7 min de leitura

Primeira mulher brasileira e primeira sul-americana a ser finalista no Global Teacher Prize, considerado o Nobel da educação, e uma das dez melhores professoras do mundo, Débora Garofalo é entusiasta de uma educação que seja transformadora para as crianças e adolescentes.

“Meu maior sonho é trazer uma educação que realmente seja transformadora para esses meninos e meninas. Vivenciei isso com o trabalho de robótica com sucata”, pontua. Segundo a educadora, o projeto, chamado de ‘Robótica com Sucata’, surgiu justamente pela vontade de transformar a vida das crianças e dos adolescentes.

No mês de abril, Débora será uma das palestrantes do Conecta Escolas Exponenciais. No evento, que será realizado no dia 13 no Expo Center Norte, em São Paulo, a profissional vai falar sobre “Coletividade e inovação em sala de aula: Como recuperar as perdas de aprendizagem causadas pela pandemia”.

Nesta segunda-feira (07), o Escolas Exponenciais entrevistou com exclusividade a profissional, que comentou desde os principais desafios vivenciados atualmente pelas escolas e pelos gestores, até mesmo sobre os obstáculos enfrentados por ser uma mulher trabalhando com educação e tecnologia. Confira:

 ***

Escolas Exponenciais: Dados do Saresp revelaram que um aluno do ensino médio sai da escola com defasagem de quase seis anos. Quais os principais caminhos você apontaria para mudar isso?

Débora: Os dados do Saresp são assustadores. Muitos especialistas já previam que esses estudantes teriam uma defasagem, mas acredito que ninguém esperava uma defasagem de seis anos. Neste caminho, é necessário que a gente priorize o retorno das aulas presenciais, onde os estudantes tenham acompanhamento da recuperação e onde a gente também possa encontrar caminhos, como o ensino híbrido, para que possa ter uma extensão da sala de aula, que os estudantes tenham a oportunidade de trabalhar novas oportunidades de ensino, com sala de aula invertida, aprendizagem híbrida, plataformas adaptativas, para que eles realmente possam recuperar essa aprendizagem. Sabemos que não vai ser fácil, vai ser um caminho desafiador, mas necessário para que a gente possa reverter toda essa situação. Esse é o momento que a gente precisa investir, principalmente, na recuperação dessa aprendizagem, aumentando a carga horária desses estudantes.

 Escolas Exponenciais: No atual cenário, quais são os principais desafios dos gestores escolares na sua opinião?

Débora: Os gestores terão um grande desafio, não é só a defasagem de seis anos ou no ensino médio. É muito além disso. É preciso promover escuta ativa, trazer esses estudantes para dentro da escola, onde a gente sabe que os índices de evasão são muito altos. Essa escola vai precisar se reinventar. E o gestor dessa escola também vai precisar se reinventar com ela. Trazendo essa comunidade para dentro da escola, mas além disso preparando e formando melhor os professores para lidar com todas essas dificuldades e tecendo esse olhar de escuta ativa, onde vamos necessitar trabalhar com esse viés para trazer os alunos para dentro da escola. 

Escolas Exponenciais: A rede particular perdeu alunos nesses dois anos de pandemia. Qual o impacto disso para a educação nacional?

Débora: Vários dados apontam essa migração dos estudantes das escolas particulares para a rede pública de ensino, principalmente na educação infantil, mas também nos anos iniciais. Isso é complexo porque as secretarias não estavam preparadas, elas trabalham por demandas e dentro desse cenário muitas não conseguiram enxergar essa migração de forma antecipada. Então, é um momento em que as secretarias estão dosando essa balança para que consiga absorver esses estudantes que estavam nas escolas particulares. Dados do IBGE, de 2019, mostram que 81% dos estudantes já estavam em escolas públicas. A gente deve ter agora um cenário muito diferenciado, que ainda não foi mapeado, para descobrir o percentual dos alunos que estão na escola pública. Mas isso afeta todo um sistema de ensino. Afeta preparar materiais didáticos, aberturas de novas salas, de profissionais para que possa suprir esse déficit. São problemas que vamos ter que lidar daqui para frente, prevendo que a gente também está vivendo uma crise econômica dentro desse cenário pandêmico.

Débora será uma das palestrantes do Conecta Escolas Exponenciais, evento realizado no próximo mês de abril

Escolas Exponenciais: Quais as principais atuais mudanças você acredita que são necessárias nas gestões das escolas, tanto pública quanto particular?

Débora: A escola está passando por um processo de se reinventar. A gente já sabe que não cabe mais a educação tradicional, é necessário trazer elementos que foram benéficos nesse processo de pandemia, tem que intensificar isso, principalmente nesse retorno presencial. Não estamos falando apenas de buscar novas formas de ensino e aprendizagem, mas também trazer algo que seja significativo para esses estudantes. Tivemos grandes avanços também. A reforma do ensino médio é uma delas, que trouxe a possibilidade dos estudantes estarem alinhados ao seu projeto de vida. E pode trazer experiências significativas para ele ao longo dessa escolarização. Nós temos vários tabus para vencer quando olhamos para essa questão, principalmente porque é necessário a formação inicial e continuada desse professor que está atuando dentro de sala de aula. Trazer elementos de inovação, como cultura maker, programação, robótica para dentro de sala de aula. Isso não é específico de um professor de tecnologia, por exemplo, isso é específico de todas as áreas de conhecimento. Esse trabalho transversal, que a tecnologia é uma das dez competências da BNCC. Outro ponto é você trazer novas abordagens de ensino, trazer mais metodologias ativas, mais metodologias investigativas, trazer também para dentro desse cenário o ensino híbrido, que vai trabalhar com diversas modalidades que o professor vai precisar se adequar. O importante de tudo isso é olhar para esse cenário, tanto da escola pública como da escola privada, e trazer um aprendizado que seja significativo para esses meninos e meninas, que seja alinhado a esses contextos. Que esses meninos e meninas aprendam durante sua escolarização a tecer valores integrais que nós não tivemos a oportunidade. A escola não é só o cognitivo, ela precisa atuar também com habilidades sócio-emocionais, isso acho que está muito claro. É necessário que a gente mude e transforme essa educação que está aí!

Escolas Exponenciais: Na véspera do Dia da Mulher, gostaria que você compartilhasse quais os principais desafios você já vivenciou na sua carreira, justamente por ser mulher?

Débora: Enquanto mulher, enquanto educadora e, principalmente, enquanto profissional que trabalha com tecnologia, eu vivenciei diversos desconfortos e também sofri muito machismo, por ser mulher e trabalhar com tecnologia. Lembro que quando comecei a idealizar o trabalho de robótica com sucata, por exemplo, ouvia dos meus colegas, principalmente homens, que eu estava fazendo artesanato, que eu não estava fazendo robótica com os estudantes. Parecia que a todo momento eu precisava provar. Eu acho que esse é um dia de luta, de reflexão, para que a gente possa olhar e compreender, dentro desse cenário, principalmente quando a gente olha para a educação, que é composta por mulheres, que cada vez é mais um cenário importante. Lembrando que a educação é a base da sociedade, que vai permear as outras construções. Sem dúvida nenhuma, esse cenário está sendo composto por mulheres, que estão em liderança e exercendo esse desafio. Enquanto educadora, nós somos lideranças. Precisamos compreender cada vez mais que a mulher tem esse espaço importante, de luta e que tem muito que avançar, principalmente no nosso país.

 Escolas Exponenciais: Para finalizar, qual seu maior sonho quando falamos em educação?

Débora: Meu maior sonho é trazer uma educação que realmente seja transformadora para esses meninos e meninas. Vivenciei isso com o trabalho de robótica com sucata, com todo esse percalço dos estudantes não acreditarem que a robótica também era para eles, deles trazerem uma questão social, que era o lixo, para podermos atuar nesse problema. E ali eu descobri uma escola que poderia ser realmente significativa. Acredito que a gente precisa transformar essa educação. Meu maior sonho é a gente ter uma escola que faça sentido para os meninos e as meninas, e que eles possam vivenciar diferentes experiências dentro da educação básica.