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Um projeto coordenado por professores da Faculdade de Educação (FE) da USP está levando a discussão sobre as relações étnico-raciais no Brasil para a sala de aula. Por meio de formações continuadas com professores e estratégias de valorização das culturas locais, o projeto reúne pesquisadores de quatro universidades públicas para “adotar” escolas públicas periféricas, onde permanecem por três anos acompanhando estudantes e equipe pedagógica.

Participam do projeto a USP, a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e a Universidade Federal da Paraíba (UFPB), todos inseridos no Grupo de Estudos e Pesquisas Afroperspectivas.

O projeto, intitulado Docências compartilhadas, formação continuada e a Lei 10.639/03: o papel das culturas urbanas em escolas públicas de diferentes regiões periféricas, recebeu verba de apoio à pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Os resultados serão apresentados em um colóquio na FE, com opção de participação on-line. As pessoas interessadas devem se inscrever neste formulário até o dia 6 de abril. As transmissões on-line acontecerão entre os dias 8 e 10 de abril, das 14 às 22 horas, pelo Youtube.

O trabalho de campo nas escolas é baseado em pesquisas que entrelaçam ciências e humanidades, utilizando referencial sul-americano, afro-brasileiro, do feminismo e da pedagogia crítica. Além da história, das artes e do letramento, as pesquisas também envolvem a educação antirracista, o esporte e a etnomatemática – uma forma de ver a matemática considerando as condições econômicas, sociais e culturais do contexto.

“Realizamos esse trabalho de docência compartilhada desde 2005. A ideia era trazer para dentro da escola as culturas que são cultivadas pelos alunos e por suas famílias. Toda a equipe entra na escola, faz formação dos professores, passa o dia inteiro lá. Ao mesmo tempo, entra em sala de aula junto do professor, programa com ele como seria a articulação entre história, geografia, português e as culturas afro-brasileiras”, descreve Mônica do Amaral, professora sênior da FE e pesquisadora responsável pelo projeto. 

A professora explica que o primeiro trabalho do grupo foi na favela Real Parque, em São Paulo, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). “E lá, tinha uma forte presença do funk, do hip hop, da capoeira e das culturas indígenas, com uma comunidade de etnia Pankararu. Então fizemos um projeto com rap, repente e capoeira”, afirma. Para a pesquisadora, o projeto abre um corredor entre as escolas e os portadores das culturas afro-brasileiras e das ancestralidades indígenas, que tiveram suas vozes abafadas no processo de organização urbana. 

Neste vídeo de apresentação de um de seus livros, a pesquisadora aprofunda o conceito de ancestralidade nas escolas.

Pesquisadores negros da Faculdade de Educação da USP em atividades do Grupo de Estudos e Pesquisas Educação e Afroperspectivas – Foto: cedida pelo grupo

Persistência e oposição

Apesar da possibilidade de maior adesão de estudantes e familiares, às vezes a docência compartilhada encontra resistência da própria equipe pedagógica. Mônica conta que seu grupo já esteve em escolas cuja direção se opôs aos professores envolvidos com a educação antirracista, e puniu estudantes com suspensões e se negando a realizar formaturas. 

“Esse tipo de coordenação pedagógica vai promover um verdadeiro retrocesso lá dentro, depois de anos de pesquisa e trabalho com populações extremamente abandonadas pelo Estado”, lembra.

Por outro lado, a persistência do grupo de pesquisadores e o apoio aos professores engajados levou diversas conquistas à comunidade escolar. “Eles espalharam cartazes sobre racismo, valorização de personagens negros em todas as salas, conseguiram colocar música de rap no sinal da escola. Viraram a escola do avesso porque estávamos lá!”, diz. Com relação aos jovens que estavam sendo punidos, os pesquisadores utilizaram o conceito sawubona, da cultura zulu, de valorização e reconhecimento individual, em uma roda de abraço e acolhimento.

“É um trabalho miudinho, de todo dia. A gente queria mostrar para diretores, professores e alunos que vão se transformar em professores que se as universidades tivessem uma parceria destas de dois, três anos, nós cobriríamos todas as escolas. É essa formação cotidiana que vale a pena para estudantes, professores e direção”, destaca.

Colóquio Nacional: Formação continuada na escola pública, afroperspectivas e a Lei 10639/03
Inscrições: neste formulário,até o dia 06 de abril
Transmissões on-line: 8, 9 e 10/04, das 14 às 22 horas
Programação completa em: https://paginas.fe.usp.br/eventos/evento/eventos_evento.php?acao=Visualizar_Arquivo&tipo=programacao&eventosevento_codigo=6877