Síndrome da Gaiola caracteriza jovens que não querem contato com o mundo exterior
Enquanto muitos jovens são motivo de preocupação por não se adaptarem a longos períodos isolados em casa e, assim, desrespeitarem o distanciamento social durante a pandemia do coronavírus, outros preocupam por se adaptarem muito bem ao isolamento.
O termo ‘Síndrome da Gaiola’ foi cunhado pelo psiquiatra da infância e adolescência da Associação Brasileira de Psiquiatria, Gabriel Lopes, e, em alusão aos pássaros que não deixam o cativeiro, refere-se aos jovens que estão no outro extremo, apoiando-se nas modalidades virtuais e desconsiderando por completo os estímulos vindos do contato com o mundo exterior. A educação foi uma das áreas-alvo da síndrome e, nesse contexto, de uma série a outra sem sair do quarto, transtornos mentais podem ser desenvolvidos ou agravados mesmo em alunos que conseguiram manter um bom desempenho escolar.
“Existem pessoas que estão muito assustadas com a pandemia, em um nível em que realmente não saem de casa e recebem, de uma forma muito distante, outras pessoas e estímulos externos”, afirma Guilherme Polanczyk, psiquiatra da infância e adolescência e professor do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP.
Ele explica que “essas pessoas, na maior parte das vezes, já apresentavam algum tipo de transtorno mental, frequentemente um transtorno de ansiedade antes da pandemia, ou, pelo menos, sintomas, e com esse estressor grande que a pandemia constitui, realmente apresentaram uma piora”, explica, apontando para a intensificação da ansiedade fruto da possibilidade de contaminação através do contato com o mundo externo, comportamento que caracteriza a Síndrome da Gaiola.
O professor explica que as relações sociais são fundamentais para o desenvolvimento das crianças e dos adolescentes. Nestes, a interação com os amigos, as experiências que acontecem a partir dessas experiências, festas, viagens, namoros e conflitos são muito importantes para o desenvolvimento da identidade dos jovens.
“Nesse período em que os adolescentes estiveram afastados uns dos outros e essas experiências não ocorreram, houve perdas importantes em termos de desenvolvimento, então eles saem da pandemia ou iniciam uma retomada das atividades de uma forma gradual, na medida em que pandemia está mais ou menos controlada, com perdas e com déficits”, afirma Polanczyk.
Para muitos alunos, o ensino on-line é efetivo, pode economizar tempo e, segundo o professor, “eles se sentem mais confortáveis em casa, ainda conseguem manter contato com os amigos, eventualmente até encontrá-los, e aí muitos têm resistência em sair desse modelo que, de alguma forma, está funcionando”. Entretanto, Polanczyk ressalta que o encontro com os colegas, com outros adolescentes, a exposição às provas, à aula presencial, pode levar a uma piora da ansiedade que estava estabilizada dentro de casa.
“A depressão, por outro lado, faz com que a criança ou adolescente tenha uma falta de energia e disposição, um sentimento negativo em relação à vida e a si própria e, sem dúvida, isso interfere na realização das atividades escolares”, afirmando ainda que “muitas vezes, em casa, o ensino on-line está sendo feito de uma forma parcial, então assistem às aulas deitados na cama, ou não assistem, deixam a câmara ligada, as provas eventualmente são feitas com consulta. Então, a retomada da aula presencial significa um esforço maior a uma necessidade realmente de dedicação e, para alguém que está deprimido, isso é algo muito difícil”.
Além das dificuldades impostas por transtornos mentais e outros paradigmas que sustentam a Síndrome da Gaiola, os jovens ainda podem lidar com outras demandas em casa, com a família, que sofreu uma reorganização em sua rotina. O professor Polanczyk acredita que a ação de serviços de saúde vai ser necessária para auxiliar as pessoas, em termos de depressão, durante a retomada das atividades.
(* Por Gustavo Zanfer / Jornal da USP)