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Um artigo publicado na Revista Música traz discussões sobre o principal instrumento do professor, principalmente os de música: a voz, diante da pandemia de covid-19 e da realidade de aulas on-line onde muitos alunos, em especial os da rede pública, têm dificuldade de acesso à internet e a uma estrutura adequada para as aulas remotas.

Normalmente, em classe, o professor se vale da voz para elaborar uma aula criativa, com a participação dos alunos em jogos didáticos ou outras atividades em que o falar é indispensável.

Algumas escolas já retornaram às aulas presenciais – seria ótimo se não houvesse a barreira das máscaras, essenciais para se proteger contra o vírus, já que as vozes, tanto dos professores quanto dos alunos, ficam abafadas, sem a possibilidade de explorar-se todos os recursos oferecidos no ensino.

A situação piorou nas aulas de música, quando o professor sempre cantava ou solfejava partituras com seus alunos. Nas aulas a distância, hoje, isso não é possível, porque os “formatos tecnológicos” são limitados para essa atividade. As aulas virtuais de música não permitem a aplicação de procedimentos e processos criativos que as aulas presencias proporcionam.

As aulas virtuais provocaram cansaço vocal em muitos professores, e, dessa maneira, estes últimos precisaram aumentar o volume da voz
As aulas virtuais provocaram cansaço vocal em muitos professores, e, dessa maneira, estes últimos precisaram aumentar o volume da voz

O intuito dos autores do artigo ‘Máscaras ao rosto e tampões à boca: implicações na voz para a performance do professor que canta’ é abordar quais os danos provocados “à voz do professor, nesse momento de pandemia e isolamento social, em que instituições educativas têm buscado soluções para essa nova realidade”, observado o fato de a performance do professor estar intimamente relacionada com a voz como “elemento comunicativo fundamental”, com o qual se atinge o propósito do ensino.

A pandemia exigiu o isolamento social e a voz “tem estado confinada”. Para o professor que atua com música, a questão é mais abrangente e complexa, uma vez que se constata “o quão comprometida pela voz está a performance, na medida em que o aparelho vocal possui impressão individual e personalidade”, nas palavras do compositor e músico canadense Raymond Murray Schafer.

As aulas virtuais provocaram cansaço vocal em muitos professores, e, dessa maneira, estes últimos precisaram aumentar o volume da voz, tanto para falar quanto para cantar. Ressalta-se que a voz e suas características indicam o humor de quem fala, a delicadeza de uma canção, a impetuosidade do cantor, dependendo dos fatores emocionais do professor.

 Assim sendo, a voz vai além dos aspectos fisiológicos, ela “é conexão da mente, do corpo e do espírito. Somos produto de nossa voz. Nossa voz faz parte de uma teia social”. A pandemia mudou a forma com que a voz chega até os alunos porque, por exemplo, as videoconferências não permitem que venham à tona todas as possibilidades vocais do professor, “filtradas pelos microfones de um ou outro dispositivo, além dos atrasos na chegada do som até o ouvinte, em função da qualidade de conexão da internet”.

A utilização que o professor faz de sua própria voz mostra-se importante para que os objetivos didáticos sejam alcançados, já que o uso “performático” é um recurso básico para a educação musical. O cantar em aula implica a postura da voz pautada em uma pedagogia que estimule também os alunos, participando e assim revelando a voz a si e aos outros, descobrindo o próprio corpo com suas potencialidades e possibilidades. Infelizmente, a pandemia calou a voz de muitos nas atuais aulas a distância, sobretudo nos exercícios musicais coletivos.

Para os autores, a maneira como tratamos nossa voz revela como tratamos “as crises que nos assolam”, como encaramos o estar presente, nossa forma de compreender, estar e experienciar o mundo. Os que fazem da música seu ganha-pão e sua paixão esperam que a pandemia tenha um fim o quanto antes para que “caiam as máscaras”, que acabam por afetar os processos do desempenho da voz, pois, nas palavras dos professores, “mais do que tampar as nossas bocas, emudecem nossas vozes e silenciam nossas performances”.

Artigo

VIEIRA, M. S.; MIGUEL, F. Máscaras ao rosto e tampões à boca: implicações na voz para a performance do professor que canta. Revista Música, São Paulo, v. 21, n. 1, p. 1-16, 2021. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revistamusica/article/view/180832. Acesso em: 28 jul. 2021.

 

 

(*Por Margareth Artur/Revistas da USP)