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Você ainda tem memórias da época em que os primeiros computadores chegaram às escola? Foi por volta dos anos 90, quando houve um boom dos laboratórios de informática nas escolas. Nessa época, com apoio dos professores de informática, os alunos aprendiam a utilizar as ferramentas básicas do Windows (Word, Excel, Power Point, etc) e a fazer pesquisas online. 

Quem recorda muito bem desse período é o Dr. Geraldo Peçanha de Almeida, psicanalista, educador e ex-coordenador do Programa um Computador por Aluno (PROUCA). Geraldo tem experiências com o Ensino à Distância (EaD) desde a década de 90 e como ex-coordenador do PROUCA do estado do Paraná viu nascer a iniciativa que tinha como objetivo promover a inclusão digital pedagógica nas escolas públicas brasileiras.

“Em termos de passado de ensino híbrido, lá no meu tempo de coordenador de ensino mediado por tecnologia dentro do programa “um computador por aluno”, que já vai completar quase 15 anos, tivemos essas experiências de laboratório de informática […] as escolas tiveram que investir muito dinheiro, porque a manutenção desses laboratórios era imensa dentro do orçamento das escolas. Só que lá nesse passado, quando a informática entrou na escola, ela foi criando, se avolumando e se expandindo”, comenta Dr. Geraldo.

Essa nova realidade informatizada, à medida que se expandia, foi criando novas necessidades, entre elas, a participação dos pais no processo de mudança das escolas. Em um cenário ideal, eles deveriam ser educados quanto ao uso bom do computador e, consequentemente, orientar aos seus filhos. Mas não foi isso que aconteceu, explica Dr. Geraldo: 

“As famílias começaram a comprar PCs 486, 586, computadores de mesa para colocar em casa e as escolas tiveram que investir nos laboratórios. Só que em pouco tempo, nós fomos percebendo que o computador estava virando entretenimento em casa, porque as pessoas estavam usando o Orkut […] muitas escolas que montaram grandes laboratórios de informática, os alunos iam ao laboratório para jogar. Então, é culpa nossa também”. 

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Anos 2000: o início da abordagem dos temas transversais 

O ano de 2000 ficou marcado como a virada do milênio, período também em que a internet se consolidou como veículo de comunicação em massa. Com isso, outras necessidades surgiram no ambiente escolar, como uma formação mais completa para os professores e a introdução dos temas transversais no currículo brasileiro. 

“Nós percebemos que o professor de informática não poderia entender só de informática, as pessoas saiam da faculdade de informática, que era o nome na época, e vinham para nossa escola, contratamos e eles vinham dar aula, só que nós começamos a pensar “tem que ter projeto interdisciplinar”, os temas transversais estavam bombando no Brasil e no mundo”, relembra o ex-coordenador do PROUCA.

Nesse passo, questões como habilidades e competências, pedagogia de projetos e temas geradores começaram a ser abordados com mais frequência nas escolas brasileiras até culminar na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Das dez competências gerais da BNCC, seis delas falam em colocar a educação mediada pela tecnologia.

Assim, naquela época, ficou claro que já não dava mais para fazer escola se a escola não fosse mediada pela tecnologia. “Com a BNCC, nós chegamos ao texto legal dizendo “a escola precisa de vez namorar e fazer uma relação afetiva, uma relação amorosa de cumplicidade com a tecnologia”, destaca Dr. Geraldo. 

Então chegamos ao presente, que ainda não é o nosso mais recente, e exige-se que essas dez competências também sejam adequadas ao ensino à distância (EaD). Novamente a família é convidada a participar dessa mudança na educação. 

A pandemia como catalisadora de mudanças no ensino híbrido

“A pandemia está nos trazendo oportunidades também, apesar de, ou apesar de tudo, ficou escancarada a nossa deficiência de trabalhar com a família”, é o que pensa o ex-coordenador do PROUCA, que em seguida completa: “Porque só existe ensino híbrido se você trabalhar em parceria com a família da tua escola. Não existe ensino híbrido sem a família. Ensino híbrido é cocriação”.

Ainda segundo ele, desde o milênio passado até o ano de 2020, a família não investiu em tecnologia como recurso didático e pedagógico para a formação dos filhos. Desse modo, se tornou cada vez mais comum o fato dos pais ligarem para escola informando que possuíam notebooks apenas para o home office dos adultos, não restando nenhum equipamento para as crianças assistirem às aulas e/ou fazerem suas atividades.

Se por um lado, ficou escancarado que as famílias não investiram na tecnologia como uma ferramenta de aprendizagem, muitas escolas também não fizeram isso, afirma ele. ”As escolas começaram a investir em plataformas, em sites, portais, em ferramentas que já estavam online”. Como consequência, a educação brasileira esbarrou em mais um problema, que é a resistência dos professores às novas tecnologias.

O Dr. Geraldo, que também é autor de mais de 70 livros, entre infantis, livros para pais e livros para educadores, tem notado que muitos profissionais ainda têm dificuldades de incorporar as tecnologias: “Têm professores que simplesmente colocam o celular na frente do quadro e ficam dando aula. Isso não é ensino híbrido, é a aula tradicional, filmada, passando de maneira síncrona [..] e os pais estão vendo tudo isso”, exemplifica.

Da mesma forma, existem escolas que ainda não entenderam corretamente como tem que funcionar o ensino remoto, o que também demonstra que não estão preparadas para um ensino híbrido. “Tem escolas que começam a aula às 7h30, 8h e vai até 12h, para crianças de 9, 11, 12, 15 anos, o resultado disso tudo é que vão amar a tecnologia, amar o ensino híbrido e a escola ou vão apresentar mais desgaste ainda para o retorno presencial”, alerta.

O futuro da educação é onlife

“Hoje o ensino híbrido é onlife, está dentro da sua vida”. Ou seja, hoje já não dividimos a vida online da vida offline, elas se misturam, e para educação se aplica o mesmo raciocínio. Para que o ensino híbrido seja exitoso no país, segundo Dr. Geraldo, é preciso reconhecer que existem um ecossistema de enredos híbridos – sistema educativos, escolas e unidades.

Isso implica em dizer que o planejamento pedagógico, as diretivas da escola, os investimentos, a produção de conhecimento e a comunicação com os pais precisam estar alinhados a um grande projeto. Caso contrário, as ferramentas tecnológicas que dispomos atualmente continuarão a ser utilizadas para fins de entretenimento, impedindo que aconteça, de fato, uma transformação digital na educação brasileira. 

Para que isso aconteça, o ex-coordenador do PROUCA defende a criação de rotas de aprendizagem, com objetivo de guiar o aluno por esse ecossistema de enredos híbridos. Na prática isso pode ser aplicado de forma transversal, contemplando diferentes áreas do saber. 

Veja abaixo um exemplo ilustrativo:

A água é o tema gerador da rota de aprendizagem. Na segunda-feira, o aluno começa estudando sobre os estados físicos da água; na terça-feira, energia hidráulica e como a poluição dos rios afeta esse processo; na quarta-feira, ele precisa pesquisar sobre a história da água; na quinta-feira, a água na literatura e na sexta-feira chega ao fim do percurso.

Ao fim da semana, somente nessa rota de aprendizagem, o aluno já teve contato com disciplinas, como biologia, física, matemática, geografia e história. Além disso, ele teve acesso a diferentes recursos digitais (imagens, vídeos, podcasts, etc) para produzir o seu trabalho final.

Então, o momento da avaliação não pode ser diferente. Para atribuir uma nota, o professor pode avaliar, por exemplo, um desenho feito, um texto escrito, um site desenvolvido, um podcast gravado e muito mais. “É isso que nós chamamos de ensino híbrido, o aluno pode ser o protagonista do seu aprendizado, mas para ele ser protagonista, a escola inteira terá que estar organizada por rota ou percurso de aprendizagem”, ressalta Dr. Geraldo.

Para concluir, ele deixa um alerta para em relação ao futuro da educação, que é híbrido: 

“O ensino híbrido do presente e do futuro são enredos híbridos. Se a tua escola, tua rede, tua unidade tem mais condição tecnológica, invista nisso, mas tem que ter rota, planejamento e direcionamento, sem a família não se consegue isso. Mas se você tem mais recursos didáticos, material físico, offline, invista sua maior condição ali e vai crescendo aos poucos o uso tecnológico, com sala de aula invertida, ensino por estações, “gamificação” e outras ferramentas, mas o que caracteriza um ensino híbrido é um ensino misturado”.

Assista à palestra completa:

Passado, presente e futuro: os enredos do ensino híbrido