Racismo no País está enraizado na educação escolar, afirma especialista
O Brasil tem a maior população negra do mundo fora da África. De acordo com a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada em 2019, 46,8% dos brasileiros se declararam pardos e 9,4% se declararam pretos. Para o IBGE, a soma de pardos e pretos constitui a população negra no Brasil, 56,2%.
Apesar de serem a maioria, na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) – normativa que serve como referência obrigatória para elaboração dos currículos escolares e propostas pedagógicas para a educação infantil, ensino fundamental e ensino médio no Brasil – a matéria de história apresenta apenas um item referente ao ensino da história afro-brasileira, tanto no ensino fundamental quanto no ensino médio.
No Brasil existiam duas leis que determinavam a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira e indígena no ensino fundamental e médio, as leis 10.639/03 e 11.645/08, mas foram “derrubadas” pela reforma do ensino médio, em 2017, que não menciona, em nenhum momento, que esse conteúdo deva ser ensinado, deixando a cargo da BNCC.
O racismo que limita
Segundo o pós-doutorando em Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, Sérgio Souza, essa defasagem acontece por conta de um processo de dominação estruturado no racismo. Esse processo “define a desigualdade de direitos, a desigualdade de acessos a bens sociais e as desigualdades de renda”.
Ainda de acordo com Souza, a sociedade brasileira, que é autoritária, é estruturada em grande parte pelo racismo. “Não são apenas 358 anos de escravidão, é todo um processo de construção de um imaginário, de todo um universo mental, de toda uma cultura racista.”
O pós-doutorando explica que a cultura racista não acaba com o fim da escravidão em 1888, muito pelo contrário. “Durante a república essa cultura foi reelaborada e reafirmada, utilizando-se de vários dispositivos legais e com a disseminação de valores e representações racistas.”
Preconceito no conteúdo
Souza conta sua própria experiência no processo de aprendizado sobre a história afro-brasileira. “Eu estudei em escolas que sempre colocavam as populações negras como sinônimos de escravos, escravizados, criminosos e criminosas, ou sinônimo de pessoas ridículas, como, por exemplo, a Tia Nastácia, a negra beiçuda que só fala bizarrices, segundo o discurso da Emília, ambas personagens do Sítio do Picapau Amarelo”, conta Souza.
Para exemplificar sua afirmação, Souza fala sobre a escola onde estudou o ensino fundamental, no interior do Estado de São Paulo. “Uma escola de maioria branca, durante uma aula de português na sétima série, a professora apresentou um texto de dois meninos, um branco, que todos os dias falava do pai, um industrial presente rotineiramente nos jornais e na televisão. Ainda segundo o texto, um menino negro quis mostrar que seu pai também aparecia no jornal. Mas o pai do garoto negro apareceu no jornal porque tinha feito um assalto; nesse momento da leitura do texto eu tive vontade de entrar debaixo da carteira e sumir, era sempre assim.”
A professora Andréa Coelho Lastória, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP e orientadora de Souza, explica que essa é uma temática de extrema importância e não deve ser ensinada somente em história, mas em todos os componentes curriculares. “O ensino da cultura e história afro-brasileira na escola ajuda a reduzir o racismo e a criar uma sociedade mais cidadã”, finaliza.