10 min de leitura

Em um momento tão complicado quanto o que vivemos com a Covid-19, qualquer ajuda para tornar o processo de adaptação das escolas é bem-vinda. Afinal, são muitas mudanças com as quais não apenas os educadores têm que se acostumar, mas também os alunos e famílias.

Cláudio Sassaki, mestre em educação pela Universidade de Stanford, explica como o uso de dados pode ser um desses recursos. Cofundador e CEO da Geekie, empresa responsável pela plataforma de educação baseada em dados Geekie One, o educador chama atenção à ideia de que o simples funcionamento das escolas nesse momento já é sinal de resiliência: “eu acho que só o fato da escola estar operando, funcionando já é uma prova de que ela tem inovado, porque as escolas tiveram que inovar nesse momento onde tudo mudou do dia para noite, naquele mês de março do ano passado”, opina. 

Os novos desafios das escolas durante a quarentena

Com os educadores procurando se adaptar e inovar no cenário atual, o uso de dados pode beneficiar esse esforço para garantir sucesso na educação híbrida – nem 100% remota e nem 100% presencial -, tão diferente do modelo que conhecíamos antes da pandemia. “O ponto principal é que a sala de aula de fato rompeu as fronteiras da escola, ela foi para casa das pessoas”, explica Sassaki. “A escola ficou exposta, talvez mais do que nunca, e essa situação de exposição fez com que tanto as fortalezas, mas também as fragilidades da escola ficassem mais evidentes, mais expostas para as famílias”. Desse modo, apesar das oportunidades que afloraram com a aproximação da escola com a família, novos desafios também apareceram. 

 

Confira também:

Passado, presente e futuro: os enredos do ensino híbrido

A escola extrapolou as paredes de prédios, as fronteiras físicas e deixou de ser apenas um único lugar; hoje, a escola existe tanto na sala de aula quanto na sala de casa. Isso significa que o conteúdo e o ensino se mostram muito mais visíveis aos pais da criança: “será que de fato ela está aprendendo? Será que está funcionando para ela esse modelo? Será que ela está conseguindo se desenvolver da mesma forma ou até melhor do que antes ela se desenvolvia?” De acordo com Sassaki, essas são as perguntas que todas as famílias fazem, e isso resulta em mais insatisfação e questionamento. Antes, os educadores tinham completa visão e contato na sala de aula; agora, os pais passaram a ter mais essa vantagem, enquanto os educadores estão fisicamente distantes. 

Isso exige uma revisão metodológica. Afinal, argumenta Sassaki, o modo de dar aula de antigamente, quando todos estavam em um mesmo lugar físico, não funcionaria no contexto virtual. “Se eu abrir o Zoom ou Meet e ficar falando as seis aulas de 45 minutos, só falando, obviamente o engajamento vai ser baixo e por consequência a aprendizagem também”, diz. Sem contar a questão de acessibilidade, já que diferentes famílias têm condições distintas, o que pode resultar em uma desigualdade entre os alunos por diferentes motivos: “as lacunas de aprendizagem sempre existiram, mas é evidente que nesse período elas se acentuaram, porque nem todos tiveram as mesmas condições de estudos dentro de casa, nem todo mundo teve o mesmo suporte, o mesmo apoio, o mesmo contexto”.  Um outro desafio é a sobrecarga dos profissionais da educação, que têm tido que trabalhar muito e de forma diferente há muito meses para dar continuidade ao aprendizado dos alunos. 

Como os dados podem ajudar?

Pensando em todas essas dificuldades, é importante ter evidências e referências para entender o contexto e se situar nessa nova realidade. É aí que entram os dados, e a importância de saber quais deles utilizar e de qual maneira. Sassaki usa como exemplo o boletim, ferramenta clássica: “o fato é que só o boletim não nos ajuda a garantir o aprendizado de cada estudante, a garantir que ninguém vai ficar para trás, logo também não garante o sucesso da minha escola com o ensino híbrido”, afirma. “Nós precisamos de algo a mais”. 

Esse “algo mais” envolve, por exemplo, a possibilidade de acompanhamento em tempo real do desempenho dos alunos. Isso porque, Sassaki conta, descobrir que seu filho teve dificuldade em alguma matéria apenas no final do bimestre, quando os boletins são entregues, muitas vezes já é tarde demais. Além disso, alguns dados utilizados antigamente – como presença e advertência – não têm mais tanto sentido no contexto atual, com as escolas fisicamente fechadas por grande parte do tempo. 

É essencial, tanto para os pais quanto para as escolas, saber como anda o desenvolvimento de seus alunos; se estão realmente engajados, se estão de fato absorvendo o conteúdo e não apenas memorizando informações, se estão trabalhando habilidades. Por isso, para Sassaki, é importante que as necessidades de cada aluno sejam levadas em conta de modo individual. “Em vez de montar um plano de estudo genérico, um plano de reforço levando em conta tudo o que ele fez na semana passada, eu posso ser tão assertivo quanto ver onde ele teve um pouquinho mais de dificuldade”, informa. “Essas informações permitem que a gente consiga fazer um acompanhamento personalizado e individualizado em tempo real, sem deixar ninguém para trás”.

Por isso, o educador reforça a importância dos dados como medida para análise do progresso e contínua melhora. Com o objetivo de colher essas preciosas informações, Sassaki e sua equipe criaram relatórios semanais que ajudam a direcionar o trabalho dos professores. Desse modo, é possível prestar atenção a detalhes como tempo de estudos de cada aluno, percentual de entrega, acerto de tarefas de estudantes em relação à sua turma, quais alunos são mais ou menos participativos, e o percentual de atividades enviadas por cada docente, por exemplo. Isso permite, inclusive, que a escola saiba quando seria benéfico contatar o aluno ou a família para checar se algo novo tem acontecido ou com qual dificuldade a criança precisa de ajuda. Os relatórios, além de servirem para guiar os educadores, também são disponibilizados às famílias – cultivando a segurança e confiança dos pais, que podem estar mais presentes na educação dos filhos.

Um cuidado a tomar, ressalta Sassaki, é que os relatórios devem servir como ferramentas positivas para as famílias, já que os dados deixam visíveis coisas anteriormente invisíveis; é um mundo novo e em constante mudança, o que significa que os adultos também precisam ser “educados”. Por isso, a recomendação é sempre o diálogo. “O que vemos nas pesquisas é que o acompanhamento das famílias tem um impacto muito grande no aprendizado, mas quando se torna uma cobrança desmedida ou excessiva, isso pode ter o efeito contrário, de distanciamento dos filhos mais do que de aproximação”, alerta.

Apesar da distância, o engajamento deve continuar

A atenção individual e personalizada a cada aluno continua também na prática; Sassaki explica que não necessariamente é preciso encaminhar a todos os alunos o mesmo material para a realização de uma atividade, por exemplo. “Eu posso mandar materiais diferentes dependendo do nível de compreensão de cada estudante”, afirma. É claro que, seja qual for a estratégia utilizada, não adianta simplesmente apresentar os dados: é imprescindível que a escola inteira saiba lidar com eles. “Precisamos poder não só acompanhar, mas apoiar a escola, aprender a olhar esses indicadores, poder traçar os planos de ação semanalmente, junto com as coordenações, para que, de fato, consigamos acompanhar cada estudante, gerar um plano de ação eficiente para cada um deles”, diz Sassaki. 

Outro ponto registrado por Sassaki é a possibilidade do aluno não só ter um desempenho bom, mas também ter ciência disso e autonomia sob seu progresso. Nisso os dados também podem ajudar, não apenas a escola e aos pais, mas aos próprios estudantes, se tiverem acesso a essas informações. “Ajuda na autonomia, no empoderamento, no senso de responsabilidade, a capacidade de entender onde ele se encontra, como isso conversa com seu projeto de vida, poder saber como ele está, o engajamento, o desempenho, os estudos dele”, opina Sassaki. “Saber como ele está em cada uma das disciplinas permite que a jornada do aprendizado se torne visível para ele também”.

Ferramentas úteis no mundo do ensino híbrido 

Um exemplo de alternativas para criar um aprendizado mais individual e personalizado é uma criação do próprio Sassaki e sua equipe, em parceria com o ministério da educação, em uma política pública chamada “Hora do ENEM”: o Geekie Games, uma plataforma lançada em 2013 que ajuda alunos na preparação para o ENEM. “Já impactamos mais de 12 milhões de estudantes ao longo desses 10 anos”, diz o CEO. “A gente vem capturando esses dados, são bilhões de dados de aprendizagem, literalmente, capturados e tratados para fortalecer a qualidade do nosso conteúdo e da nossa recomendação”. Isso ocorre por meio de um “plano de estudos personalizado” – ou seja, semanalmente é feito um “raio-X” de cada estudante e um reforço semanal é criado a partir dos aspectos em que ele tem mais ou menos dificuldade ao estudar. “Montamos um plano de estudos para ele de forma automática, sem onerar o professor ou a escola, no nível que esse aluno precisa para ser desafiado”, explica Sassaki, que ressalta que a inovação da plataforma se dá na forma em que utiliza a tecnologia e inteligência artificial junto à intencionalidade pedagógica.

Daqui para a frente

Por fim, Sassaki reflete sobre a questão que habita as mentes de todos os pais, alunos e educadores desde o começo dessa quarentena: as coisas voltarão a como costumavam ser? Na opinião do educador, essa mudança pedagógica é irreversível: “Do ponto de vista de práticas, principalmente das expectativas das famílias, de fato agora elas têm a possibilidade de acompanhar os seus filhos em tempo real, de um olhar mais individualizado para os seus filhos”, diz. “Tem muitas famílias que não vão abrir mão, vão exigir, vão querer que as escolas continuem evoluindo nesse sentido”. Esse novo modelo onde se preza pelo ensino personalizado pode ter chegado para ficar. 

Da mesma forma, a utilização de dados, segundo Sassaki, tende a se tornar mais popular nesse meio, já que permite mais qualidade e rapidez no trabalho escolar. “Os dados possibilitam que consigamos oferecer um serviço muito melhor”, considera. “Talvez a educação ainda seja um dos poucos setores onde tudo acontece a posteriori, a gente só fica sabendo que o filho não foi bem quando recebe o boletim, por que não saber na hora?”. Tanto para os educadores e pais quanto para os alunos, a tecnologia fornece possibilidades diversas, otimizando tempo e conteúdo.

Assista à palestra completa:

Como usar dados para garantir o sucesso com o ensino híbrido