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Os resultados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) de 2022 revelaram que o Brasil está entre os países com maior percentual de estudantes que se sentem solitários no ambiente escolar, indicando um aumento em relação à última edição do exame em 2018.

A pesquisa, que avalia não apenas as competências acadêmicas, mas também o bem-estar emocional dos estudantes, destacou que, embora 76% dos entrevistados no Brasil tenham afirmado se sentir parte da escola e 70% tenham facilidade para fazer amizades, 27% relataram se sentir solitários. Esse índice representa um aumento em comparação aos 23% registrados em 2018.

No cenário global, o Brasil ocupou a quinta posição entre as 81 economias participantes em termos de estudantes que se sentem solitários na escola. Filipinas e Turquia lideram a lista com 28%, seguidos por El Salvador e Chile, ambos com 27%. A média entre os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de 16%.

Além disso, o estudo revela que 19% dos estudantes brasileiros se sentem “deixados de lado” ou como estranhos nas instituições de ensino, percentual que se equipara à média dos países da OCDE. 

Daniela Munerato, psicóloga e coordenadora de professores, aponta que esse resultado pode ser influenciado pelo impacto da pandemia. Ela destaca que o Pisa 2022 reflete os efeitos da interrupção do processo coletivo e de grupo devido à pandemia. 

“O isolamento social, a falta de interação e a interrupção do processo de formação de alunos durante o período de ensino remoto contribuíram para o aumento da solidão entre os estudantes”, afirma. 

A psicóloga enfatiza a importância de repensar estratégias para fortalecer o senso de pertencimento nas escolas, reconhecendo a necessidade de um plano mais focado na formação de grupos e no bem-estar emocional dos alunos.

Desafios colaboram com a solidão dos alunos, diz pedagoga

Para Rita Khater, professora, psicóloga e pedagoga docente da Faculdade de Psicologia da PUC-Campinas, as estatísticas do Pisa 2022 destacam uma série de desafios que contribuem para a solidão dos alunos no ambiente escolar.

“Os dados revelam que muitos alunos frequentam a escola, mas enfrentam dificuldades na interpretação de textos e não desenvolveram adequadamente a inteligência linguística e os conceitos matemáticos compatíveis com a idade. Essa precariedade no ensino formal desempenha um papel significativo nas relações interpessoais desses estudantes, desestimulando-os”.

Segundo Rita, essa falta de estímulo educacional é agravada por diversos fatores, especialmente aqueles que foram intensificados durante a pandemia. Durante a crise sanitária, os alunos experimentaram relações interpessoais precárias e uma comunicação limitada entre os amigos, afirma. 

“Alguns tinham acesso a recursos on-line, embora essa realidade fosse uma exceção, não a regra para a maioria dos estudantes brasileiros. Mesmo para aqueles com acesso à internet, a qualidade das relações interpessoais on-line é comprometida em comparação com a interação presencial”, destaca. 

Rita acrescenta que as plataformas como Instagram e chats de comunicação não proporcionam a mesma qualidade de interação que o contato direto, prejudicando consideravelmente o tempo em que os alunos ficaram isolados.

Identidade social no ambiente escolar

O psicólogo e professor da Univap (Universidade do Vale do Paraíba), Rodney Costa, argumenta que as identidades sociais, ou seja, o sentimento de pertencimento a determinados grupos em detrimento de outros, são inevitáveis e desempenham um papel importante no processo de socialização e, consequentemente no desenvolvimento psíquico.

De acordo com ele, a identidade social exerce influência na visão de mundo, no comportamento e na autoestima. Costa destaca que o poder que os grupos têm na subjetividade das pessoas não é adquirido de maneira espontânea.

“Existe um processo cognitivo em que as pessoas realizam categorizações e comparações dos indivíduos e grupos ao seu redor, buscando analisar os benefícios e desvantagens associados a pertencer a um grupo específico. Isso quer dizer que o sentimento de pertencimento a um grupo surge quando esse grupo faz sentido para nós e contribui para o fortalecimento da nossa autoestima”, explica.

Para o psicólogo, o grande desafio nas escolas contemporâneas está no descompasso entre o que elas oferecem aos alunos e os reais anseios desses estudantes. 

“Muitos frequentam a escola apenas por obrigação, sem enxergar um propósito significativo. Como resultado, mesmo compartilhando o mesmo espaço físico, os alunos não desenvolvem afinidade com seus colegas, baseada no amor e no sentido que a educação tem para eles”.

Segundo Costa, os grupos formados dentro da escola acabam sendo construídos em torno de afinidades externas a ela, como preferências musicais ou atividades recreativas. Além disso, a falta de voz dos alunos no ambiente escolar agrava essa situação. 

“Com frequência, queixas e demandas são ignoradas pelos educadores e responsáveis. Atividades e leituras são impostas sem uma discussão prévia com os estudantes, contribuindo para a desconexão entre o ambiente escolar e as necessidades reais dos alunos”.

Como acabar com a solidão e falta de pertencimento dos alunos

Um dos caminhos sugeridos pelo psicólogo Rodney Costa para reverter esse quadro de solidão e falta de pertencimento nos alunos envolve uma reavaliação profunda da grade curricular da educação básica. 

Ele argumenta que os conhecimentos adquiridos na escola devem ser relevantes para a vivência cotidiana dos alunos. Além disso, a incorporação efetiva de tecnologias, como telas, redes sociais e inteligência artificial, no processo formal de ensino-aprendizagem é um desafio contemporâneo que precisa ser enfrentado.

Outra proposta mais prática e imediata consiste na criação de estratégias que promovam a participação ativa dos estudantes em seu próprio processo de aprendizagem. Ele cita como exemplos a realização de assembleias estudantis para decisões escolares, oferta de disciplinas eletivas diversificadas, envolvimento dos alunos na organização de eventos e a disponibilização de atividades recreativas e culturais nos finais de semana.

A presença crescente de psicólogos escolares nas instituições também é destacada como uma ponte importante entre estudantes, responsáveis e a escola. De acordo com Costa, esses profissionais podem atuar em questões individuais e coletivas, promovendo um ambiente mais saudável e acolhedor.

Para a psicóloga Rita Khater, é preciso fazer da escola uma sociedade que valoriza as diferenças e promove a inclusão. Ela afirma que a falta de pertencimento na escola, o sentimento de solidão, prejudica o estudo, o desenvolvimento do conhecimento e da afetividade dos alunos.

“É necessário transformar a escola em um ambiente que respeite a diversidade, incentivando os alunos a compreenderem e aceitarem as diferenças para que se sintam verdadeiramente pertencentes a essa comunidade escolar”. 

Estratégias para resgatar o vínculo no ambiente escolar

A psicóloga e coordenadora de professores, Daniela Munerato, destaca a importância de envolver crianças e adolescentes em diferentes atividades dentro do ambiente escolar para resgatar o sentido de pertencimento e promover o diálogo entre os membros da comunidade escolar.

Daniela aponta experiências bem-sucedidas, como a criação de grupos responsáveis por áreas específicas, como esportes e ações sociais, dentro da escola. Segundo ela, esses grupos, formados por representantes de sala, facilitam o diálogo, a expressão e a participação ativa dos estudantes. 

“O envolvimento em atividades como esportes, teatro e expressão é um caminho eficaz para fortalecer o sentimento de pertencimento”. 

A psicóloga ressalta ainda a importância de envolver os alunos no dia a dia da escola e na escuta atenta por parte da instituição. “Essa participação ativa e a sensação de serem ouvidos contribuem para que os estudantes se sintam parte de um grupo, mesmo reconhecendo que nem sempre serão contemplados em suas demandas”.

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