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O Dia da Escola, em 15 de março, é uma data que nos lembra da importância da educação em nossas vidas, portanto, é uma oportunidade de destacar iniciativas educacionais que têm feito a diferença no País. Uma delas é a Escola Maria Felipa, a primeira escola afro-brasileira do Brasil, localizada em Salvador, Bahia.

Conversamos com Bárbara Carine, fundadora da escola, que compartilhou suas inspirações e planos para o futuro. Bárbara fundou a Escola Maria Felipa com a missão de oferecer uma educação inclusiva, que celebra a cultura afro-brasileira e promove a igualdade racial. Confira os principais trechos desse bate-papo!

Escolas Exponenciais – Qual foi a inspiração por trás da criação da primeira escola afro-brasileira do país e como foi o processo de fundação?

Bárbara – Foi a educação da minha filha. Ela chegou por meio de um processo de adoção e já no momento do deferimento do cadastro, me preocupei onde seria a escola que ela estudaria. De modo que as escolas que conhecia eram locais de muita produção de etnocentrismo curricular e também de muita colonialidade nas estâncias além do saber, que têm essa relação com o currículo, mas também da colonialidade do poder, sobre qual a estética das pessoas que está no espaço de poder da escola e qual a estética das pessoas que está nos espaços mais sub-representados da escola.

E a colonialidade do ser também, ou seja, qual estética do humano é valorada nesse espaço escolar. Pensando na subjetividade da minha filha que se desenvolveria a partir de um marcador de subalternidade, sendo ela uma criança negra, fundei essa escola.

EX – Quais são os principais objetivos educacionais e sociais da escola e como eles se diferenciam das instituições de ensino convencionais?

Bárbara – A escola Maria Felipa é uma escola comum no que diz respeito a educação formal. É uma escola de educação infantil e de ensino fundamental 1 que dialoga com os documentos oficiais do MEC [Ministério da Educação] no sentido dos direitos de aprendizagem da criança, dos objetivos de aprendizagem de cada grupo escolar, dos campos de experiências que devem ser desenvolvidos nas práticas pedagógicas. A gente não destoa das outras escolas neste sentido, mas a gente destoa no sentido do projeto histórico.

Então, a gente sonha com um processo de sociedade que a gente busca construir pela via da educação, que é uma sociedade justa, sem a base das opressões estruturais que vivemos de todas as naturezas – raça, gênero, classe -, opressões capacitistas, opressões etárias, de todas as formas que nossa sociedade se estrutura. Portanto, nossa escola tem como base a premissa do respeito a adversidade humana, às múltiplas formas de existir.

EX – Como a escola aborda a valorização da cultura, história e identidade afrodescendente em seu currículo e atividades extracurriculares?

Bárbara – Por meio da positivação de memórias ancestrais. Geralmente, a gente acessa uma história, uma memória das populações negras vindas apenas da escravidão, de quatro séculos, sendo que a humanidade surgiu em África há 350 mil anos, mas milênios de histórias são apagados em detrimento de uma história única. Nossa escola potencializa memórias trazendo uma outra narrativa porque a história tem vários vieses e geralmente a gente olha história pela ótica do colonizador. O que a gente faz é desmistificar isso e trazer positivação, pioneirismo e potência ancestral.

EX – Quais desafios foram enfrentados durante o estabelecimento e operação da escola e como eles foram superados?

Bárbara – Os desafios enfrentados foram o da construção de um currículo nunca antes visto no Brasil, de um projeto político-pedagógico também inédito, um começar do zero é algo muito difícil. Isso foi superado, a gente conseguiu construir. Foi um desafio também formar educadores, porque por mais que a legislação já tenha completado 20 anos, as universidades não contemplam ainda as leis, então não temos professores capacitados e com formação pra essa atuação. Precisamos formar esses professores, com uma rotatividade muito intensa de profissionais porque é uma escola pequena. Isso é um grande desafio, mas que temos superado.

E acho que um desafio ainda não superado é a questão financeira. Não é fácil ter criado uma escola afro-brasileira em um país tão estruturalmente racista como o nosso, então a gente não se banca de mensalidades. A gente vive além de mensalidades, de doações, 30% das nossas vagas estudantis são para crianças bolsistas e é nossa escola que arca com as bolsas das crianças negras, indígenas e situação de vulnerabilidade social. É uma luta muito grande dar conta objetivamente, materialmente desse projeto, mas a gente tem conseguido, já são seis anos de escola e agora estamos indo para expansão, para o Rio de Janeiro.

EX – De que forma a escola promove a inclusão e o empoderamento dos alunos afrodescendentes?

Bárbara – Por meio das memórias. Elas acessam tecnologia ancestral de pessoas negras, literatura de pessoas negras, filosofia desenvolvida por pessoas negras, uma agenda política africana diferente que não está marcada nos índices de tragédia, guerra civil, HIV. A gente fala sobre reinos, impérios, dinastias, produções ancestrais importantes para o desenvolvimento histórico mundial e em perspectivas em que a criança consegue olhar para o seu passado e construir uma subjetividade de potencialização no tempo presente.

EX – Quais são as estratégias pedagógicas utilizadas pela escola para promover um ambiente de aprendizagem inclusivo e estimulante?

Bárbara – A gente trabalha com pedagogia de projetos, então, ao longo do ano vários projetos são desenvolvidos na escola como a feira de ciências africana, festival de cultura popular chamado Mariscada, projeto de artes negras indígenas, onde as crianças estudam sobre artistas negros indígenas e expõem suas artes no Museu Afro da Bahia. São inúmeros projetos desenvolvidos.

EX – Como a experiência de liderar a primeira escola afro-brasileira do país influenciou sua visão da educação e seu compromisso com a promoção da igualdade racial e social?

Bárbara – É um grande desafio porque a gente precisa lidar com o racismo de múltiplas formas, racismo institucional, principalmente. Dificilmente, as pessoas reconhecem minha capacidade de liderança. Minha sócia, que também é uma mulher negra, passa por isso. Tanto na esfera do racismo, sofrido por pessoas brancas que o tempo todo nos deslegitimam, nos descreditam do nosso trabalho, é muito cansativo.

E também no âmbito da reprodução do próprio racismo. As pessoas negras tendem também a ter uma dificuldade de entender essa liderança. É um grande desafio, mas me fortaleceu, me ensinou muito sobre gestão escolar e financeira, que não era algo que tinha muito conhecimento, então me fez ir para outras áreas. Eu, apenas professora, tive que atuar também nessa frente de gestão e lidando com problemas não apenas de ordem econômica, mas também de reprodução e de opressões estruturais como o racismo e o sexismo.

EX – Vocês vão abrir uma unidade da Maria Felipa no Rio de Janeiro, certo? O porquê escolheram o Rio e quando a escola será inaugurada?

Bárbara – Vamos abrir mais uma unidade do Maria Felipa no Rio de Janeiro em 2025. O Rio foi escolhido porque era um dos polos de maior solicitação de abertura da escola. A gente tinha São Paulo e Rio de Janeiro. Tentamos em São Paulo, mas inicialmente não conseguimos um ponto de apoio, alguém que topasse caminhar com a gente porque eu e minha sócia de Salvador abrimos capital para entrada de um novo sócio ou sócia e isso não aconteceu em São Paulo, mas acabou acontecendo no Rio de Janeiro. Foi uma questão mais pelas circunstâncias mesmo. A gente já está com uma lista de espera bem avançada, muitas pessoas fizeram pré-matrícula para o ano de 2025 e isso mostra o quanto fomos acertadas em levar Maria Felipa para o Rio de Janeiro porque tem uma demanda gigantesca.

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Foto: Reprodução