Imprensa acerta quando não noticia detalhes de ataques em escolas
Veículos de imprensa adotam a postura correta quando evitam dar detalhes sobre ataques armados em escolas. A cautela com a informação é uma forma de evitar um “efeito contágio” que poderia estimular novos casos de violência.
A avaliação é de especialistas e jornalistas que participaram do 7º Congresso Internacional de Jornalismo de Educação, em São Paulo, nesta semana. O evento foi organizado pela Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca) – aproveite para conhecer cinco ações de sucesso contra a violência em escolas.
Uma das participantes das mesas de debate foi a americana Sherry Towers, referência em pesquisas sobre o impacto da cobertura da imprensa nos ataques a escolas nos Estados Unidos. Analisando a recorrência de episódios de ataques em estabelecimentos de ensino, ela chegou à conclusão de que há um efeito contágio, ou seja: pessoas se inspiram em casos noticiados para tomar atitudes semelhantes.
“De 20% a 30% dos tiroteios em escolas nos Estados Unidos acontecem devido ao contágio. E o período de contágio é aproximadamente duas semanas”, afirma.
A especialista americana ressalta que os relatos de violência em escolas no Brasil são mais recentes que nos Estados Unidos, o que dificulta uma análise mais precisa, mas infere que “a dinâmica dos dados mostra que o contágio, muito provavelmente, tem um papel muito significativo no Brasil”.
Ataques em escolas no Brasil
Um levantamento do Instituto Sou da Paz aponta que, desde 2021, o Brasil registrou 24 ataques em escolas, que deixaram 45 mortes. Mais da metade deles nos últimos quatro anos.
Sherry Towers defende que a imprensa tenha cautela com as informações relativas a atos de violência que vitimam estudantes. Ela lembra do episódio que ficou conhecido como Massacre de Columbine, em Denver, nos Estados Unidos, que terminou com 15 mortos. “A mídia forneceu um verdadeiro roteiro. Por exemplo, que roupa eles usaram, que tipo de armas, as estratégias”, critica.
A pesquisadora faz uma associação desse caso com dois ataques no Brasil: um em Suzano, na região metropolitana de São Paulo, em 2019, que teve dez mortes ao todo; e outro em Realengo, Rio de Janeiro, em 2011, quando um atirador matou 12 crianças.
“Os atacantes copiaram o perfil dos crimes”, aponta. Segundo a americana, divulgar detalhes sobre como os agressores agem e se vestem “não é pertinente para prevenir outros ataques”.
Recomendação da Jeduca para veículos
A avaliação da especialista vai ao encontro da recomendação da Jeduca para veículos de imprensa. Segundo a associação, para esse tipo de cobertura delicada não é recomendável informar nome dos agressores, detalhes sobre como os ataques e mortes se desencadearam, roupas utilizadas ou ambientes virtuais onde conseguiram informações que ajudaram no crime.
Após casos ocorridos este ano na cidade catarinense de Blumenau e em São Paulo, vários veículos de imprensa adotaram as recomendações.
Outra participante na mesa de debate foi a professora do departamento de psicologia educacional da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Telma Vinha. A mesa foi mediada pela vice-presidente da Jeduca e repórter da Agência Brasil, Mariana Tokarnia.
A especialista da Unicamp faz um mapeamento de casos de ataques a escolas brasileiras. Ela identifica que o perfil dos agressores indica problemas psicológicos, histórico de bullying e associação com ideias de intolerância, como homofobia, racismo e discursos de ódio. Ela classifica esse conjunto como um cenário de adoecimento mental, fomentado também pelas redes sociais.
A professora defende que a cobertura da imprensa sobre educação não seja apenas sobre dados quantitativos, resultados, e que haja uma preocupação também com o ambiente escolar. “Qualidade de clima e convivência são funções sociais principais da escola”.
Sobre veículos de imprensa concordarem em limitar a divulgação de detalhes de ataques a escolas, Telma observa de forma positiva. “Foi algo louvável, não foi por leis”, observa. “Foi um processo de autorregulação da mídia, e não um processo acrítico, foi um processo com discussões, debates, questionamentos”.
Sherry Towers também defende que esse controle da mídia seja por forma de autorregulação, sem imposição do Estado. “Esse é um caminho [regulação pelo governo] que causa muito deslize. É complicado falar para a mídia o que ela pode ou não pode dizer. A melhor forma é a própria mídia escolher a sua autorregulação”, diz.
Prática adotada nas redações
Outra mesa de debates reuniu apenas jornalistas. Victor Vieira, do Estado de São Paulo, ressaltou que a iniciativa de limitar a divulgação de detalhes de ataques precisou vir acompanhada de esclarecimentos da decisão para evitar interpretações equivocadas por parte dos leitores.
“Transparência com o público para não parecer que é minimizar o ataque, que é um acobertamento, que é não querer mostrar quem é o responsável pelo crime”, explica.
Laura Mattos, da Folha de S.Paulo, classifica a decisão como sair do “piloto automático” e explica que o jornal analisa caso a caso as discussões.
“Foi interessante ter levado essa discussão para as páginas do jornal para mostrar o que a sociedade estava pensando e o que a gente podia internamente discutir e levar para os leitores”, conta.
Para Maurício Xavier, do O Globo¸ ainda estão em progresso as discussões sobre a forma ideal de cobertura de casos como esses. Por exemplo, a pertinência de fazer reportagens com perfis das vítimas e cobrir velórios. “São episódios muito duros de cobrir”, afirma. “Eu acho que é uma discussão que ainda vai se ampliar e, talvez, a gente tenha que definir mais parâmetros no futuro”.
Com experiência de ter coberto para o jornal A Tribuna os ataques a escolas em Aracruz, no Espírito Santo, em 2022, a jornalista Lorrany Martins destaca o papel da imprensa como fonte confiável de informação.
“As pessoas têm curiosidade em saber o que está acontecendo e elas procuram o jornalismo para entender”, aponta. “As pessoas começaram a receber as informações pelo WhatsApp, mas elas não acreditaram, elas queriam uma confirmação do jornal, da TV”, completa.
“A gente fica numa situação complicada de, pela questão ética, não dar detalhes para não provocar o efeito contágio, mas também não pode só dar uma nota, o fato e pronto”, opina a jornalista.
Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil.
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