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Como uma ferramenta fundamental de uma sociedade que está em constante mudança, a educação também se transforma e se adapta com o passar do tempo. Afinal, de acordo com nossas novas necessidades e tecnologias, precisamos modernizar a forma de criar não apenas alunos, mas cidadãos, para o mundo do futuro. Um catalisador potente para esse processo tem sido, é claro, a pandemia do Covid-19, que mudou drasticamente nosso modo de vida em vários sentidos.

De acordo com Daniel Faccini Castanho, presidente do Conselho de Administração e fundador da Anima Educação, no entanto, essas mudanças já estavam escritas em nossa história – a crise não as criou, apenas acelerou sua implementação: “realmente acho que a pandemia não mudou nada, o que ela fez foi antecipar a transformação que já ia acontecer de qualquer jeito na área da educação”, opina. 

Lifelong learning

Daniel aponta que um problema do nosso sistema de educação diz respeito à falta de propósito – quando os alunos aprendem não para si mesmos, mas para os outros; de modo a ir bem em provas, conseguir certificados e então uma vaga para trabalhar para outra pessoa. Não são, portanto, os protagonistas de suas próprias histórias. Isso é algo a ser combatido com a evolução do sistema escolar: em um mundo onde a expectativa de vida não é mais 45 ou 50 anos e sim 100, diz Daniel, devemos fornecer aos estudantes oportunidades de aprender para sempre – o lifelong learning – em vez de apenas por um pequeno período de tempo.

Essa filosofia visa acabar com o conceito de “ex aluno” – mantendo o vínculo escolar de aprendizado durante a vida, já que a escola é, na maioria das vezes, o primeiro (e portanto, mais importante) ambiente de formação de uma pessoa tanto nos aspectos acadêmicos quanto sociais e éticos. “Visto que as escolas foram os alicerces, os princípios, os valores, a formação dessas crianças, quantas pessoas colocam no currículo algo assim, onde elas estudaram quando crianças?” reflete Daniel. “Será que não é mais importante, inclusive, onde ele fez o infantil e fundamental 1 do que a faculdade que ele fez?”

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Qualidade de presença e significado

Considerando que o dever da escola é preparar pessoas para um novo mundo, Daniel menciona dois alicerces para a construção de uma instituição capaz de realizar essa tarefa: a qualidade da presença, elemento que sofreu durante a pandemia e que consiste na vontade – ou falta de vontade – do aluno de estar na escola; e o significado, ou seja, o entendimento de que existe uma razão pela qual se aprende algo além de provas ou notas. “Nossas crianças têm que entender, estar engajadas, ter vontade de ir para a aula” afirma Daniel.

Segundo o especialista, uma das formas de aprender é pela experiência, mas outra é por meio da curiosidade ou da necessidade; desse modo, é preciso “gerar” a necessidade do aluno aprender algo. Ou seja, mostrar motivos concretos e reais para a aplicação do conhecimento: “ele vai aprender regra de 3, não pela regra de 3, isso é um negócio que não tem nada a ver, ele tem que aprender fazendo três receitas de bolos ao invés de uma” exemplifica Daniel. “Ele tem que aprender probabilidade para conseguir preencher o álbum de figurinha dele”. Dessa demonstração das aplicações reais do conteúdo a ser aprendido vem o significado e, conectado a ele, parte da qualidade de presença.

A interdisciplinaridade também tem um papel nesse entendimento do mundo a partir do conhecimento, já que, como diz Daniel, “o cérebro é um só”; assim, o aprendizado de diferentes matérias, mesmo quando aparentemente não conectadas, permite o exercício da lógica e um desenvolvimento mais completo. “A escola tem que ser personalizada, você tem que ter um percurso formativo, trabalhar por projetos” aponta o profissional. O ensino por projetos, em vez do sistema antiquado com aulas que não conversam entre si, permite que a escola realmente se entenda como um ecossistema. 

O novo perfil de professor

É claro que para que esse novo sistema de ensino funcione, existe um elemento essencial: os professores, personagens principais nessa jornada e guias dos alunos no caminho acadêmico. Então qual deve ser o perfil desse tipo de profissional no novo cenário escolar que vem sendo discutido?

Daniel cita a importância de um professor inspirador, que provoca e faz perguntas, assim como a de um professor especialista – indivíduos que possam ensinar, inclusive, extrapolando a barreira da sala de aula e utilizando da criatividade para despertar curiosidade e interesse nos alunos. Chamar um jardineiro para falar sobre sua profissão ao ensinar botânica, por exemplo, permite que o famoso significado fique claro aos estudantes – que vão aprender de forma prática e por meio de alguém realmente apaixonado pelo assunto.

Daniel recomenda que as escolas empoderem seus professores, dando a eles autonomia para pensar fora da caixa. Se o mundo e a escola mudam, é preciso que o ensino – e os mentores – os acompanhem, saindo do sistema tradicional para um modelo que consiga não só cativar a atenção dos alunos para o aprendizado do conteúdo, mas desenvolver também seu crescimento social, psicológico, pessoal e mental. “O grande problema, na minha opinião, é que nunca teve tanta criança com depressão entre 12 e 15 anos, tantas crianças tentando o suícidio nessa idade na história da humanidade, porque todos acharam que a escola é conteúdo” pondera Daniel. “A escola não é isso, ela é interagir com o outro, estar lá, sentar no chão, explicar”. A interação e o contato são aspectos tão importantes no ambiente escolar quanto o estudo.

Por isso, Daniel afirma que os primeiros dias de volta às aulas – já que agora, com a vacinação, o presencial começa a retornar – devem ser focados na interação e reconexão com os alunos, sem conteúdo. É possível reinventar a escola ao conversar tanto com as crianças quanto com os professores e ouvir o feedback de cada um, perguntando sobre suas experiências durante esse período atípico, sobre o que deu certo ou não. Isso, segundo Daniel, é mais importante do que seguir o planejamento para alcançar o conteúdo atrasado. O expert ainda dá a dica: “Trabalhe com empoderamento, confiança, construa junto, e aí esse professor vai agir da mesma maneira com a criança e você vai construir um ambiente completamente diferente”. 

O espaço e a dinâmica síncrona/assíncrona 

A dinâmica do espaço escolar também precisa ser revista, conta Daniel: hoje, possui semelhanças à de uma cadeia, com uma forma rígida e estreita que limita as possibilidades de aprendizado. Um ambiente integrado e dinâmico, no entanto, é o caminho do futuro. Até porque, no ponto de vista de Daniel, existe uma possibilidade do próprio conceito de “ensino à distância” ser diluído com o tempo – isso porque a previsão é que seja algo mais fluido, misturando o presencial e virtual. 

“Não estamos mais falando de presencial ou à distância, estamos falando de síncrono e assíncrono”, explica Daniel. O assíncrono, no caso, se refere ao conteúdo gravado ou registrado que o aluno pode acessar a qualquer momento; já o síncrono diz respeito ao momento de aprendizado em tempo real, onde o processo de ensino do conteúdo se dá com todas as partes presentes no mesmo momento. É bom lembrar que ambas as possibilidades têm seu valor, e dependem do momento em questão – por isso, a integração desses dois modos de ensino é benéfica. 

Uma escola diversificada e inovadora

Também é importante, para esse novo universo da educação, encorajar a diversidade: esse é um valor que agrega muito aos alunos e à comunidade quando indivíduos passam a conviver melhor com as diferenças, e a mudança pode se dar de diversas formas. A regra que dita que a escola deve ser seriada, por exemplo – com classes tendo aulas apenas com seus respectivos grupos – já é ultrapassada e, segundo Daniel, o ideal é criar grupos heterogêneos e diversificados. O mesmo conceito se aplica a outras diferenças: um grupo com alunos de diferentes origens traz resultados mais positivos do que a convivência apenas com semelhanças.

A modernidade implica, também, em um estilo de ensino tecnológico e fluido; Daniel cita o conceito de coding e decoding – as aulas de ciências, por exemplo, devem pensar no futuro, e não apenas redescobrir o que já foi descoberto por alguém. Junto com isso, o tipo de respostas que procuramos também devem ser mais profundas: “Se cabe em um gabarito, cabe no algoritmo, se cabe no algoritmo, o robô faz melhor que nós” reflete Daniel. “O que precisamos é preparar essas crianças para dar respostas que não estejam no Google, que eles consigam de alguma maneira se conectar com algo muito mais profundo”. Para isso, ele menciona o decoding, ou seja – “meditação, pensar em nutrição, pensar no planeta, ter responsabilidade social, entender onde estamos vivendo”.

Para chegar nessas reflexões, é preciso que a escola encoraje o debate e a formação de ideias, trazendo pontos e contrapontos a respeito de assuntos relevantes e conectando-os ao conteúdo a ser ensinado. No caso da história, por exemplo, utilizá-la como storytelling para explicar tópicos reais e relevantes é um modo de, novamente, criar significado para os alunos, conta Daniel.

A gestão escolar no novo presente

Nessa transformação escolar uma faceta que também precisa ser considerada é a da gestão, e Daniel afirma que nesse sentido as escolas precisam ter uma ambidestria, ou seja: “sua capacidade de antecipar tendência, sua capacidade de inovar, capacidade de você se reinventar o tempo inteiro junto com agilidade ao prototipar”. É importante que a escola não seja “sufocada” pela quantidade de coisas planejadas para o futuro, e que consiga evoluir do que ela tem. Essa flexibilidade exige rapidez para se adaptar constantemente.

A escola como desenvolvedora de seres humanos

Daniel levanta, ainda, a importância de desenvolver, nos alunos, o ikigai: uma palavra japonesa que se traduz como “razão de ser”, e se refere à confluência entre o que você faz bem e o que você ama fazer. “Imagine que todo aluno saísse com essa possibilidade de conseguir entender quem ele é, o que ele é apaixonado, como ele pode fazer alguma coisa para o mundo” diz Daniel. Essa compreensão é uma evolução, e vale a pena ser desenvolvida até mesmo pelas escolas ao se perguntarem qual é o seu ikigai. 

Criar cidadãos significa ensiná-los a tomar decisões, e isso é mais complexo do que parece. “Somos frutos das nossas escolhas, e é fácil escolher entre o certo e o errado, difícil é entre o certo e o certo” avisa Daniel. “Dê autonomia para os alunos, empodere-os”. É só assim que o aluno terá a chance de aprender a lidar com seus erros – e para isso, o esporte e a arte, por exemplo, são ferramentas essenciais. Esse tipo de disciplina não pode mais ser reduzido a atividades complementares, porque são fundamentais na formação dos jovens e tão importantes quanto as outras matérias. 

Ao mesmo tempo, as crianças devem aprender a sempre dar seu máximo – e entender que, quando se dá o seu máximo, não existe, de fato, o erro no sentido clássico. Existe, sim, o “erro bem sucedido”, comenta Daniel – aquele com o qual se aprende; mas não a falha. “E aí você terá pessoas que realmente farão a diferença nesse mundo que estamos entrando, que não é mais futuro, ele é presente”, contempla.

Daniel finaliza com uma importante reflexão a respeito da educação que se encontra na essência de todos os pensamentos sobre o papel da escola: assim como ficamos indignados com alguns costumes do passado, as futuras gerações terão o mesmo sentimento em relação à nossa atual segregação entre escolas públicas e privadas; a desigualdade entre “uma escola para os nossos filhos e uma escola para os filhos das pessoas que trabalham na nossa casa”, explica. É possível mudar essa realidade, diz, ao focar na criação de uma verdadeira comunidade, gerando empatia e integrando pequenos ecossistemas em municípios: só assim criaremos uma base, com mudanças locais, para realizar uma verdadeira revolução que pode mudar a realidade da educação no Brasil.

Assista a palestra completa:

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