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Livro desenvolvido pela Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança do Trabalho (Fundacentro), órgão ligado ao Ministério do Trabalho e Emprego, mostrou que atualmente questões mentais e comportamentais acometem mais os professores do que questões físicas. O predomínio, como mostra a obra, é de distúrbios mentais – síndrome de burnout, estresse e depressão –, seguido por distúrbios de voz e osteomusculares. 

Possíveis causas 

Para Rinaldo Voltolini, professor da Faculdade de Educação (FE) da USP, ao analisar as possíveis causas desse fenômeno, é preciso levar em conta, pelo menos, duas ordens de fatores. A primeira, de ordem quantitativa, diz respeito ao excesso de trabalho dos docentes. “Sabemos que os professores, em geral, lidam com grandes cargas de trabalho, às vezes divididas em duas, três escolas, para as quais eles têm que – inclusive – se deslocar”, explica. O professor acredita que esse cenário gera um estresse, que pode acarretar no desenvolvimento de questões mentais. 

O outro fator, de ordem qualitativa, diz respeito à falta de realização desses docentes. “A profissão não é apenas um lugar de recebimento e remuneração, mas também é um lugar em que se busca a realização. E os professores em geral são profissionais que buscam também na sua relação com o trabalho uma realização”, exemplifica Voltolini. Por conta das condições gerais de ensino, essa satisfação está cada vez mais difícil de ser alcançada. 

Marcelo Afonso Ribeiro, professor do Instituto de Psicologia (IP) da USP, explica que ao analisar possibilidades para as causas desse adoecimento é preciso partir do pressuposto que não são apenas condições pré-existentes dos docentes que pioram sua saúde mental. “O adoecimento, ao se manifestar, é produto das relações da pessoa com o contexto e das impossibilidades de se equilibrar mentalmente”, pontua. 

Ribeiro acredita que, atualmente, existe um declínio no discurso de autoridade, que reverbera na valorização do docente como profissional. “Se a gente olhar no mundo mais tradicional de algumas décadas atrás, cientistas, jornalistas, políticos e professores eram pessoas que tinham autoridade, tinham respeito, tinham um lugar social valorizado”, comenta. 

Uma série de eventos, como a questão da valorização da opinião pública e o ataque à ideia do conhecimento, estremeceram a posição de autoridade desses profissionais, inclusive dos professores – que muitas vezes ocupam um espaço de pouca legitimidade e sofrem ataques. 

Para Ribeiro, a falta de autonomia dos docentes dentro do ambiente de trabalho também pode contribuir para esse aumento. O acadêmico destaca que “autonomia” não significa fazer o que bem entender de qualquer forma, mas sim um poder e liberdade para executar o que se é esperado, dentro do projeto pedagógico e dos limites institucionais. No ambiente privado existe uma pressão enorme das famílias; já no ambiente público a pressão advém das mudanças políticas e todo esse processo, segundo Ribeiro, pode ser desgastante mentalmente. 

Na atualidade, a tecnologia permitiu que grande parte das atividades passassem a ser realizadas digitalmente, o que reverbera no mundo do trabalho – e consequentemente na área da educação. Os docentes precisam se familiarizar com as novas ferramentas, que muitas vezes nunca foram utilizadas por eles. Ribeiro avalia esse cenário como paradoxal: ao mesmo tempo em que a tecnologia oferece recursos, ela amplia a quantidade de tarefas e a sobrecarga de trabalho. 

O adoecimento dos docentes 

Segundo Voltolini, atualmente, em grande parte das profissões, a maior quantidade das queixas apresentadas pelos trabalhadores estão relacionadas à saúde mental. Dessa forma, o adoecimento evidenciado pelo livro desenvolvido pela instituição Fundacentro segue a tendência geral. 

O professor acredita que o aumento dos pedidos de licença psiquiátrica para afastamento do trabalho se deve a dois fatores. O primeiro está relacionado ao aumento do discurso psiquiátrico, que é repercutido cada vez mais, e com isso os indivíduos buscam mais ajuda profissional. 

Outro fator pontuado por Voltolini diz respeito ao aumento da pressão geral, que causa um adoecimento mais mental do que físico. “Essa pressão tem a ver com exigência de desempenho, exigências de resultados que em geral levam a um estresse psíquico maior. Isso faz com que as queixas e assim como, em última instância, as licenças médicas sejam mais motivadas por razões mentais”, exemplifica. 

Mudanças na condição de trabalho 

Voltolini classifica a condição dos docentes como paradoxal, uma vez que ao mesmo tempo em que se espera uma alta potência de resultados, também são considerados impotentes do ponto de vista do saber.  Uma das maneiras de mudar esse ambiente de trabalho, apontado pelo professor, está na reformulação da condição de ensino desses docentes. 

Em geral, o docente é cobrado pelo desempenho do aluno. “O professor está em uma posição muito parecida à dos técnicos de futebol, no futebol brasileiro. Se o time começa a andar mal eles são os primeiros a serem condenados e sacrificados, como se houvesse uma relação direta entre aquilo que o técnico faz e o desempenho do seu jogador. É claro que há relações, mas indiretas. O técnico não é diretamente responsável pelo mau desempenho do seu jogador”, discorre Voltolini. O acadêmico acredita que os professores estão colocados em uma posição muito parecida, já que o trabalho deles é avaliado através de provas que medem o desempenho dos alunos. 

Além disso, normalmente, professores são pouco convidados a participarem do plano decisório da educação e servem como executores de um programa que não é desenvolvido por eles, mas que será utilizado pelos alunos. Voltolini acredita que uma mudança importante está na maior inclusão desses profissionais nas tomadas de decisão e não apenas no plano da execução. De acordo com Ribeiro, uma forma de melhorar a condição de trabalho dos docentes está na tentativa de restituir a autonomia e respeito aos docentes.

“O professor está muito pressionado e dá aula com medo, porque tem sempre alguém que vai filmar e um pai ou gestor vai reclamar. Eles se sentem muito pouco à vontade para desenvolver seu trabalho”, reflete. É importante que um trabalho colaborativo entre professores, gestores educacionais, pais e instâncias políticas seja realizado para que todos os grupos se sintam contemplados e as decisões sejam tomadas de forma conjunta. 

*Estagiária sob supervisão de Marcia Avanza / Jornal da USP

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