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A pandemia abalou as estruturas da sociedade e nos obrigou a criar um novo modo de viver, exigindo muita adaptação da parte de todos. Nas escolas e para os profissionais da educação não foi diferente: com a quarentena, o esquema de aulas sofreu e hoje conhecemos um novo modo de ensino. Mas será que esse cenário teve a mesma trajetória no Brasil e no resto do mundo?

Quem explica sobre o assunto é Renata Cafardo, jornalista e fundadora da Jeduca – Associação de Jornalistas de Educação. Assim como a educação mudou durante a pandemia, o jornalismo de educação também teve que mudar. “Então fazemos matérias de coisas que nem imaginávamos, nunca pensei que faríamos tantas matérias sobre ensino remoto, por exemplo, que é uma área que praticamente não cobríamos”, exemplifica Cafardo, que também é colunista de educação no Estadão. O trabalho da jornalista, apesar de cansativo, faz com que ela fique profundamente ciente do cenário da educação durante a crise. 

O que dizem os estudos?

Muitas notícias e estudos foram divulgados sobre o tema nos últimos tempos, e segundo Cafardo, essas são as fontes para analisar o que está acontecendo com a educação no mundo. A jornalista começa contextualizando a situação de São Paulo, local onde a vacinação dos professores acima de 47 anos iniciou em 12 de abril. Mas Cafardo afirma que, por algum tempo enquanto as escolas permaneceram fechadas, houve divergências entre a prefeitura e o estado de São Paulo: “o estado já fazia um movimento para tentar abrir as escolas, enquanto a prefeitura, que tinha uma eleição pela frente, não permitia essa abertura”, esclarece. 

De acordo com Cafardo, isso resultou em uma não abertura total das escolas em 2020, o que é motivo de crítica por alguns especialistas. Em geral, a situação ficou confusa para todas as partes, e é aí que, segundo a jornalista, entra um elemento essencial para o sucesso (além do protocolo óbvio de uso de máscaras e distanciamento social): a transparência. Elemento esse que pode ser observado em alguns governos do exterior que tiveram aberturas tranquilas das escolas, mas que não ocorre bem no Brasil.  

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Nesses casos, “houve uma transparência do governo em deixar bem claro quais eram as intenções de todos os gestores públicos e todos falavam a mesma língua, teve o secretário, o diretor, professor, todos que estavam na escola”, diz Cafardo. Mas o mesmo não ocorreu no Brasil: “Aqui não, aqui tivemos uma hora uma informação e em outra hora outra informação, deixavam os pais muito confusos, muito ansiosos, foi algo angustiante para todos que estavam na educação como pai, ou como gestor, como diretor nesse período do ano passado, e como jornalista também”. 

Essa tentativa de abertura das escolas pelo estado de São Paulo – e por alguns especialistas que passaram a se manifestar – foi encorajada por novos estudos científicos. Esses estudos, Cafardo conta, mostraram que as tentativas de abertura de escolas ao redor do mundo pareciam estar dando certo: havia pouca transmissão interna nas escolas, crianças se contaminavam menos e não passavam para os professores – tudo isso resultando na raridade de surtos de Covid-19 no ambiente escolar. Desse modo, o consenso de que a escola não era um grande ambiente de contaminação se juntou ao consenso da importância da educação, valorizando a ideia da volta das escolas.

Um novo modo de ver a escola

Cafardo recorda de uma matéria que fez onde foi relatado um caso no qual pais foram à justiça pedir a volta das escolas – exemplo de um movimento forte que começou em São Paulo e se espalhou. “Depois desses estudos que apareceram, dos movimentos, nós vimos essa mudança de consciência, as pessoas começaram a acreditar que era importante abrir a escola e muita gente começou a se posicionar”, explica Cafardo. A jornalista também faz referência a uma matéria focada no fato de que, depois desse movimento, muitas escolas tiveram adesão completa, com o surgimento até mesmo de filas de espera.

Outras matérias relevantes ainda relataram os conflitos e mudanças governamentais, falando sobre o mantimento do limite de 35% em contradição ao governo Doria, e também sobre a mudança de secretário da educação da prefeitura. A valorização da abertura inclusive fez com que, mesmo durante a fase vermelha da pandemia, a escola fosse considerada essencial e permanecesse aberta. Isso só mudou recentemente, quando São Paulo entrou em fase emergencial: “Tivemos uma piora da pandemia, e mesmo para quem defende que as escolas fiquem abertas até o limite, até o lockdown, tem um momento em que realmente precisa diminuir a circulação, até para que as escolas voltem o mais rápido possível”, diz Cafardo. “Mas sempre com a defesa de que elas voltem antes de bares, restaurantes e outras atividades não essenciais”. 

Como o resto do mundo está lidando com tudo isso?

Para ilustrar mais claramente a situação da educação global durante a pandemia, Cafardo menciona um estudo feito pelo movimento Voz da Educação junto com a Fundação Lemann. Nele, foram analisados 21 países; o resultado mostrou que “que os países com melhor colocação no PISA, ou seja, que valorizam a educação, ficaram menos dias com as escolas fechadas”. Cafardo lembra que o Brasil está há muito mais tempo com as escolas fechadas, contando 267 dias até janeiro. “Muitos estados ainda não tinham reaberto suas escolas e continuam assim até hoje, obviamente, pela piora da pandemia não abriram, então, já incluímos aproximadamente uns 30 dias nesses 267”, afirma. “Perdemos” em dias só para a Bolívia, que não tem colocação no PISA. 

Em geral, países com melhor PISA mostravam ter menos dias com escolas fechadas. Na França e na Inglaterra, por exemplo, foram apenas 41 e 90 dias respectivamente; mas é importante lembrar que enquanto as escolas estavam abertas, bares, restaurantes e cafés permaneceram fechados. Esse estudo também mostrou, mais uma vez, que as escolas não eram responsáveis pela contaminação e que a comunicação transparente das instituições foi essencial para o sucesso. Além disso, a maioria dos países que tiveram aberturas bem sucedidas tinham o hábito de monitorar os casos muito fortemente: “Vão atrás dos casos que ocorreram para ver quem foram os contactantes, de onde vieram e conseguir traçar mesmo de onde veio o Covid para tentar impedir que haja a transmissão na escola”, fala Cafardo.

E as revelações do estudo não param por aí: Cafardo comenta que, entre os 21 países estudados, apenas 5 tinham implantado a vacinação dos professores, sendo estes Chile, Argentina, Reino Unido, França e Uruguai. Além disso, conta, nesses países as pessoas já aceitaram o “novo normal” do abrir e fechar das escolas, algo que ainda vemos com estranheza no Brasil. “Os casos irão acontecer enquanto estivermos em uma pandemia, mas o importante é que não haja surto, não haja grande transmissão nas escolas”, afirma Cafardo. “E então se fecha, faz o período de quarentena e volta, isso é algo que os pais lá fora já estão se acostumando e aqui ainda temos muita dificuldade, muitos acham que é melhor fechar e quando começa esse abre e fecha já é melhor fecharmos de uma vez, mas não necessariamente isso que se vê no exterior, já estão avançados nesse sentido”. 

Um outro estudo mencionado por Cafardo foi realizado pelo Banco Mundial e analisou países da América Latina e do Caribe, inclusive o Brasil. O estudo chamou de “tragédia” o que está acontecendo nos países com escolas fechadas. Segundo Cafardo, o pior cenário seria 13 meses com escolas fechadas – algo muito possível no Brasil, que já passou de 12 meses. “Dois em três alunos aos 10 anos não conseguiriam ler adequadamente o que se espera de uma criança com um texto simples aos 10 anos de idade, isso realmente é uma tragédia, se chegarmos nesse quadro”, informa. Outra consequência mencionada no estudo é uma piora no PISA dos países onde as escolas ficaram muito tempo fechadas, o que acarretaria em uma perda de produtividade – os especialistas preveem que o país deixaria de ganhar 1,7 trilhões de dólares por causa da falta de formação de qualidade dos cidadãos . Assim, como diz Cafardo, os resultados seriam graves tanto para a área da educação quanto para o desenvolvimento do país. Mais que isso, poderia piorar o quadro educacional da América Latina e Caribe, que não tem grandes índices e deveria ter mais investimento na educação.

A influência da política na educação

Cafardo lamenta a falta de coordenação nacional e de preocupação com a pandemia no Ministério da Educação – fatores que contribuem para o cenário de crise na educação. “Não há nada, nenhum plano ou programa para ajudar as escolas a reabrirem, não há ajuda financeira, não há ajuda em diretrizes, em pensar juntos, em trazer secretários estaduais e municipais para conversar, não há nada”, comenta. E além disso, ainda temos que lidar com os conflitos ideológicos no Ministério da Educação, tirando da instituição seu verdadeiro propósito e transformando-a, segundo Cafardo, em uma máquina de produzir esforços para a militância do presidente Jair Bolsonaro – como percebe-se no conflito como ex-ministro Abraham Weintraub. 

Uma pauta de interesse para essas pessoas que tem sido colocada por meio da educação é, de acordo com Cafardo, o homeschooling. Os problemas mais fundamentais da educação, então, são deixados de lado: “ao mesmo tempo que eles não se preocupam com o que vem acontecendo com o ponto de vista da crise educacional por causa da pandemia, eles estão indo para outras pautas, não apenas deixam de fazer o que é essencial como também desviam o assunto para pautas que são de interesse ideológico”, explica a jornalista. 

E não acaba por aí: além do homeschooling, esses indivíduos também querem mudar os editais do Programa Nacional do Livro Didático – retirando exigências de que os livros respeitassem a diversidade, como já aconteceu com o PNLD de 2023: “as editoras poderiam ser aprovadas com livros que não tenham esse respeito à diversidade em que, por exemplo, contenham um estereótipo, foi retirado um trecho que falava sobre estereótipos de gênero ou sócio econômico, não poderiam ter isso” afirma Cafardo. “E agora esse texto foi tirado, então, teoricamente, os livros poderiam ter isso”. Além disso, Cafardo conta que o Ministério da Educação está retirando do INEP a responsabilidade de avaliar todas as crianças de segundo ano em uma avaliação de alfabetização – contratando consultores de fora de até 90 mil reais para realizar esse trabalho em vez do INEP e, assim, tentando esvaziar o órgão respeitado que faz o ENEM. 

A amplificação da desigualdade no meio da educação

Uma ilustração da gravidade do cenário é o fato de que secretários de estado tiveram que “protagonizar esforços” e ir atrás de chips para internet para as crianças carentes, já que não houve nenhum esforço desse tipo no MEC – apenas depois de quase um ano de pandemia surgiu um pequeno programa. E, mesmo assim, o presidente Jair Bolsonaro vetou, recentemente, um projeto de lei que havia sido aprovado no Congresso Nacional que planejava investir bilhões de reais para dar a crianças pobres e professores da rede pública acesso à internet, com o objetivo de fazer com que o ensino online pudesse acontecer. Cafardo comenta que tudo tem ficado nas mãos dos estados e dos municípios, o que causa uma desigualdade muito grande, porque só quem tem mais dinheiro e recursos poderá recuperar a aprendizagem e ajudar alunos que ficaram muito tempo sem aulas. “É muito preocupante essa zero organização nacional durante a pandemia, nem para ensino remoto, nem para volta às aulas, nem para nada”, opina.

A piora desse cenário deixa ainda mais crítica a já existente desigualdade entre jovens na educação pública e jovens da educação privada, jovens com mais ou menos dinheiro.Se a situação por si só já é estressante e exige muita resiliência, para muitas crianças é impossível continuar sua educação. “Imagine para as crianças mais pobres que estão em casa sem livros, muitas vezes sem pais alfabetizados, sem pais que possam incentivar qualquer tipo de brincadeira que estimule o desenvolvimento dessa criança, imagine uma desigualdade que já há e que vai haver dessas crianças sem escola”, reflete Cafardo. 

Como – e quem – seguir

Alguns países que Cafardo menciona como exemplos de uma melhor gestão da crise são o Chile, no quesito vacinação rápida; a França, no que diz respeito ao lockdown que possibilitou que as escolas ficassem abertas enquanto outros estabelecimentos se mantinham fechados; e a Dinamarca, devido à comunicação entre sindicato e governo. Um diretor da associação de professores da Dinamarca chegou a apontar a confiança nos gestores como algo importante para o sucesso – algo que não temos no Brasil. Além disso, no Reino Unido, que também retornou com as aulas, os professores recebem kits semanais; com eles, os professores são encorajados a fazer testes de Covid uma ou duas vezes por semana. Esses testes corriqueiros, no entanto, não são comuns em muitos países. “Acredito que também por não ser viável, pode dar negativo hoje e amanhã dar positivo”, explica Cafardo. “Obviamente eles têm um sistema de testagem rápida para quando se detecta um suspeito, mas essa testagem de assintomáticos não é corriqueira”.

No entanto, existem também exemplos negativos fora do Brasil mencionados por Cafardo: Israel, que chegou a reabrir as escolas em um momento de alta do vírus, e devido ao calor permitiram o não uso de máscaras (o que resultou no aumento dos casos); e a África do Sul, que também reabriu as escolas sem nenhum protocolo, sem ventilação e máscaras (o que obrigou as escolas a fecharem de novo). 

Cafardo informa que, apesar dos exemplos de todos os tipos, não existe um modelo exato a ser seguido nessa situação: “não, temos que analisar elementos que deram certo em vários países para fazermos uma reabertura de sucesso”, declara. E se isso for feito, Cafardo acredita que a valorização e resiliência que as escolas ganharam durante esse tempo vão ajudar para que a educação continue. A nova flexibilidade, o uso da tecnologia e a autonomia dos alunos são mudanças que podem ajudar na modernização das escolas.

Assista a palestra completa:

Quais reflexos da pandemia nas escolas do Brasil e do exterior?