O governo quer mudar o programa Jovem Aprendiz, criado há 21 anos. A ideia em discussão é remover da lei seu principal ponto, permitindo que empresas possam contratar jovens sem seguir a exigência de que todos estejam matriculados na escola. Há também estudos para flexibilizar a norma que obriga as empresas a contratar uma cota de aprendizes proporcional ao número de funcionários e a atrelar a remuneração ao salário mínimo.
O Brasil tem atualmente cerca de 461,5 mil jovens aprendizes, de acordo com os dados mais recentes do Ministério da Economia. Deste total, quase a metade trabalha na indústria de transformação e no comércio. A principal função que os jovens desempenham é a de auxiliar de escritório ou assistente administrativo.
Procurado pelo Estadão/Broadcast para explicar as mudanças, o Ministério do Trabalho e Previdência afirmou que instalou um grupo de trabalho, em dezembro do ano passado, para definir propostas de “aperfeiçoamento” do programa, em conjunto com representantes dos trabalhadores e dos empregadores. De acordo com o ministério comandado por Onyx Lorenzoni, a expectativa é a de que o grupo termine os debates em março. A próxima reunião está marcada para o dia 18.
Críticos das mudanças observam, porém, que o programa poderá ser descaracterizado porque empresários teriam a intenção de acabar com a cota. “Eu sou contra isso”, disse o presidente da Força Sindical, Miguel Torres. “Alguém deve estar sendo beneficiado.”
VAGAS
Sancionada no fim de 2000, no governo de Fernando Henrique Cardoso, a Lei do Aprendiz determina que empresas consideradas de médio e grande porte devem reservar vagas para adolescentes e jovens de 14 a 24 anos, sem idade máxima para os aprendizes com deficiência. A cota de vagas é de, no mínimo, 5% e de, no máximo, 15% do quadro de funcionários.
Os contratos podem durar até dois anos, e a remuneração mínima precisa ser equivalente ao salário mínimo proporcional às horas trabalhadas, em uma jornada que não pode superar as 6 horas diárias. Além disso, as empresas devem recolher 2% da remuneração para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviços (FGTS), e não os 8% dos contratos normais de trabalho.
Além da anotação na carteira de trabalho, a lei exige a “matrícula e frequência” do aprendiz na escola pelo menos até a conclusão do ensino fundamental. Para aqueles que cursaram até o nono ano escolar, determina a inscrição em um programa de aprendizagem técnico-profissional.
Para o Ministério Público do Trabalho, as mudanças em estudo na aprendizagem dos jovens acabam com uma das principais funções do programa, que é justamente o combate ao trabalho infantil e à evasão escolar. “Essa é uma matéria muito cara para a fiscalização do trabalho, na prevenção e erradicação do trabalho infantil. O programa de aprendizagem foi criado para trazer uma infância protegida, com garantia de estudo, com renda, e com qualificação profissional”, disse a coordenadora nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente do Ministério Público do Trabalho (MPT), Ana Maria Villa Real.
A procuradora criticou pontos específicos em debate pelo grupo de trabalho, como a exclusão das funções de nível básico, com priorização para vagas de nível técnico ou tecnólogo. “Para atender a certos interesses econômicos, o grupo também quer focar na contratação de maiores de 18 anos, subvertendo o público original do programa, que são os adolescentes mais vulneráveis. O que eles querem são trainees ou estagiários de luxo”, avaliou ela.
Dados de 2021 mostram que mais de 60% dos aprendizes contratados têm menos de 18 anos. “Os ataques ao jovem aprendiz partem de uma ala mais velha da classe empresarial e da burocracia estatal. Se uma empresa tem problemas com o Jovem Aprendiz, significa que ela tem problemas muito maiores do que isso. O programa é uma solução para a evasão escolar, a violência e o desemprego”, disse o CEO do Centro de Integração Empresa-Escola (Ciee), Humberto Casagrande, que estima potencial de 17 milhões de vagas para o programa no País, com as regras atuais.
Esta é a quarta vez, nos últimos anos, que o programa passa por modificações. A primeira foi na gestão de Michel Temer, com uma tentativa de reduzir o seu escopo. No governo Bolsonaro, foram enviadas ao Congresso propostas de mudanças com o Contrato Verde e Amarelo e o Regime Especial de Trabalho Incentivado, Qualificação e Inclusão Produtiva (Requip). As duas iniciativas foram rejeitadas pelos parlamentares. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Vera Rosa e Eduardo Rodrigues