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Já faz alguns anos que o conteúdo educativo está em alta nas redes sociais: em 2014, o Youtube publicou uma pesquisa que já apontava um aumento de 44% nas buscas por vídeos na categoria “educação”. Esse número cresceu ainda mais com a pandemia de covid-19, quando mais domicílios brasileiros passaram a utilizar as tecnologias digitais — 83%, segundo dados divulgados pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic). Uma indicação desse cenário foi o lançamento de um programa de apoio aos educadores que fazem publicações na internet pelo TikTok em 2021. Dentro da USP, esse novo fenômeno da educação realizada nas mídias digitais não passa despercebido.  

Ana Clara Moreira, Marcos Morcego, Kananda Eller, Roger Bravo e Victor Polillo são alguns dos estudantes da Universidade que divulgam os conteúdos que estudam em plataformas da internet. As áreas de conhecimento dominadas por cada um variam, assim como os formatos das publicações, que abrangem desde vídeos curtos e pequenos textos até podcasts com episódios de extensa duração. Todos eles começaram as produções de maneira autônoma e independente, sem recursos financeiros ou uma estruturada rede de apoio e, ao longo do tempo, adquiriram um alcance relevante de público nas redes sociais.

Se somarmos o público total das redes sociais mais acessadas de cada um dos estudantes, totalizam cerca de 235 mil seguidores. Mas para além do reconhecimento na internet, o que há de comum entre os cinco alunos é o objetivo de fazer a educação ultrapassar as fronteiras, ampliando o espaço de debate e aprendizado e não restringindo o alcance dos assuntos vistos na Universidade.

Conheça as trajetórias dos cinco jovens estudantes que se tornaram referência na produção de conteúdo educativo para as mídias digitais:

VICTOR POLILLO – Estudante do último ano de Matemática

O primeiro contato de Victor Polillo, estudante de Matemática do Instituto de Matemática e Estatística (IME) da USP, com a produção de conteúdos digitais voltados à educação foi na pandemia, quando teve a ideia de gravar aulas para os alunos do cursinho onde trabalhava na época. Essa iniciativa de produzir material didático sobre matemática de forma remota se expandiu, até que foi profissionalizada e o resultado foi os quase 40 mil seguidores que Victor possui hoje no TikTok, a rede em que obteve maior alcance.

Ele também publica conteúdos no Instagram e no Youtube, acumulando cerca de 6 mil seguidores nas duas redes. Em todas as plataformas, há um propósito comum de facilitar o fluxo do conhecimento, principalmente para estudantes que estão se preparando para o vestibular, inseridos em um contexto de déficit educacional. Mas Victor ressalta que não é pelas vias digitais que realmente se efetiva a democratização do ensino, ainda que elas deem uma boa ajuda. “Estamos democratizando? Sim. Para todo mundo? Não. Temos que entender que a gente está democratizando o conhecimento para um certo grupo, que é o que possui acesso à internet”, afirma. 

No ritmo em que correm as redes sociais, prender a atenção dos espectadores é um dos principais desafios enfrentados, relata o estudante. O tempo para os vídeos deve ser curto, justamente para que seja atrativo para os alunos assistirem, e por isso Victor regula o conteúdo para ele ser apresentado rapidamente. “Eu já abri mão de tentar colocar o conteúdo por inteiro, o que eu posto são dicas de matemática”, diz. Ainda assim, ele mantém a produção de vídeos longos no Youtube, não com a finalidade de ganhar seguidores e aumentar os números nas redes, mas sim como uma forma de curadoria para oferecer aos alunos que procuram explicações mais completas.

Victor conta que os temas vistos nas disciplinas da Faculdade de Educação (FE) da USP, para a Licenciatura em Matemática, o auxiliam bastante a desenvolver os conteúdos para as redes. Inclusive, ele diz que há uma movimentação nos cursos para a educação digital se tornar uma matéria optativa na Universidade. “Não estamos pedindo para os professores criarem conteúdo digital, não precisa de nada disso, mas é importante saber que a tecnologia está aí, temos que usar a nosso favor. Se ignorarmos completamente, vamos ser engolidos por ela”, afirma.

Esse debate sobre as diversas formas de se projetar a educação ganha mais destaque no podcast criado pelo estudante com o intuito de ampliar a voz dos professores, o Professorado.  “A ideia era trazer professores diferentes, de matérias diferentes, de tipos de educação diferentes”, explica. Os episódios, que são apresentados por Victor junto a Thais, colega de trabalho do estudante, começaram a ser gravados remotamente em 2021 e presencialmente no ano seguinte em um estúdio. No programa, não são discutidos conteúdos acadêmicos, o que está em pauta é a tarefa de lecionar. “O professor é visto por muita gente, mas poucas pessoas nos escutam. O mundo seria muito melhor se as pessoas escutassem os professores”.

Um plano traçado por Victor para o futuro é conseguir aumentar o alcance do podcast. “Não só pelos números, mas para mais pessoas conhecerem o projeto, que tenha mais temporadas e episódios”, diz.  Ele também afirma que continuará tanto com os vídeos curtos para o TikTok e Instagram, quanto com os longos no Youtube, mas deixa claro que se formar na faculdade e atuar como professor nas salas de aula é a sua prioridade: “O que eu mais amo fazer é dar aula, pretendo fazer isso por muito tempo”.

KANANDA ELLER – Mestranda em Ciências Ambientais

Conhecida nas redes sociais como “Deusa Cientista”, Kananda Eller saiu de Salvador em direção à capital paulista para realizar mestrado em Ciências Ambientais na USP, após concluir sua graduação em Química na Universidade Federal da Bahia (UFBA). A divulgação científica realizada por Kananda nas redes sociais acumula números altos na internet: são 166 mil seguidores no Instagram e 92 mil no TikTok acompanhando o propósito da estudante de apresentar a ciência por uma perspectiva social e política. “Eu queria ser um espaço de referências para outros professores trazendo conteúdo científicos e para pessoas como eu, negras que vieram da periferia”, diz.

Kananda se destacou no meio digital por não limitar a sua criatividade para criar os conteúdos, que são escolhidos a partir da definição de quadros para organizar a produção. Um exemplo é o Hora da Química, em que ela discutiu a química junto a pautas raciais: “Por que estão falando que pessoas negras não precisam usar protetor solar? Partindo dessa discussão, eu explicava que elas precisam, porque a nossa melanina não é um fator de proteção”. Os cabelos brancos de mulheres negras, a química no figurino da cantora Beyoncé e a metalurgia do ferro na mitologia Iorubá são outros dos temas já abordados.

Segundo a estudante e influenciadora, o intuito das publicações é falar sobre os seus estudos dentro de um cotidiano que possa atingir o público geral e fazê-lo refletir. As produções realizadas lhe renderam uma indicação ao prêmio TikTok Awards em 2021, na categoria “Aprenda no TikTok”. O grande alcance de Kananda faz com que ela tenha que administrar uma dupla carreira, conciliando o mestrado com a produção de conteúdos digitais. “Às vezes eu não consigo conciliar, mas eu tento criar uma rede de pessoas para me ajudarem e trabalharem junto comigo”, relata.

O que facilita esse processo é que a pesquisa feita por ela tem muito em comum com o trabalho nas redes. O produto final da pós-graduação da estudante é um projeto de comunicação científica para catadores de rua, em que ela planeja elaborar uma estratégia de comunicação no Instagram para construir uma imagem de relevância dos catadores como agentes ambientais. Ela conta que utiliza a pesquisa como uma base para orientar as produções: “O que eu tenho que fazer é associar uma coisa a outra. Geralmente, só aceito propostas de trabalho relacionadas com o que eu já estou estudando”.

Furar a bolha do mundo acadêmico que tem como principais referências pessoas brancas é o principal desafio enfrentado, relata Kananda: “Hoje temos na Universidade as cotas, mas eu espero que consigamos mudar também o corpo docente, ver mais professores e pesquisadores negros na Universidade”. Ela ressalta a importância de difundir essa discussão por meio do seu trabalho, para que qualquer um consiga participar do processo de construção da ciência. “A comunicação facilita que a ciência exerça o papel dela, porque acaba sendo um lugar muito distanciado. Temos que sair do sapato alto”, diz.

ROGER BRAVO – Estudante do terceiro ano de Audiovisual

Antes de ingressar no curso de Audiovisual na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP em 2021, o estudante Roger Bravo já estudava cinema por conta própria. A partir dessas pesquisas realizadas de forma autodidata, criou o Cinédito em 2019, que era inicialmente um Trabalho de Conclusão de Curso da Escola Técnica na qual se formou. A ideia de Roger para o projeto foi desenvolver uma plataforma para discutir temas relacionados ao cinema brasileiro. Um ano depois, a iniciativa se transformou em um canal do Youtube, desvinculado de um propósito institucional, que atualmente possui 6 mil inscritos.

Os 49 vídeos produzidos por Roger analisam filmes nacionais, discutem a historiografia evocando movimentos cinematográficos do Brasil, como o Cinema Novo e o Cinema Marginal,  e debatem questões sociais e políticas partindo de produções brasileiras, como no vídeo “Como Héctor Babenco retrata os presídios nos filmes”. Na medida em que os conteúdos eram publicados, o canal foi ganhando um alcance inesperado pelo estudante. “Conforme o canal crescia, eu percebia que ele estava saindo de um nicho e começava a interessar a pessoas que estavam fora dessa bolha acadêmica”, conta.

Ao mesmo tempo em que o trabalho era contemplado com os números altos de visualizações, o estudante diz que se sentia inseguro com a proporção que os vídeos estavam tomando. “Eu recebia mensagens de pessoas dizendo que o professor da faculdade passou o meu vídeo para elas. Pessoas usando o meu vídeo como referência para TCC, eu pensava ‘não sei se eu quero isso, não sei se eu posso fazer isso’”, relata.

Outra questão citada por Roger era a sensação de estar sendo julgado pelos acadêmicos mais experientes da área: “Um público que sabe que você não faz parte deles”. Ele explica que esse juízo de valor dentro da Universidade aos produtores de conteúdo digital é bem presente, principalmente por não se tratar de uma forma de comunicação estritamente inserida nos padrões acadêmicos.

Apesar dessas impressões, Roger segue com o canal ativo e aberto para trazer questões do cinema para o grande público.

ANA CLARA MOREIRA – Estudante do quarto ano de Física

Ao ouvir a palavra “cientista”, qual a primeira imagem que lhe vem à cabeça? Para a maioria das pessoas, a resposta provavelmente é a mesma. Um homem branco e com uma média de idade elevada, afinal, é exatamente isso o que as estatísticas mostram: segundo o levantamento da Unesco, esse perfil corresponde à maior parte dos que integram o alto escalão dos acadêmicos. “Eu me perguntava qual o meu cientista favorito, mas não havia quase nenhum que realmente se parecia comigo”, conta Ana Clara Moreira, estudante do Instituto de Física (IF) da USP.

Em 2020, Ana saiu do interior de Minas Gerais para seguir o sonho de cursar Física na USP e trabalhar com divulgação científica. Hoje, ela acumula cerca de 20 mil seguidores em seu Twitter, TikTok e Instagram, onde discute temáticas relacionadas principalmente à área de Astropartículas e Cosmologia, o foco de pesquisa da Iniciação Científica que realiza na Universidade. Junto aos seus tópicos científicos favoritos, Ana não deixa de abordar pautas raciais e sociais que questionam a estrutura predominante no meio acadêmico. “A maioria dos cientistas não levam mulheres cientistas a sério, quando é uma mulher preta, é aí que eles não levam a sério mesmo”, manifesta.

Ela sempre soube que queria estudar algo relacionado à astronomia. Aos 15 anos, ganhou seu primeiro telescópio e antes mesmo de entrar na USP já fazia divulgação científica postando pequenos textos no Facebook sobre assuntos que pelos quais se interessava, como o experimento matemático Hotel de Hilbert. Esse trabalho foi interrompido na época em que se preparava para o vestibular, mas Ana logo voltou a realizá-lo ao ingressar na Universidade. Quando cursou a disciplina Conceitos e Práticas de Comunicação e Jornalismo Científico em 2021, elaborou um infográfico explicando a definição de Matéria Escura, e ao compartilhar esse material nas redes sociais, conseguiu “estourar a bolha” e ganhar seguidores fora do nicho acadêmico.

A intersecção entre gênero, raça e classe e os assuntos de ciência também se faz presente nos projetos de extensão que a aluna atua dentro da USP, o Coletivo Astrominas e o Projeto Cecília, voltados a levar ciência para mulheres e estudantes de escola pública, respectivamente. Começar a atuar nas duas iniciativas foi decisivo na trajetória de Ana nas redes sociais. “Para publicar qualquer coisa na internet sobre a sua graduação, é preciso autoestima, algo que eu não tinha quando entrei na Física”, diz Ana, explicando que conversar com os jovens e ter contato com pessoas diferentes foi essencial para sua desenvoltura na internet.

Aproximar conhecimentos científicos do público geral, por meio do conteúdo educativo, e romper com a imagem estereotipada do físico como um homem branco, velho e sempre “genial” é o propósito do seu trabalho nas redes sociais. “Na Física, não tem muitas pessoas como eu fazendo divulgação e mostrando a realidade do curso. Eu queria quebrar essa visão do físico, de que ele é um homem branco que vai estar sempre fazendo contas”, relata. Quando conheceu e conversou com Sônia Guimarães, a primeira mulher preta doutora em física do Brasil, viu de perto que era possível contrariar as estatísticas.

“É esse o papel do cientista, além de avançar cientificamente, ele tem que ter um retorno social”, pontua Ana. Ela diz que pretende continuar com o seu trabalho nas redes, mas deixa claro a necessidade de alinhar a divulgação com a pesquisa feita na Universidade. “A divulgação é uma perna e a pesquisa é outra. Não consigo andar de uma perna só”, afirma. Para isso, a estudante ressalta também que precisa de um maior apoio da Universidade. “Gostaria de uma câmera para fazer vídeos pro YouTube, mas eu estou levando como for possível”, diz.

MARCOS MORCEGO – Estudante do terceiro ano de Ciências Sociais

“Eu só tinha um celular, um fone de ouvido e um caderno para anotar”. Foi assim que Marcos, mais conhecido como Morcego, estudante de Ciências Sociais na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, deu início ao seu projeto de comunicação política nas redes sociais. A Caverna do Morcego é o podcast que Marcos construiu em 2020 de forma independente, voltado principalmente para a área de pesquisa em Sociologia e Ciência Política.

Já são mais de 90 episódios, gravados com poucos recursos, mas carregando uma base teórica dos estudos que Morcego realiza dentro e fora da Universidade e da colaboração de outros pesquisadores. “Tenho entrevistas com pessoas que estão apresentando trabalhos, projetos de militância, movimentos, artigos acadêmicos, iniciações científicas, e às vezes mestrados ou doutorados”, explica. Além do podcast, o estudante também realiza transmissões ao vivo nas plataformas Twitch e Youtube, onde coloca em pauta vários dos conteúdos aprendidos na graduação, seja para apresentar ou refutar as ideias contidas. “Na aula de Antropologia, uma professora passou Franz Fanon e Lélia Gonzalez, esses dois autores começaram a percorrer a discussão nas lives quando eu trabalhei a questão da negritude”, conta. 

Segundo o estudante, o projeto surge em uma tentativa própria de compreender os problemas do mundo ao seu redor. Quando o podcast estava sendo elaborado, Morcego havia saído do curso de Ciências Sociais que iniciou em 2019, mas voltou para a mesma graduação ao perceber, por meio do trabalho feito nas redes, que era a sua praia. “Afinal, eu gostava tanto de estudar textos da área da sociologia quanto da Ciência Política”, diz. Ele cita a filósofa Sueli Carneiro, para expressar o papel da faculdade em seu processo de produção de conteúdo: “Ela diz o que a faculdade oferece são as ferramentas para que trabalhemos com elas fora da Universidade. Eu gosto de produzir com o objetivo de atingir certos grupos, procurando trabalhar de uma forma mais impactante”.

Mas ele relata haver muitos obstáculos para dar continuidade ao trabalho. “Há uma dificuldade financeira e técnica para os projetos de pessoas da periferia que estão na Universidade”, diz. A falta de dinheiro para bons equipamentos e para contratar profissionais que possam auxiliar nas demandas é a principal adversidade enfrentada. “Eu conto com o apoio e solidariedade, o que é ótimo, mas não consigo investir realmente no meu trabalho. O dinheiro que eu ganho é o dinheiro que ajuda a me manter, ainda com o mínimo do mínimo”, aponta.

Mais espaço para conteúdo educativo

Uma das possíveis formas de colaboração da Universidade, de acordo com o estudante, seria oferecer o apoio de professores e uma maior estrutura para a produção, como o que foi realizado no Urbanidades, no Sociologia em Podcast e no Cinusp em Casa. Esses projetos e o de Morcego trazem “uma outra perspectiva da pesquisa”, como ele mesmo define. “Não fica aquela coisa de só ler artigo, texto e livro. Você pode ouvir uma conversa com pessoas que também estão nessa fase de construir o começo de um conhecimento, pessoas que estão na sua mesma faixa etária e que entraram agora na faculdade”, completa.

Maria Fernanda Barros / Jornal da USP

Foto: Imagem de tonodiaz no Freepik

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