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Já é consenso que a chegada da Era Digital na Educação traz perspectivas inéditas para o processo de ensino-aprendizado. Porém, um recente relatório da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostrou que o desafio de inovar e de incorporar novas ferramentas para o ensino vai além da infraestrutura e carece de uma total revisão dos modelos pedagógicos. Ou seja, para que a inteligência artificial cause real impacto na educação é preciso muita inteligência humana para criar as conexões que darão sentidos práticos aos conteúdos aprendidos com auxílio da tecnologia seja na escola ou fora dela. E é justamente neste ponto que o papel do professor, muitas vezes desacreditado no contexto da Era Digital, se torna imprescindível. “Os docentes precisam ser os protagonistas dessa mudança e não apenas implantadores de softwares. Se isso não acontecer, colocar a tecnologia na frente dos alunos não vai fazer muita diferença”, diz o diretor da divisão de educação da OCDE, Andreas Schleicher.

Mas, por que mesmo com tantos recursos inteligentes cada vez mais disponíveis o professor segue sendo primordial na educação? Acompanhe em mais um artigo da Série Tecnologia na Educação.

O professor será substituído pela tecnologia?

Desde que as novas ferramentas foram introduzidas no ensino, há uma crença equivocada de que o professor estaria na lista das profissões a serem extintas em um futuro não tão distante. Isso porque, se antes o docente era tido como o mestre que dominava o conhecimento e só através dele se tinha acesso a um determinado conteúdo, hoje, na era da informação, tudo está disponível na Internet à distância de um clique. E essa democratização de acesso a dados e informações vem transformando a atuação e as expectativas relacionadas ao trabalho dos docentes.

Se o cenário todo mudou, o que se espera é que os professores não tenham a mesma postura e o mesmo comportamento que funcionava no passado, certo? Em teoria, sim, mas essa ainda não é a realidade de grande parte das escolas, que precisam ajudar os docentes constantemente nesse processo de quebra de paradigmas de algo tão consolidado como o antigo modelo de ensino-aprendizado.O grande desafio é fazer do professor o mediador de conteúdos aliando o uso da tecnologia, para sair de sua zona de conforto e introduzir nas práticas em sala de aula a utilização de novas ferramentas para o ensino do conteúdo programático”, avalia Sergio Ferreira do Amaral, líder do Laboratório de Inovação Tecnológica Aplicada na Educação da Faculdade de Educação da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

A maioria das instituições de ensino está vivenciando o momento de transição desse processo, quando é natural haver conflitos mais latentes, dado às diferentes gerações que convivem hoje em uma mesma escola – professores, em sua maioria, da Geração X (ou anteriores a ela) facilitando o conhecimento para estudantes da chamada Geração Millenium que, por sua vez, são filhos de pais da Geração Y. E, claro, atender as expectativas e angústias de públicos tão diversos não é uma tarefa fácil.

Para que essa transformação no ofício do professor aconteça de uma forma mais saudável e harmoniosa, é preciso haver também uma mudança de perspectiva de toda comunidade escolar, incluindo pais e alunos, sobre qual é o papel da escola na formação de cidadãos prontos para o século XXI. Na prática, isso significa dizer que, ciente de que informação não é conhecimento e que um aluno exposto a uma avalanche de dados sem nenhuma curadoria ou contexto não chegará a aprendizado algum, a escola precisa auxiliar esse estudante a filtrar, interpretar e transformar tanta informação em conhecimento. E o que se espera atualmente do professor é que ele seja, justamente, esse facilitador, fazendo dados ganharem relevância e, assim, virarem aprendizado.

Quais habilidades esperar de um professor/curador?

Na perspectiva do velho modelo educacional, mudavam-se os alunos, mas o conteúdo e a forma como eram apresentados os conteúdos eram praticamente os mesmos. Entretanto, o professor do século XXI , ao sair da função estática de transmissor de conhecimento, precisa ter uma atuação mais dinâmica e fluida selecionando o que é pertinente saber e que ajudando os alunos a desenvolverem habilidades como pesquisa, comparação, compreensão, análise crítica e conexão. Seu papel inclui também conscientizar os estudantes para um uso saudável dos recursos tecnológicos, acompanhando-os, monitorando e viabilizando trocas de discussão, de ideias e de experiências para a construção de saberes cada mais colaborativos. A busca por dar autonomia e por promover modelos de aprendizado que levem em conta características individuais dos estudantes também estão no hall de competências esperadas dos docentes.

Além disso, é necessário que eles estejam preparados para lidar com os conflitos emocionais e éticos que podem surgir neste contexto do ensino digital, uma vez que a sala de aula terá uma porta aberta para “a rua do mundo”, que é a Internet, e assim, passa a ser um espaço de interação com um universo externo que foge do controle formal da escola.

Como os gestores podem ajudar os docentes?

Para o diretor da OCDE, somente quando há educadores qualificados que a tecnologia pode elevar a educação para o próximo nível. Isso quer dizer não apenas investir recursos em formação continuada nos moldes mais tradicionais, mas também que o docente mantenha ativo seu “senso de investigação”, tal qual os estudantes. Afinal, seu diferencial não será mais o quanto pode ensinar, mas como ele liga os novos recursos tecnológicos às suas práticas pedagógicas.

“Muito embora grande parte dos professores, na sua formação inicial, não tenham tido contato com os recursos tecnológicos usados hoje nas salas de aula, com o passar do tempo esse professor aprendeu a manusear a tecnologia. Então, o problema é mais de ordem pedagógica: como utilizar, por exemplo, a lousa digital para ensinar Geografia? Que software posso utilizar para melhorar a exposição de conteúdo que envolvam mapas, por exemplo? Como desenvolver práticas em sala de aula para que o aluno seja mais colaborativo, mais ativo no processo de aprendizagem, e ainda, como fazer com que o conteúdo em sala de aula seja direcionado ao interesse individualizado para cada aluno, pois o aprendizagem é individual e não pode ser tratado como se todos aprendessem da mesma maneira?”, reflete o professor Amaral.

Referência mundial em tecnologia na educação, o canadense Tony Bates é autor de 11 livros sobre o tema. Em seu blog, tido como um dos mais importantes na área, ele cita 5 habilidades centrais para os professores da Educação na Era Digital e que podem ser incentivadas pelos gestores e time pedagógico:

 

1- Comunicação

O especialista defende que os professores precisam desenvolver habilidades de comunicação no geral, mas em especial, em mídias sociais. Compartilhar informações, saber dar e receber feedbacks “em público” e entender a natureza de cada mídia social vai ajudá-los a interagir de forma mais adequada em cada um desses ambientes virtuais. As tradicionais habilidades de ler, falar e escrever de forma coerente permanecem, mas é preciso pensar a comunicação de um jeito mais amplo, em diferentes contextos, formatos e mídias.

 

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2- Trabalho em equipe e flexibilidade:

Colaboração e partilha de conhecimento são palavras de ordem na Era Digital. Isso porque vivemos em um momento tão complexo da história que, para responder aos desafios postos, é preciso combinar conhecimentos de forma coletiva.

“No Japão ou em Singapura, países que têm os melhores índices de educação, os professores usam a tecnologia sobretudo para trabalhar com outros professores e criar redes de colaboração, contribuindo não só para formar seus alunos como para o sistema educacional como um todo”, conta o diretor da divisão de educação da OCDE, Andreas Schleicher.

 

3- Habilidade de pensamento:

Significa ter pensamento crítico, criatividade e originalidade. É preciso saber operar, criar soluções para além dos manuais padronizados e ter a capacidade de filtrar o que há de positivo e de negativo em meio ao mar de novos recursos.  

 

4- Habilidades digitais:

É saber não apenas operar, mas conectar a tecnologia ao projeto pedagógico da escola ou da disciplina.  

 

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5- Ética e responsabilidade:

São elementos indispensáveis em qualquer situação, mas que ganha novos códigos de conduta para se construir uma relação saudável na Internet. Como se proteger na Era da Educação Digital já foi tema de um artigo aqui no Escolas Exponenciais.

Conexão humana

Para além de todas as habilidades que citamos aqui como esperadas do professor na contemporaneidade, uma das suas missões e práticas mais antigas, continua a ser, talvez, sua maior potência. Trata-se do mestre como aquele que desperta a fome pelo saber. Aquele que encoraja seus alunos a desenvolverem e a acreditarem em suas capacidades.

Em um mundo de adultos cada vez mais ocupados, a escola, muitas vezes, é o lugar onde crianças e jovens encontram suporte para lidarem com suas carências, dúvidas e conflitos. E os professores acabam sendo catalisadores desse processo e tem, em suas mãos, o poder de criar conexões transformadoras na vida de cada um dos aluno. E é justamente nesse aspecto, demasiado humano, que o professor jamais conseguirá ser substituído.

Esse post faz parte da série “tecnologia na educação”, você pode acessar os outros posts da série aqui:

Como tirar benefícios da tecnologia na escola?
O que é tecnologia na educação? Conheça os recursos que estão em alta nas escolas 
Tecnologia na educação: como ela pode alavancar sua escola