O atendimento de pessoas com TEA (Transtorno do Espectro Autista) na educação é um direito assegurado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Concomitante a essa regulamentação, o governo federal instituiu, em setembro de 2020, na nova Política Nacional de Educação Especial.
Na época do anúncio, o MEC (Ministério da Educação) afirmava que a política pretendia ampliar o atendimento educacional especializado a mais de 1,3 milhão de estudantes no País. O que mudou foi justamente a possibilidade de que esses alunos procurem uma escola especializada e não mais estejam matriculados nas escolas regulares. O governo acredita que, assim, poderá ser ofertado um atendimento especializado a esse público.
A psicopedagoga especialista em Gestão Escolar e Educação Inclusiva, Ana Regina Caminha Braga, porém, ressalta que pessoas que estão no espectro autista possuem capacidades e potencial para frequentar a escola regular.
“A participação dos alunos TEA nas escolas regulares é constitucional e irrevogável. Dessa forma, é preciso que os profissionais da equipe multidisciplinar analisem o processo de aprendizagem do aluno TEA ao realizar os instrumentos e testes necessários, bem como a elaboração dos laudos e devolutivas as famílias”, explica.
A professora Maria Claudia Pereira da Costa, do Colégio Nossa Senhora de Sion (PR), também ressalta o direito de frequentar as escolas regulares e lembra que os pais podem solicitar um acompanhante especializado quando preciso. Para além da legislação, a profissional lembra da importância do diálogo.
“É muito importante que pais e escola consigam estabelecer um espaço de escuta e diálogo, criando, assim, uma rede de apoio para esse aluno”, diz. Segundo ela, na hora de escolher uma escola para o filho, seja pública ou particular, é interessante que os pais consigam visitar vários colégios, afim de observar como o processo de inclusão é desenvolvido em cada uma delas. “A postura receptiva da instituição e da equipe pedagógica é um ponto positivo e pode ser considerado um bom indicativo”, observa.
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A escola como ferramenta de crescimento para os autistas
Especialistas em educação apontam que frequentar uma escola regular, onde o aluno com TEA poderá ter acesso ao diferente, possibilita que os autistas aprendam mais, pois isso estimula o aprendizado, além de ser importante ferramenta para o desenvolvimento socioemocional e psicológico.
A educação inclusiva, dentro do ensino regular, propõe igualdade de oportunidades e a valorização das diferenças. Seu principal objetivo é assegurar o acesso, a participação e a aprendizagem de todos os indivíduos, sem exceção. Portanto, levar o aluno com TEA para escolas especiais, privando esse contato com o diferente, pode acabar diminuindo as chances de aprendizagem.
A pequena Lorena, de cinco anos, começou a frequentar a escola com 1 ano, antes mesmo dos pais descobrirem que ela é autista. A mãe, a pedagoga Leiliane Pronesti, trabalhava em uma rede particular de ensino, onde a menina começou a frequentar a comunidade escolar. Pouco tempo depois, veio o diagnóstico. “Como descobrimos o autismo depois, não tivemos essa preocupação de escolher a escola, mesmo porque eu já trabalhava em uma e para mim era interessante tê-la por perto”, disse a mãe.
Em 2018, a família a inscreveu em um projeto voltado para crianças autistas na cidade onde moram, em Catanduva (SP). Ela ia 2 vezes na semana na escola regular, onde a mãe trabalhava, e os outros três dias, no projeto.
“Por mim ela iria só no projeto, pois as atividades eram todas adaptadas, mas ela precisava do convívio na escola regular, então deixei nas duas”, explicou. No ano seguinte, devido a dificuldades com a rotina, Leiliane decidiu sair do emprego e, assim, Lorena foi para a escola pública. “Conseguimos uma cuidadora, coisa que na escola particular ela não tinha”, ressalta.
Mas e aí: a inclusão é efetiva?
A inclusão não pode ser considerada apenas como o ato de matricular o estudante em uma escola regular. O termo incluir precisa ser expandido em todas as esferas, preparando esse indivíduo para viver em sociedade.
A professora Maria Claudia Pereira da Costa elenca cinco facilitadores para isso:
– formação para professores,
– ambiente escolar preparado,
– apoio da família e de toda a comunidade escolar,
– ter o conhecimento de leis e documentos que tratam da inclusão,
– resgatar com os alunos e corpo docente o respeito pela diferença.
A profissional lembra que para que isso seja possível, é preciso de uma rede de apoio formada e de um trabalho coletivo desenvolvido. “Quando necessário, a atuação do acompanhante terapêutico é muito importante para o processo de independência da criança, pois por meio de intervenções e treinos, o acompanhante auxilia o aluno a desenvolver comportamentos adequados e funcionais”, explica Maria Claudia.
É o caso da Lorena. Na escola regular, ela consegue desenvolver habilidades de socialização graças ao trabalho da profissional que acompanha a pequena. “Ela tem muita dificuldade em se relacionar e ainda não fala, então a cuidadora tem um papel fundamental nesse processo. Ela ajuda a Lorena manter-se perto das outras crianças, aprender a brincar e ajuda as crianças a entender o jeito dela. Também auxilia nas atividades pedagógicas. Ela tem facilidade de se acostumar com o ambiente e às pessoas”, resume a mãe.
“Eu tive o privilégio de estar por perto por 3 anos quando eu trabalhava no mesmo colégio que ela estudava. Na rede municipal, eu ficava muito angustiada, mas ela em duas semanas já estava adaptada e entrava feliz na escola, isso me confortava”, aponta Leiliane.
A psicopedagoga Ana Regina Caminha Braga lembra que o trabalho com a inclusão na escola deve ser diário. “A escola pode optar trabalhar por projetos, com formação continuada para os docentes, profissionais contratados da escola e discentes. Como orientação para os docentes é possível trabalhar com rodas de conversas, músicas que tratam a inclusão, histórias em quadrinhos, livros infantis, mala pedagógica para trabalhar a inclusão com as famílias”, sugere.
Trabalhar pela inclusão
Quando trabalhou pela primeira vez com um aluno autista, Maria Claudia conta que descobriu que não existe uma receita mágica ou fórmula infalível. A aprendizagem é dia a dia. E assim com os alunos regulares, os estudantes do espectro também demandam um trabalho individualizado que precisa ser respeitado.
“A relação escola, família e profissionais que acompanham a criança é fundamental, pois, é preciso conhecê-la e conhecer quais são suas necessidades, personalidade, suas dificuldades e preferências. A adaptação ou flexibilização do currículo é realizada, conforme as necessidades da criança, pelos professores, em conjunto com a equipe pedagógica, periodicamente, reavaliando o interesse, a compreensão e o desempenho do aluno em relação às atividades propostas, ajustando-as, com o intuito de desenvolver as diferentes inteligências da criança, no sentido de uma maior autonomia, para que o aluno seja efetivamente incluído nas atividades escolares”, diz a professora do Colégio Nossa Senhora de Sion.
A professora e a cuidadora devem buscar informações sobre o transtorno, características e dificuldades que o aluno possa vir a ter. Com essas informações, é possível auxiliar na socialização desse estudante em sala de aula e na flexibilização das metodologias de aprendizagem. “É fundamental desenvolver atividades que respeitem o grau de conhecimento e especificidades que fazem parte do espectro e da rotina da criança, facilitando o entendimento da atividade por parte do aluno”, explica a professora Maria Claudia.
Toda essa organização ajuda a criança com TEA a desenvolver a autoconfiança e a independência. Dentro do colégio regular, também cabe ao professor a responsabilidade de sensibilizar toda a turma, ajudando os demais alunos a perceber, conviver e a respeitar a diferença.
Para além de realizar a adaptação do currículo e o Plano Educacional Especializado, a psicopedagoga Ana Regina Caminha Braga ressalta o interesse da equipe de profissionais a dedicar-se a pesquisas, leituras, participação efetiva nos cursos propostos pela escola e demais órgãos educacionais. “Sem aprofundamento teórico e prática inclusiva não há como incluir de forma significativa os alunos com TEA”.
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