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Um dos elementos da jornada educativa de alunos em escolas é, obviamente, a avaliação; afinal, essa é uma forma de determinar quanto conteúdo foi absorvido, se ele foi transmitido efetivamente e até de detectar potenciais deficiências no aprendizado. Desse modo, se aplicadas de maneira positiva, avaliações podem servir de guia e ajudar a garantir um ensino de qualidade que leve em conta as particularidades de cada estudante.

Infelizmente, essa questão ainda é vista, em grande parte, de forma negativa pelos alunos. Isso porque o modo como lidamos com provas, na maior parte do tempo, transformou avaliações em um “bicho de sete cabeças” que por vezes pode assustar mais do que ajudar as crianças. Além disso, conforme os tempos mudam, o jeito antiquado de avaliar aprendizado pode se mostrar ineficiente, não cumprindo seu papel tão bem quanto deveria (e poderia). 

Com o avanço de uma educação positiva, no entanto, começamos a perceber que esse não precisa ser o caso – é preciso que a escola e a educação, como partes tão fundamentais da sociedade, se adaptem a um mundo em constante mudança. Avaliar um aluno hoje da mesma forma com que isso era feito há décadas atrás muito provavelmente não trará os resultados desejados; mas como fazer essa transição, e o que constitui uma boa avaliação?

Para responder essas perguntas, é necessário antes entender, de fato, o conceito de avaliação em si. Segundo Cipriano Carlos Luckesi, educador e referência nacional em avaliação de aprendizagem, avaliar é “o ato de investigar a qualidade da realidade”. Como seres humanos, praticamos o ato de avaliar 24 horas por dia, de diversas formas. “O alfaiate manda experimentar a roupa, o cozinheiro experimenta o alimento, o pintor experimenta a tinta na parede e assim vai”, exemplifica Cipriano. “As decisões são tomadas a partir da investigação avaliativa, com o resultado da investigação nós tomamos decisões, se a comida está faltando sal, eu coloco mais sal, se uma pintura está muito apagada, eu decido reavivar a pintura”.

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A avaliação subsidia decisões em qualquer âmbito da vida humana, explica o professor, em todos os momentos e instantes; mas no ambiente escolar, nós não aprendemos a ver a ideia dessa mesma forma. Normalmente, no dia a dia escolar, a decisão já está tomada mesmo antes de uma prova – mas Cipriano acredita que a avaliação educativa deveria envolver muito mais do que isso. “Nós precisamos, todos os educadores, passar a compreender a avaliação como a nossa parceira, aquela que nos revela a qualidade da realidade através de uma investigação, e revelando a qualidade da realidade nos permite tomar a decisão”, defende. A avaliação escolar apresenta muito mais oportunidades se for utilizada de forma a subsidiar novas decisões em relação ao conteúdo que os alunos não aprenderam, por exemplo, em vez de apenas atribuir uma nota. Afinal, esse é seu propósito: a avaliação “produz um resultado, uma compreensão da realidade que permite uma nova decisão”, diz Cipriano.

Falando do conceito de avaliação, o profissional menciona o slogan criado por um autor belga que criou, em 1923, o movimento Juventude Operária Católica: “ver, julgar e agir”. O “ver” significa investigar e descrever a realidade, já que toda ciência trabalha com a observação; O “julgar” significa atribuir qualidade à realidade conhecida; Por fim, o “agir” significa tomar decisões de acordo com a realidade, sabendo o que ela é e como funciona. De acordo com Cipriano, o ato de avaliar é parceiro de todos nós porque nos permite realizar essas categorizações e, então, tomar a melhor decisão possível. “Pode não ser uma investigação sistemática da realidade, mas é uma investigação, que me permite ter uma compreensão, uma qualificação e uma tomada de decisão da mesma, que é o modo de como agir”, afirma.

Cipriano ainda comenta que, em nossa cultura e de acordo com nossa tradição histórica brasileira, nosso conceito de avaliação de aprendizagem é baseado na conduta de “examinar”. Foi apenas recentemente, com a última LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), em meados dos anos 90, conta o educador, que mudamos a denominação de “exame” para “avaliação”. Isso é significativo porque, em 1930, o educador norte-americano Ralph Tyler propôs a ideia de trocar o conceito de “exames” para aprovar ou reprovar o estudante pela compreensão de “avaliação” como um recurso de investigação da qualidade da realidade que nos permita tomar decisões. Em vez de simplesmente determinar um julgamento, portanto, é importante perceber o que não foi aprendido e então ensinar novamente.

Uma avaliação envolve, dessa forma, uma investigação da qualidade da realidade (nesse caso, do ensino) e uma tomada de decisão baseada nessa pesquisa. Se a conclusão for de que a qualidade de aprendizagem está negativa, o educador deve insistir no ponto em questão, tomando uma decisão de como ensinar, até que o aluno consiga absorver o conhecimento. “Essa ideia dele está pautada na compreensão de que todos aprendem, todos podem aprender”, diz Cipriano. “E que eu e vocês, nós que trabalhamos no dia a dia, no cotidiano educativo, deveríamos investir na avaliação e usar a avaliação como recurso subsidiário de decisões significativas para a obtenção do melhor resultado decorrente da nossa ação”.

É possível, então, abandonar a prática rasa de exames ou provas escolares para priorizar uma prática de avaliação da aprendizagem mais produtiva, na qual podemos tratar com mais cuidado cada obstáculo. “O ato de avaliar sempre foi epistemologicamente o ato de investigar a qualidade da realidade”, esclarece Cipriano. “Todavia, na tradição escolar, nós substituímos a ideia de investigar a qualidade da realidade pela ideia da classificação, aprovação e reprovação”. Para mudar essa realidade, é preciso que educadores pratiquem um novo olhar sobre a prática de avaliação, estabelecendo uma relação de parceria. Como, no entanto, tornar essa uma realidade nas escolas?

Para Cipriano, uma boa prática de avaliação envolve as seguintes características:

  • A prática de investigação avaliativa no ensino deve cobrir todos os conteúdos essenciais ensinados, mas não os secundários. “O primeiro princípio básico para avaliação da aprendizagem é coletar dados, praticar investigação avaliativa em cima dos conteúdos efetivamente essenciais trabalhados no programa de ensino e nas nossas aulas”, conta Cipriano.
  • É importante utilizar uma linguagem compreensível; as questões e conteúdo de uma avaliação devem ser escritas de maneira simples, para que o aluno não precise pedir ajuda durante a atividade. 
  • Um instrumento de coleta de dados para avaliação deve ser pautado no ensino, e deve haver uma compatibilidade entre o que é ensino, o que é perguntado e o que é aprendido. “Tem que haver uma compatibilidade entre o ensinado e o aprendido na exercitação, na prática da avaliação, na prática da coleta de dados para a avaliação”, diz Cipriano. “A linguagem, a dificuldade, a expressão utilizada no ensino e no teste devem ser compatíveis”.
  • A precisão é muito importante em uma avaliação, ou seja, o aluno deve entender perfeitamente o que está sendo perguntado; assim, perguntas genéricas devem ser evitadas. “Essas perguntas genéricas permitem que o estudante passeie pelo conteúdo, aí eu e vocês ficamos descontentes com a resposta que ele deu”, explica Cipriano. “Para nós não entrarmos nessa prática e situação, importa que nós todos usemos precisão”. 

Um hábito positivo pode ser o de fazer um “mapa”, após recolher as avaliações feitas pelos alunos, de quantos estudantes mostraram ter aprendido o conteúdo e quantos não; os que não aprenderam, então, precisam ser reorientados. “A avaliação é a nossa parceira a nos revelar se a nossa ação já produziu o resultado que nós esperávamos e desejávamos que é a aprendizagem dos estudantes”, reflete Cipriano. 

O uso ideal do resultado da investigação avaliativa seria o diagnóstico – o diagnóstico nos permite conhecer a realidade a partir de dados, e depois de estabelecê-lo, é possível tomar decisões informadas. Além disso, o correto seria trabalhar com essa prática durante o ano letivo inteiro, ou seja, corrigindo e reorientando constantemente em vez de simplesmente classificar com notas. Ao perceber uma lacuna na aprendizagem, os professores têm o poder de decidir inovar e criar condições para que os alunos que não aprenderam possam se reajustar e adquirir conhecimento. 

Existem alguns países no mundo, conta Cipriano, onde a “reprovação” escolar não existe mais; na Dinamarca, Finlândia e Bélgica, por exemplo, há simplesmente uma avaliação diagnóstica para determinar se os estudantes aprenderam o que era necessário ou não – e, se a resposta for não, esses alunos são reorientados. “Por que nós não conseguimos também usar a avaliação como nossa parceira que nos revela a qualidade da aprendizagem dos estudantes e nos permite tomar decisões construtivas para que eles efetivamente aprendam?”, questiona Cipriano.  “A avaliação deixa de ser aquele recurso de só aprovar ou reprovar o estudante, muitas vezes de castigar o estudante, para ser um recurso fundamental de diagnóstico, e como diagnóstico, subsidiando novas decisões para garantir que todos os estudantes aprendam”.

A realidade da educação brasileira ainda está longe de ser ideal, mas é possível, com paciência e empatia, transformar esse cenário – e as avaliações compõem uma parte importante desse plano. Esse aspecto da vida escolar não precisa ser motivo de estresse e medo se for utilizado com foco em seu real objetivo: ajudar professores e educadores a garantir ensino de qualidade a seus alunos. 

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