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Desenvolvida em uma pequena cidade italiana no pós-Segunda Guerra Mundial, a Metodologia Reggio Emilia – também conhecida por pedagogia da escuta – ainda se destaca como uma das abordagens mais populares entre instituições de ensino ao redor do mundo.  

Embora sua origem remonte a um período delicado da história italiana, sua essência é atemporal: valorizar a criança como protagonista do aprendizado. Isso, além de reconhecer sua curiosidade, criatividade e capacidade de construir conhecimento em colaboração aos outros.

Essa filosofia se traduz na prática de muitas maneiras, como descrito na obra As Cem Linguagens da Criança, ao destacar a riqueza de expressões presentes no cotidiano dos pequenos:

“As crianças pequenas são encorajadas a explorar seu ambiente e a expressar a si mesmas através de todas as suas linguagens naturais ou modos de expressão, incluindo palavras, movimento, desenhos, pinturas, montagens, escultura, teatro de sombras, colagens, dramatizações e música.” (EDWARDS; GANDINI; FORMAN, 1999, p. 21)

Para aplicar esses princípios de forma autêntica, no entanto, é preciso compreender que a Reggio Emilia não se trata de uma simples metodologia de Aprendizagem Ativa: ela exige uma estrutura viva e flexível.

Ou seja, a escola pode – e deve – adaptar constantemente os conceitos da abordagem ao próprio contexto. Isso significa incentivar educadores a repensarem seus papéis e a criarem ambientes que inspirem investigação, expressão e descoberta.

O legado de Loris Malaguzzi na história da metodologia 

Muito além de um teórico, Loris Malaguzzi foi o grande articulador e coração da abordagem Reggio Emilia. 

Sua motivação nasceu diretamente da história inspiradora da  cidadezinha: em 1946, com o recente fim da Segunda Guerra Mundial, famílias se uniram para erguer uma escola usando os tijolos das casas destruídas pelos bombardeios — um símbolo poderoso de esperança, reconstrução e confiança no futuro das crianças.

Malaguzzi, então, percebeu que aquilo não era apenas um ato de reconstrução física, mas a semente viva para uma nova visão de educação. Descreveu assim seu espanto e admiração no primeiro volume de As Cem Linguagens da Criança:

“Tudo parecia inacreditável: a ideia, a escola, o inventário, que consistia em um tanque, alguns caminhos e cavalos. Eu sentia que essa era uma lição formidável de humanidade e cultura, a qual geraria outros eventos extraordinários.”

A partir desse ponto, Malaguzzi se envolveu profundamente no projeto. Nas décadas seguintes, ajudou a transformar a pequena escola em um polo internacional de inovação pedagógica

Sob sua liderança, a abordagem foi estruturada em pilares sólidos: a escuta atenta às crianças, a valorização de múltiplas linguagens, a documentação pedagógica como ferramenta de reflexão e a construção coletiva do conhecimento entre educadores, crianças e famílias.

Cuidadosamente desenvolvidos ao longo das décadas, esses pilares continuam vivos nas escolas que buscam incorporar a abordagem Reggio Emilia com autenticidade.

Os princípios que sustentam a Reggio Emilia e inspiram educadores

“Criar uma escola amável, diligente, inventiva, habitável, documentável e comunicável, um lugar de pesquisa, aprendizagem, reconhecimento e reflexão, onde crianças, professores e famílias se sintam bem — esse é o nosso ponto de chegada”

A citação, expressa por Loris Malaguzzi, resume a essência do que significa aplicar os princípios da Reggio Emilia. Muito mais do que estratégias pedagógicas, esses princípios são guias que moldam a cultura escolar. Eles fortalecem relações, práticas e ambientes que colocam as crianças no centro do processo educativo. 

A seguir, destacamos os pilares essenciais descritos no portal oficial da Reggio Emilia:

1. A criança como protagonista

No coração da abordagem Reggio Emilia está a convicção de que cada criança é uma protagonista ativa de seu próprio processo de aprendizado.

Essa perspectiva reconhece que as crianças possuem um potencial extraordinário para explorar, descobrir e construir sentido sobre o mundo. Isso vale tanto em suas vivências individuais quanto nas interações com o grupo. 

Nesse sentido, elas não são vistas como receptores passivos de conhecimento, mas como sujeitos curiosos, criativos e capazes de atribuir significado às experiências que vivenciam no cotidiano escolar.

2. Progettazione — a pedagogia desenhada no contexto

Na Reggio Emilia, a prática pedagógica não é uma receita pronta. O termo italiano Progettazione representa a construção contínua, coletiva e contextualizada dos projetos pedagógicos. Eles nascem da observação atenta, da escuta genuína e das reais necessidades das crianças e do contexto da comunidade escolar.

Isso significa abrir espaço para a dúvida, o erro e a experimentação, fortalecendo a instituição como um ambiente de pesquisa viva — exatamente como Loris Malaguzzi defendia em sua visão inovadora de educação.

3. As 100 linguagens das crianças

Este é um dos símbolos mais poderosos da abordagem: reconhecer que a criança aprende, explora e se expressa por meio de uma multiplicidade de linguagens. Isso inclui palavras, desenhos, música, movimento, dramatizações, colagens, esculturas, entre tantas outras formas.

Para colocar esse princípio em prática, a escola precisa valorizar todas essas expressões com a mesma dignidade, rompendo com os moldes tradicionais que restringem a criatividade infantil e limitam sua autonomia. Ao fazer isso, abre-se espaço para uma educação verdadeiramente libertadora.


4. Organização como parte do projeto pedagógico

Na abordagem Reggio Emilia, a organização não é apenas uma questão prática ou administrativa — ela é parte essencial e estratégica do processo educacional. Isso inclui a organização do trabalho, dos espaços escolares, do tempo das crianças e dos adultos. É importante manter sempre sintonia entre os valores e as decisões pedagógicas que sustentam o projeto educativo.

Essa perspectiva também dá destaque às condições de trabalho da equipe, reconhecendo que educar é um esforço coletivo que depende da construção de uma rede sólida de responsabilidades, envolvendo todas as áreas da gestão escolar. 

Cada aspecto organizacional, portanto, contribui diretamente para a qualidade e autenticidade da experiência educativa.

5. Participação de educadores, famílias e comunidade

A Gestão Participativa é um dos principais valores da abordagem.Isso significa valorizar a construção conjunta do ambiente escolar, envolvendo não apenas educadores, mas também crianças, famílias e a comunidade. 

Esse princípio fortalece a ideia de pluralidade, inclusão e corresponsabilidade — elementos fundamentais para criar vínculos sólidos e transformar a escola em um espaço verdadeiramente aberto à escuta e à colaboração.

6. Ambientes que educam

Os ambientes na Reggio Emilia não são apenas salas de aula: são espaços vivos, pensados para nutrir autonomia, curiosidade e o prazer de explorar. 

Cada detalhe — da escolha dos móveis e materiais à organização do espaço — deve ser cuidadosamente planejado para dialogar com as experiências das crianças, promovendo bem-estar, senso de pertencimento e inspiração estética. 

Dessa forma, o espaço torna-se um verdadeiro “terceiro educador”, que ensina e provoca junto com adultos e colegas.

7. Aprendizagem como construção coletiva

Aprender não é um ato solitário, mas um processo coletivo, cheio de trocas, discussões e descobertas em grupo. Isso significa que educadores e crianças caminham lado a lado, investigando e construindo conhecimento juntos, fortalecendo a noção de uma comunidade de aprendizagem viva e colaborativa.

8. Formação e crescimento contínuo dos educadores

Na abordagem Reggio Emilia, os adultos da escola também estão em constante evolução. A formação continuada e o crescimento profissional são reconhecidos como direitos e responsabilidades de cada membro da  equipe, estimulando uma postura reflexiva, investigativa e aberta à transformação no dia a dia escolar.

9. Pesquisa como prática cotidiana

“Uma atitude necessária para interpretar a complexidade do mundo, e um instrumento poderoso de renovação na educação”.

A pesquisa — tanto para as crianças quanto para os adultos — é entendida como uma prática essencial para explorar e compreender a complexidade do mundo.

Portanto, isso significa tratar a escola como um espaço diário de investigação, onde perguntas são acolhidas, hipóteses são experimentadas e descobertas são celebradas com entusiasmo. 

10. Avaliação e documentação pedagógica

Por fim, a abordagem Reggio Emilia propõe uma forma de avaliação que vai muito além de medir resultados: ela valoriza processos, experiências e relações.

Aqui ganha destaque a documentação pedagógica — registros que tornam visíveis as múltiplas formas de aprender e permitem que toda a comunidade reflita junta sobre os percursos vividos. Em suma,  esse pilar conecta-se diretamente à pedagogia da escuta: observar, ouvir e documentar são gestos de profundo respeito e valorização das infâncias.

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