7 min de leitura

O currículo escolar é o caminho que o aluno deverá percorrer durante sua trajetória na instituição de ensino. Ele aborda os conteúdos que serão estudados durante esse tempo e norteia também o trabalho dos educadores. Embora seja construído a partir da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) definida pelo Ministério da Educação, o currículo não é algo estático, ao contrário: ele é adaptável a cada realidade, e é isso que o torna mais assertivo e eficaz. Além das teorias que serão ensinadas, ele também deve abordar os aspectos humanos e sociais, como os comportamentos e valores que serão passados em cada aula, bem como acompanhar as transformações do mundo e se ajustar a elas.

“Em primeiro lugar, um currículo sempre expressa algum propósito: aumentar o conhecimento, formar cidadãos, preparar para o futuro mercado de trabalho, desenvolver competências de vários perfis, despertar modelos mentais globais, incutir valores, entre outros”, explicam Mônica Nunes, mestre em educação, psicopedagoga, gestora educacional e professora, e Mekler Nunes, mestre em estratégia e teologia, gestor de empresas e matemático, ambos cofundadores da ViSAR Management & Consulting, empresa brasileira de fomento de negócios e projetos para um sistema educacional efetivo e sustentável. “Um currículo vem sempre recheado de cultura, de contexto, de sua própria evolução histórica, de comparações com outros países e rankings, e um elemento desafiador são as especificidades de um país tão grande como o nosso, com metrópoles e pequenas cidades, indígenas, quilombolas e imigrantes de todo o mundo, regionalidades riquíssimas que merecem ser apresentadas e desenvolvidas em uma base curricular. Há contingentes específicos muito numerosos que também precisam ser considerados, como surdos, cegos, autistas e situações de vulnerabilidade social ou econômica, como ciganos, ribeirinhos e estudantes rurais”, ressaltam.

Para Sérgio Godinho, diretor da Escola da Serra, em Belo Horizonte, o currículo traduz, na prática do dia a dia, a visão de mundo, de sujeito e de educação que são abraçadas pela instituição escolar. “O aspecto mais essencial na montagem do currículo é a sua diversidade, a sua riqueza. Você pode se limitar ao mínimo obrigatório, mas você pode, também, aproveitar os espaços oferecidos pela legislação educacional brasileira, uma das mais avançadas e libertárias do planeta, para oferecer um currículo diferenciado, rico e inovador, que traga para as crianças e jovens a oportunidade de vivenciarem experiências e desafios importantes”, afirma.

Segundo ele, na Escola da Serra, há esse desenho diferenciado, organizado por ciclos de três anos e por áreas de conhecimento, em vez de séries anuais e disciplinas isoladas: “Oferecemos as quatro modalidades de Arte (plásticas, dança, teatro e música) em todos os segmentos; em cada ciclo, temos uma prática corporal além da Educação Física (Capoeira, Tai Chi Chuan, Aikidô, Yoga); no ensino médio, temos uma área de conhecimento denominada Cidadania e Projeto de Vida, em que os alunos estudam direito, economia política, empreendedorismo, noções de administração e psicologia, e são levados a conhecer os desafios da realidade brasileira. Uma busca permanente de oferecer aos alunos uma rica gama de experiências”, conta Sérgio.

Dentro de um currículo escolar, é possível perceber três modelos: o social, que faz parte da identidade educacional e deve considerar as diferenças sociais e culturais, bem como o contexto em que está inserida a instituição; o oculto, que abrange as ações, os comportamentos, as atitudes e os valores que se estão presentes de forma implícita no conteúdo científico; e o estruturador, que interliga todos os aspectos das aulas, faz a convergência entre as disciplinas e orienta o que deve ser estudado de forma articulada.

Confira também:
Ensino à distância em tempos de coronavírus: recomendações da Unesco e diretrizes do MEC

Aspectos importantes para considerar durante a construção do currículo

Mônica e Mekler reforçam que, na última década, principalmente diante das experiências disparadas pelo coronavírus, entende-se que o currículo precisa ser permeado por conteúdos e práticas digitais, socioemocionais, bilíngues, de educação financeira e robótica: “Objetos de aprendizagem 3D, realidades virtuais e aumentadas, plataformas de aprendizagem e gamificação são recursos didáticos que têm puxado esses movimentos”. Eles ressaltam também que um dos grandes alvos da elaboração de um currículo educacional é que ele represente, ao máximo, a realidade da vida, que é multidisciplinar. “Nas escolas, de modo geral, busca-se com mais ou menos eficácia a construção dessa multi/inter/transdisciplinaridade, que se propõe a romper – ou, ao menos, a suavizar – as bordas duras das disciplinas estanques, criando pontes mais realistas e cotidianas entre a matemática e a biologia, a geografia e a literatura, a arte e a educação física”, dizem.

Confira, a seguir, alguns pontos importantes que precisam ser considerados durante a montagem:

Novas práticas e tecnologias: a escola precisa se atualizar sobre o que as demais instituições estão realizando, bem como acompanhar as evoluções tecnológicas. Inovações como avaliações on-line e utilização de computadores e tablets como instrumentos de pesquisas e realizações de tarefas costumam ser bem aceitas pelos estudantes;

Necessidades dos alunos: um bom currículo deve ser inclusivo, perceber as dificuldades de cada estudante e buscar soluções para ajudá-los a aprender;

Padronização: mesmo com um currículo dinâmico, o padrão ainda é necessário. A escola precisa estabelecer uma linha para seguir, de forma que todas as turmas de um mesmo ano devem aprender o mesmo conteúdo. A forma pode variar de acordo com cada professor, mas a essência precisa ser a mesma.

Avaliação de desempenho e metas: É muito importante que a gestão utilize esse momento para avaliar o desempenho dos alunos e dos professores e verificar se é preciso fazer alguma mudança.

Sérgio Godinho conta que, na Escola da Serra, eles acreditam que o currículo deve, primeiramente, assegurar ao aluno a possibilidade de desabrochar os seus potenciais, garantindo espaço para que seus talentos, desejos, interesses, planos e sonhos sejam acolhidos. “Ele deve, também, oferecer aos estudantes oportunidades de expandir seus horizontes, proporcionando-lhes experiências ousadas, instigadoras, que tirem os alunos da zona de conforto e os levem a compreender a realidade de uma forma mais profunda, ampliando as suas possibilidades de escolha; por fim, o currículo deve permitir que as crianças e jovens se percebam como pessoas empoderadas, capazes de transformar a realidade”, afirma.

Para a Escola da Serra, o currículo não é compreendido como o princípio da ação pedagógica, mas como o final: “Faz muito mais sentido que os alunos desenvolvam pesquisas a partir dos seus interesses e, então, que as aprendizagens realizadas sejam vinculadas ao que está previsto no currículo do que o contrário. Um programa de estudo estabelecido a partir do que está definido na BNCC, como se fosse uma prescrição, será fatalmente visto como algo imposto, vindo de fora e, consequentemente, carente de significado. Da forma como fazemos, o currículo tem papel de referência a ser atendida à medida que os alunos desenvolvam suas aprendizagens, garantia de que o currículo proposto será cumprido, mas numa ordem que obedece ao interesse do aluno e não a uma prescrição de cima para baixo”, finaliza Sérgio.

Confira também:
A relação entre a neurociência e a educação