Pode usar celular na saída da escola? Colégios criam até ‘celulódromo’ para aluno falar com os pais
Os primeiros dias de aula com a nova legislação que impede o uso de celular nas escolas mostraram que, apesar do apoio de famílias e educadores à medida, ainda há dúvidas sobre o que se pode ou não fazer. Que é proibido o uso nas aulas, recreios e intervalos todo mundo sabe, mas e na hora da saída?
Por causa de procedimentos comuns no fim do horário escolar, como chamar um carro de aplicativo, combinar com os pais sobre onde os filhos serão buscados ou sobre mudanças de planos, algumas escolas passaram a permitir a utilização de celulares em locais específicos.
A Secretaria Estadual da Educação diz que as únicas exceções para o uso dos smartphones são para “alunos com necessidades especiais”, por “motivos médicos” ou “para fins pedagógicos.” O Conselho Nacional de Educação (CNE) prevê que as escolas exerçam sua autonomia. (leia mais abaixo).
Um colégio na Vila Mariana, zona sul de São Paulo, criou um espaço só para recados rápidos aos pais na entrada e na saída, chamado de Mobile Zone, que já é comparado aos antigos fumódromos – ou “celulódromos”. “Mas os alunos não podem ficar mais do que cinco minutos. Temos um inspetor que vai lá e questiona: já resolveu o que precisava? Para algo mais demorado, ele indica o telefone da escola”, conta Juliana Diniz, diretora nacional da Start Anglo Bilingual School.
O espaço fica ao lado da sala também recém-criada para os celulares permanecerem armazenados, em sacos plásticos individuais, durante a aula.
“Foi um alívio saber que ela pode falar comigo de dentro da escola para avisar que está indo para o metrô. Além da segurança, preciso saber a hora que ela chega à estação para buscá-la”, diz Luciana Raimondo, que tem uma filha de 17 anos no Liceu Pasteur Start Anglo, uma dos colégios do grupo. Segundo a diretora, 70% dos alunos do ensino médio usam o transporte público para ir ou voltar e costumam se comunicar com pais sobre essa logística.
Pouca clareza para o uso de celular fora do horário de aula
Nenhuma das duas leis, federal ou estadual, menciona recomendações para os horários de entrada e saída. E a falta de regulamentação mais detalhada, algo que deveria vir após a aprovação da legislação, fez com que cada escola aplicasse uma norma diferente.
No Colégio Bandeirantes, na região central, o celular é liberado em qualquer lugar da escola desde que fora do período de aulas, ou seja, antes das 7 horas, após as 18h30 e entre os turnos (12h30 às 13h). “Consultamos nossos advogados e nosso entendimento é de que a legislação permite. E ainda colocaríamos nossos alunos em risco se ficassem na rua nesse momento de comunicação com pais ou para pedir aplicativo de transporte”, diz o diretor de Tecnologia Educacional do Bandeirantes, Emerson Bento Pereira.
A preocupação com roubos e furtos de celular na hora da saída é comum em todas as escolas ouvidas pela reportagem. “Como não têm mais acesso na escola, poderia também dar aquela fissura, de querer pegar o celular assim que pisassem do lado de fora. Isso os deixaria mais expostos”, diz a diretora geral do Colégio Rio Branco, Esther Carvalho.
A escola também permite o uso em um espaço entre as catracas e rua, mas que ainda faz parte do colégio, na hora da saída. Durante as aulas, os aparelhos estão sendo guardados em escaninhos, caixas e até capas magnéticas, que bloqueiam o uso.
A lei estadual, aprovada em dezembro e sancionada pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), diz claramente que “fica proibida a utilização de celulares e outros dispositivos eletrônicos pelos alunos nas unidades escolares da rede pública e privada de ensino”.
Já a lei nacional, sancionada em janeiro pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), menciona apenas a proibição “durante a aula, o recreio ou intervalos entre as aulas”.
Questionada pelo Estadão sobre a possibilidade da utilização nos horários de entrada e saída, a secretaria estadual respondeu que “o uso do celular é proibido dentro do ambiente escolar” e reforçou as proibições previstas pela norma, que envolvem uso por necessidade médica ou fins pedagógicos.
No Colégio Oswald de Andrade, zona oeste, a única exceção dentro da escola é para pedir transporte por app em um perímetro próximo ao portão da saída. As comunicações com os pais, se necessárias, devem ser feitas pelos telefones das secretaria. “Se começarmos a abrir muito, daqui a pouco o celular está no pátio de novo”, diz a diretora pedagógica Laura Nassar.
Nos primeiros dias de aula, houve fila de alunos na secretaria querendo usar o telefone fixo e mais trânsito na porta porque os pais não conseguiam avisar os filhos que estavam chegando, o que costuma agilizar a saída. Depois de uma semana de aula, a situação foi se normalizando, conta. “Estamos avaliando, conversando com os adolescentes e as famílias, e achando novos meios para coisas que já estávamos acostumados a fazer usando sempre aplicativos.”
Na Escola Vereda, que tem unidades na zona leste e no ABC, o uso de celulares também só é permitido depois que os alunos passam as catracas “justamente para reforçar a lei da restrição, uma vez que o uso de aparelhos eletrônicos não é permitido dentro do ambiente escolar”, diz a direção.
“Agora voltamos aos velhos tempos, quando ele não tinha celular. Passo na porta da escola e buzino ou falo com o porteiro para chamar meu filho”, diz o empresário Fabio Sanches, pai de um aluno de 13 anos do Oswald. Apesar do período inicial de adaptação, diretores de escolas particulares são unânimes em relatar o apoio das famílias à proibição .
Nos últimos anos, pesquisas mostraram o impacto na aprendizagem, no foco e na saúde mental de crianças e adolescentes por causa do uso do celular – em especial no ambiente escolar.
Regulamentação das leis
Na semana passada, foi montada uma comissão que vai elaborar normas complementares sobre a lei federal dos celulares no Conselho Nacional de Educação (CNE), órgão consultivo do Ministério da Educação (MEC). O documento, que está sendo preparado pelo grupo em regime de urgência, deve ficar pronto ainda este mês, segundo o relator Israel Batista.
De acordo com ele, as diretrizes – que funcionam como regulamentações da lei – vão tratar de pontos específicos, como o caso do horário de saída. O CNE tem recebido, diz Batista, diversos questionamentos do País todo. “Mas vamos deixar que as escolas exerçam sua autonomia, que criem suas próprias regras mais adequadas a cada realidade”, afirma.
Em São Paulo, um documento de janeiro do Conselho Estadual de Educação (CEE) também reforçou a autonomia e a diversidade das escolas ao aplicar a nova lei. O texto não menciona horários de entrada ou saída, mas afirma que “deve-se considerar as preocupações dos pais quanto à segurança e à organização da rotina dos alunos”. “É fundamental que as escolas orientem as famílias sobre quais serão os meios e momentos institucionais de comunicação durante o período escolar, promovendo a confiança e a tranquilidade em relação à segurança e ao bem-estar dos alunos”, completa.
Tanto escolas quanto as secretarias da educação divulgaram punições para os alunos que desrespeitarem as regras de proibição do uso de celular, mas nenhum documento ainda menciona se vai haver fiscalização de colégios que não cumprirem a lei. Mesmo havendo uma lei nacional, essa atribuição é dos governos e dos municípios, responsáveis pelas redes de ensino.
Questionada, a Secretaria Estadual da Educação diz que a exceção para o uso dos smartphones vale só para “alunos com necessidades especiais, que precisem do celular por motivos médicos ou usem para fins pedagógicos a partir da autorização e agendamento do professor.”
A pasta afirmou que “os supervisores das escolas, sejam públicas ou particulares, serão responsáveis por fazer visitas presenciais para fiscalizar e orientar sobre o desenvolvimento” e o cumprimento da lei.
O Estado também informou que divulgou um documento orientador para as escolas da rede e que “tem priorizado a escuta e a conscientização de alunos e professores, e vai aguardar as devolutivas da rede sobre a aplicação da lei” para eventuais novos textos de regulamentação.
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