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Novembro é um mês normalmente atrelado às discussões sobre racismo, em especial no dia 20, que marca o Dia da Consciência Negra. Mas será que nas escolas celebrar apenas a data é suficiente para praticar uma educação antirracista?

Segundo a pedagoga e doutora em Psicologia Educacional pela Faculdade de Educação da Unicamp, Andréa Patapoff Dal Coleto, ações educativas que estão relacionadas com relações étnico-raciais, quanto ao preconceito e a discriminação, ainda são grandes problemas em nossa sociedade, embora se apresentem, muitas vezes, de forma velada, precisam estar presentes no cotidiano das escolas em todas as etapas de ensino, da educação infantil ao ensino médio. 

“Isto supõe a utilização de procedimentos nos quais estão envolvidos sentimentos, emoções e afetos”, afirma.

Educação antirracista é uma abordagem que educa não apenas para coibir a disseminação de falas racistas e preconceituosas relacionadas à cor da pele. A ideia é valorizar a identidade de diferentes povos e, assim, proteger desde cedo as crianças vítimas do racismo brasileiro.

De acordo com Andréa, a implementação da educação étnico-racial, em conformidade com a legislação vigente (Leis nº 9.394/96, 10.639/2003 e 11.645/2008), precisa estar articulada com todos os campos de experiências (educação infantil) e em todos os componentes curriculares (ensino fundamental e médio) de maneira a contemplar a identidade étnico-racial e a diversidade cultural das crianças que frequentam os espaços educacionais.

A pedagoga afirma que agindo dessa maneira, as escolas estarão abrindo caminhos para uma sociedade livre de discriminação e preconceito racial. O que pode ser feito por meio de um trabalho voltado ao resgate das contribuições do povo negro em nossa sociedade e cultura, através de ferramentas múltiplas como literatura, pesquisas, expressão musical, dança, imagens, atividades artísticas, entre outras. 

“É com base nessa forma de pensamento que se acredita na possibilidade de transformações a médio e longo prazo das ideias e condutas que o sujeito vai construindo no decorrer do desenvolvimento com relação à justiça, solidariedade e respeito às diferenças étnico-raciais”, destaca Andréa, que participou como redatora da BNCC (Base Nacional Comum Curricular) da Educação Infantil juntamente com o MEC (Ministério da Educação).

 

Como a escola pode promover uma educação antirracista?

A escola é um lugar de relações, que pode elevar o processo de humanização das crianças quando ações educativas resultam em práticas que promovam o protagonismo dos alunos e o respeito às diferenças, a fim de garantir espaços para o convívio sem preconceitos e discriminação. 

Por isso, afirma Andréa, é vital ter processos formativos aos professores e demais profissionais que atuam nos diferentes espaços da escola para que compreendam e saibam identificar preconceitos racistas no cotidiano das unidades de ensino. 

E dentro desta perspectiva, possam ter uma visão ampla e sensível para que consigam trabalhar, na prática, no seu dia-a-dia, não como uma matéria a parte – não só em sala de aula, mas em todas as relações, adulto-estudante – estudante-estudante e no contato com a família etc. 

 

Dia da Consciência Negra traz reflexões sobre práticas antirracistas para implementar nas escolas

Jogos, histórias, danças, discussões sobre o tema, brinquedos, como, por exemplo, a boneca abayomi – criada para as crianças com pedaços de saias, único pano encontrado nos navios negreiros -, bem como oficinas sobre temáticas étnico-raciais e adoção de livros paradidáticos, são algumas práticas que legitimam ações educativas antirracistas, pontua Andréa, pedagoga e doutora em Psicologia pela Unicamp.

A especialista ressalta a importância de a equipe gestora dar visibilidade no PPP (Projeto Político Pedagógico) da escola quanto a utilização da mediação escolar como método de resolução dos conflitos étnico-raciais. 

Ela também sugere a utilização de materiais informativos acerca da necessidade de formalização de denúncias em casos de manifestações veladas ou explicitamente violentas que expressam situações de racismo ou injúria racial. Assim como dispor de um canal de comunicação interno para recebimento, registro e encaminhamento de denúncias de discriminação racial. 

“Distanciar o preconceito de ambientes educativos é imperativo para que as identidades, que ali estão se moldando, possam se desenvolver de forma sadia”, enfatiza Andréa.

 

Colégio de Porto Alegre é exemplo na celebração do Dia da Consciência Negra

Na cidade de Porto Alegre (RS), o Colégio João Paulo I – Higienópolis -, entende que a celebração do Dia da Consciência Negra referenda uma luta histórica, por isso é um marco importante no movimento. 

Segundo a pedagoga e diretora da unidade de ensino, Fernanda Tondolo Martins, a escola tem um projeto de educação que se pauta pelo desenvolvimento de uma consciência crítica, bem como pelo desenvolvimento de uma consciência social, sendo a celebração do Dia da Consciência Negra a culminância do trabalho realizado no decorrer do ano.

Fernanda afirma que são inúmeras ações que contribuem para uma educação antirracista. Primeiro, diz, a escola deve ter em seu plano curricular uma educação que exclua do ambiente escolar qualquer tipo de preconceito.

 “A escola é um espaço coletivo e deve garantir e preservar o respeito às diferenças, sejam elas da ordem que forem. O desenvolvimento do espírito de empatia e alteridade precisam ser constantemente trabalhados”.

Para colocar em prática uma educação antirracista, uma premissa fundamental, de acordo com Fernanda, é mostrar que a cultura negra e africana são tão ricas e importantes como qualquer outra. Outra alternativa é abordar a história da África e apresentar artistas, cientistas e autores de literatura negra e africana (como, por exemplo, Mia Couto, Pepetela, Ondjaki, Nadine Gordimer e Naguia Mahfouz). 

Na “Hora do Conto”, a pedagoga sugere que as escolas proporcionem contação de histórias africanas e, nas aulas dialógicas, levantem discussões sobre as questões raciais históricas e contemporâneas.

“Convidar os alunos para se aprofundar na história e cultura africana e afro-brasileira contribui para o autoconhecimento e aceitação da identidade das crianças e adolescentes negros, além de promover a igualdade étnico-racional não só na escola, como também em toda a sociedade”, afirma.

 

Como surgiu o 20 de novembro Dia da Consciência Negra?

O Dia Nacional da Consciência Negra é celebrado, no Brasil, em 20 de novembro. A data foi incluída no calendário escolar em 2003 e oficialmente instituída em âmbito nacional mediante a lei número 12 519, de 10 de novembro de 2011, sendo feriado em cerca de mil cidades em todo o país e nos estados de Alagoas, Amazonas, Amapá, Mato Grosso e Rio de Janeiro.

Em estados que não aderiram à lei, a responsabilidade é de cada câmara de vereadores, que decide se haverá feriado no município. O dia é dedicado à reflexão sobre a força, a resistência e o sofrimento da população negra desde a colonização. 

A condição de vida dos africanos e dos negros escravizados nascidos no Brasil era extremamente precária. Além de serem submetidos ao trabalho forçado, os escravos eram submetidos a um tratamento degradante e humilhante, não tendo direito a tratamento médico, à educação e a qualquer tipo de assistência social.

A data – 20 de novembro – foi escolhida por coincidir com o dia atribuído à morte de Zumbi dos Palmares, em 1695, um dos maiores líderes negros do Brasil que lutou pela libertação do povo contra o sistema escravista. 

 

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