendida por um professor ter usado o termo “caspa” (tido como pejorativo), no lugar de seborreia, para se referir à inflamação cutânea identificada no estudante. O caso aconteceu em um grupo de WhatsApp que era gerido pelo colégio. Segundo a advogada Patrícia, a má administração desta ferramenta é a principal causa de processos contra escolas, atualmente.
“Há muitos casos judiciais, a maioria corre em segredo de justiça, nos quais a escola acaba sendo responsabilizada porque houve alguma prova inequívoca de comportamento negligente (quando ela deveria ter agido e nada fez) ou, principalmente, quando houve conduta inadequada do profissional da escola (professor ou funcionário). E a maioria das evidências têm sido envolvendo grupos de WhatsApp” relatou.
Má conduta
Conversas entre alunos e professores por meio das mídias digitais também acendem o alerta de perigo para a escola. Um dos casos relatados por Patrícia é o de um professor de Biologia que trocava mensagens com uma aluna pelo WhatsApp, sempre tratando de aulas e dúvidas. Um dia, porém, a jovem tomou a liberdade de fazer uma pergunta sobre sexo oral, deixando em dúvida o nível de intimidade entre eles, para quem visse a conversa fora de contexto.
A advogada ressalta que, nestes casos, a escola poderá ser responsabilizada por má conduta de funcionário. Por isso, cabe a ela supervisionar e orientar seus colaboradores e alunos.
“A escola não deve apenas investir em infraestrutura tecnológica, mas também em preparar a nova geração nos valores que farão a diferença em uma sociedade que está em profunda transformação e que precisará de indivíduos mais éticos, que saibam usar a tecnologia de forma saudável e segura”.
Crescimento do cyberbullying
A incidência de condutas hostis no universo das mídias digitais dentro da sala de aula é outro ponto de atenção para as escolas. Uma pesquisa realizada pelo Instituto iStart com escolas públicas e privadas de 13 estados brasileiros mostrou um crescimento de 10% no número de casos de bulluying e de ofensas nos grupos de WhatsApp entre os anos de 2013-2014, na comparação com 2012.
A pesquisa revelou ainda que 83% das escolas ouvidas já registraram incidentes de uso indevido do celular em sala de aula, 40% relataram casos de sexting (envio de foto de menor nu entre celulares e web) e 48% registraram episódios de publicação de imagem não autorizada de aluno nas mídias sociais.
Uma vez que as mídias digitais documentam todo o conteúdo publicado, a recomendação é ter cuidado nas conversas por meio destas ferramentas e jamais utilizar termos ofensivos e preconceituosos, já que os desentendimentos registrados podem ser enquadrados na situação de exposição de menor ao ridículo e na prática de cyberbullying, conforme a Lei nº 13.185/2015.
Privacidade
Resguardar a imagem da criança e proteger a sua privacidade, tratando casos específicos sempre de forma isolada, é outra orientação importante. Em caso de eventos a serem realizados na escola, por exemplo, é válido informar com antecedência que as atividades serão fotografas para evitar questionamentos quanto à exposição de menores.
“Por este motivo as escolas devem buscar recursos de comunicação com maiores níveis de controle e não devem comentar sobre casos de alunos abertamente em grupos de WhatsApp. Uma coisa é planejar a festa junina, outra coisa é tratar sobre uma questão envolvendo um aluno e seus pais, aí o canal tem que ser mais reservado. Todas as informações que envolvam menores devem ser sempre compartilhadas de forma discreta, para que se evite exposição ao ridículo”.
Ferramentas seguras para comunicação escolar
O receio de ser alvo de processo pela ingerência do conteúdo compartilhado pelo WhatsApp fez com que o colégio SEE-SAW Educação Bilingue, de São Paulo (SP), optasse por um canal mais seguro na comunicação com pais, alunos e colaboradores. O diretor geral da unidade, Cesar Pazinatto, conta que essa mídia era bastante utilizada para a troca de informações, mas a gestão do conteúdo era inviável, já que muitas mães usavam o espaço para compartilhar informações não oficiais e para fazer críticas direcionadas aos alunos.
A solução foi adotar o ClassApp, tendo em vista ser uma ferramenta desenvolvida especialmente para a comunicação escolar e que permite o diálogo de forma privada e segura, protegendo a instituição com o registro de todo o conteúdo trafegado por ele.
“Há três anos adotamos o ClassApp e o resultado tem sido muito bom porque minimizamos essa força que o WhatsApp tem entre as famílias no contato com as escolas. Desde o princípio mostramos que a forma de comunicação oficial da escola seria essa e conseguimos criar a cultura de que, quando houver um questionamento, ele deverá ser registrado pelo ClassApp”, detalhou.
Para Vahid Sherafat, CEO da ClassApp, o grande diferencial é que esta solução foi desenvolvida justamente para lidar com os desafios da comunicação escolar, oferecendo maior segurança às escolas na Era Digital. “Sabemos que a relação da escola com os pais e professores é bastante intensa e delicada. A rede social em qualquer formato gera a exposição da instituição escolar e o nosso objetivo com o ClassApp é ajudá-la a não se expor tanto. Entendemos que é válido promover o debate, mas ela precisa tomar cuidado para não acabar fechando as portas”, destacou.