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Mais do que simplesmente um lugar onde se aprende fórmulas, informações e conteúdo – todos elementos importantes na formação educacional – a escola também é, para as crianças, um dos principais ambientes nos quais elas vão crescer; onde vão criar e desenvolver não só o intelecto mas suas habilidades sociais e emocionais, além de conhecer o mundo de uma forma segura.

É por isso que, cada vez mais, as escolas se preocupam – com razão – em se tornarem lugares mais acolhedores e benéficos para as crianças em vários sentidos, expandindo o conceito de educação para lidar também com aspectos pedagógicos socioemocionais.

Mas como, exatamente, as instituições de ensino devem lidar com um assunto tão importante e delicado? Como criar e manter um lugar adequado para o crescimento de cidadãos bem resolvidos?

Experiência para ensinar

Ao aceitar esse desafio, é importante começar estendendo a mesma atenção socioemocional aos próprios indivíduos da gestão – é isso que diz a Diretora de Pessoas e Cultura da Rede APOGEU e Diretora da Escola INTEGRA Andrezza Amorelli. A educadora destaca que prestar atenção nas próprias dores e necessidades é o primeiro passo para tornar a equipe capacitada para cuidar bem dessas necessidades dos alunos. Porque só vivendo essa experiência de um trabalho socioemocional que podemos ter potência de propor essa experiência para as demais pessoas”, reflete. Desse modo, é interessante reservar um espaço na rotina dos gestores para desenvolver suas próprias competências socioemocionais; é o chamado aprendizado a partir da experiência, conta Andrezza.

Essa é uma preocupação especialmente relevante porque a maior parte das escolas antigas não tinha esse espaço reservado para o desenvolvimento socioemocional; e se quisermos trazer um novo modelo de escola, é preciso antes modernizar os próprios educadores. “Vamos propor experiências para a gente, porque na escola que estudamos não tivemos essas experiências”, diz Andrezza. “Faço 50 anos esse ano e tenho pavor de geografia, porque a minha professora se não colocássemos a vírgula no lugar que ela colocava no questionário, ela tirava um décimo da gente na hora da prova, então, uma escola desenhada desse jeito não tem espaço para um desenvolvimento de trabalho socioemocional”. 

Uma prática para iniciar esse processo, segundo Andrezza, é a de “fazer mais perguntas do que dar respostas”. A especialista aponta que se preocupar em entender legitimamente o que o outro quer dizer é essencial, e parte da tarefa de desenvolver questões socioemocionais dos professores, por exemplo. “Acho que criar espaços de perguntação dentro da equipe gestora amplia o repertório de perguntas para que a gente esteja em contato seja com educadores, estudantes e sua família”, explica.

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O desafio para a construção de uma aprendizagem socioemocional efetiva

A escuta ativa e sem julgamento é necessária para que essa comunicação dê certo: “Eu escuto de fato o que meu coordenador ou diretor está falando, ou eu estou só esperando o momento de falar também?”, questiona Andrezza. Ela ainda menciona mais um elemento que pode beneficiar essa revolução socioemocional nas escolas: a empatia. Empatia não no sentido de se “colocar no lugar do outro”, porque isso é, na prática, impossível; cada um é um indivíduo e só consegue perceber sua própria experiência. Por isso mesmo a empatia se apresenta no reconhecimento do outro como “outro” e na ausência de julgamentos internos.  “Empatia é entender que o outro é outro, ele sendo outro, ele chega até você trazendo o que ele é e não dá para você validar ou não validar o outro a partir de você, tem que validar a partir dele”, conta a diretora.

Pilares da educação socioemocional

Os pilares da educação socioemocional, de acordo com a teórica Pamela Bruening, são o autoconhecimento, o autogerenciamento, a tomada responsável de decisão, a habilidade de relacionamento e a consciência social. Pensando com base nesses princípios, Edimara de Lima, presidente da Organização Montessori do Brasil e diretora pedagógica da Prima, afirma que um dos problemas para a concretização de uma educação mais completa é a falta de validação da sociedade para elementos “extracurriculares”. Às vezes, quando você trabalha uma questão socioemocional ou uma questão filosófica dentro da escola, você ouve a pergunta do pai ‘e quando a matéria vai começar?’”, argumenta. “Então, nós precisamos também de uma mudança de pensamento na sociedade.”

Lições além das provas 

A verdade é que essas questões sociais e emocionais também são responsabilidade dos educadores, para além do conteúdo intelectual. “O professor de história e o professor de matemática também têm que determinar que habilidades do conviver vão ser vividas durante o processo de aprendizagem de história e de matemática”, diz Edimara. “Por exemplo, uma habilidade do conviver que o professor pode colocar é que o aluno foi competente na resolução de conflitos de uma forma pacífica”. É por isso que a visão transdisciplinar é tão importante tanto para trabalhos individuais quanto coletivos na sala de aula; sem ela, como diz Edimara, “fica muito difícil você valorizar e permitir a entrada do trabalho socioemocional”.

Conhecer e valorizar especificidades individuais também ajuda muito na implementação de uma educação socioemocional: Edimara conta que é interessante perceber os talentos e desejos de cada aluno e analisar modos de trabalhar esses elementos além da sala de aula. Uma assembleia dos alunos, por exemplo, permite que os jovens se juntem e escolham certos assuntos para discutir; de preocupações podem surgir soluções e discussões saudáveis entre os alunos, que podem até ser encaminhadas como pedidos à direção da escola. 

Esse tipo de atividade encoraja o autoconhecimento e a autonomia, exercitando diversas habilidades socioemocionais das crianças: permite a convivência com diferenças, tomadas de escolhas, reflexões, transgressões de limites, descobertas pessoais, modos novos de ver as coisas, a compreensão e o perdão. Nesse cenário os alunos têm, inclusive, liberdade para tentar acertar, errar e, é claro, aprender. 

Um bom ambiente escolar ajuda, também, os alunos a entenderem e reconhecerem seus próprios sentimentos: “a gente precisa dar a oportunidade de ela entender o sentimento, nomear o sentimento para que a criança possa se conhecer”, diz Edimara. “Dentro disso, quando ela conhece a si mesma e que identifica esse sentimento dentro de si, ela consegue compreender o outro”. A consciência social aprendida na escola é algo que nem sempre pode ser entendido apenas ao ler livros; existe uma necessidade humana de vivenciar e conhecer o mundo na prática – sempre com o apoio dos educadores. 

Criando pessoas para o mundo

Construir um lugar onde os alunos se sintam confortáveis e seguros para experimentar e entender o mundo em que vivem e a si mesmos é uma tarefa delicada, mas importante – que tem consequências a longo prazo. “Temos que sair da escola e chegar ao planeta, viver resolução de conflitos sem prêmios e sem castigo, a própria escola tem que abolir um pouco essa questão de prêmio e castigo, conhecer a história do homem e não apenas a dos vencedores”, sugere Edimara. Independência, autoconfiança, competência e autonomia são, de acordo com a especialista, qualidades que qualquer aluno deve conseguir mostrar.

Mais do que alunos que só tiram notas altas, o objetivo da escola deve ser de criar boas pessoas que possam agregar ao mundo e se sentir completas nele. Afinal, é na escola onde as crianças passam a maior parte de seu tempo em seus anos formativos – e isso quer dizer que o futuro depende do que elas aprenderem agora. “Quando eu aprendo a cuidar do que é nosso desde muito pequeno, mais tarde irei ter mais responsabilidade com aquilo que pertence à cidade, ao país, aquilo que pertence ao planeta”, aponta Edimara. Essa missão é a que nos ajudará a construir um mundo melhor. 

Assista a palestra completa:

Educação Socioemocional no processo pedagógico