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O retorno às aulas presenciais é considerado adequado e até atrasado por especialistas em educação e saúde ouvidos pelo Estadão. Mas também é criticado por entidades de classe, que classificam a medida como precipitada. Além do Estado de São Paulo, Mato Grosso vai tornar obrigatórias as aulas presenciais a partir desta segunda-feira (18). Essa também será a data de retorno das aulas totalmente presenciais na Bahia. O governo baiano não esclareceu à reportagem se a presença será obrigatória ou não.

“Precisamos resgatar as atividades escolares, não só pela questão acadêmica como pelo papel social da educação. Mas é necessário continuar usando máscara, não compartilhar objetos pessoais, lavar as mãos com frequência e tentar manter algum distanciamento”, afirma Chrystina Barros, pesquisadora em Saúde do Centro de Estudos em Gestão de Serviços de Saúde (CESS) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e integrante do Grupo Técnico Multidisciplinar de Enfrentamento à Covid-19 da mesma universidade.

A médica destacou medidas importantes para garantir a segurança de todos. “Para que o retorno seja seguro, considerando que não temos vacina para menores de 12 anos, é preciso que exista espaçamento, uso de máscaras e observação de toda a comunidade acadêmica para que, havendo qualquer sintoma de covid-19, a pessoa seja afastada e isolada. Mesmo que a máscara seja desobrigada por lei, para escolas onde exista uma população que não recebe a vacina, que são as crianças, ela é um acessório fundamental.”

Chrystina disse ver de forma positiva o retorno das aulas presenciais, “desde que se use máscara, que exista água para lavar as mãos, que se oriente sobre as formas de transmissão e que os professores estejam atentos ao não compartilhamento de objetos pessoais”. “Isso tudo é possível”, segue Chrystina. “Posso não ter espaço para colocar um estudante a cada dois metros, mas é possível respeitar o espaço pessoal de um metro, um metro e meio”, recomenda a especialista.

Ela sugere, por exemplo, a adoção de horários diferentes de intervalo para as diversas turmas de alunos, de modo a impedir que fiquem todos reunidos no mesmo espaço e período. “O risco de surgir uma nova variante (do coronavírus) existe, daí a importância da vigilância epidemiológica. Mas também é preciso retomar as rotinas.”

Diretora-geral do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getulio Vargas, no Rio, Cláudia Costin defende a retomada das aulas. “Do ponto de vista educacional, essa medida (tornar obrigatória a aula presencial) tem vantagens importantes”, avaliou. “Muitos pais deixam de levar os filhos à escola por não ser obrigatório. Os dados epidemiológicos estão melhorando, praticamente todos os professores tomaram as duas doses (da vacina contra a covid-19) e os adolescentes tomaram a primeira dose. Tem gente que diz: ‘Ah, já estamos em outubro, então podemos deixar para o ano que vem’, mas eu sou totalmente contrária a esse pensamento. As crianças precisam conviver com os colegas, e já perderam muito em termos de vida social”, diz.

Para Claudia Costin, “a desigualdade educacional já foi muito aprofundada” no Brasil. “Enquanto alunos de escolas particulares já têm aulas desde o início deste ano ou até desde setembro ou outubro de 2020, os alunos de escolas públicas, justamente aqueles que não têm conectividade e não têm pais com repertório cultural mais variado e que estejam em teletrabalho de casa para conseguir orientar os filhos, não estão tendo aulas”, criticou.

Claudia Costin estimou que, com políticas públicas adequadas, em três anos seria possível recuperar a aprendizagem que se perdeu. “É preciso olhar para a alfabetização e recuperá-la”, disse. “Tem gente no terceiro, quarto ano, que ainda não foi adequadamente alfabetizada, e a falta de alfabetização prejudica a compreensão de todas as outras disciplinas”, diz. Entre as medidas possíveis, alguns Estados estão debatendo a adoção de um quarto ano no Ensino Médio, afirmou.

A médica Ethel Maciel, epidemiologista e professora da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), por sua vez, considera a medida precipitada. “As escolas já fizeram um planejamento para o estudo híbrido ao longo de todo o ano, e a gente está na metade de outubro, a poucos meses de acabar o ano. Não sabemos qual seria o ganho do ponto de vista pedagógico”, afirma.

“A gente não tem vacina para crianças e os adolescentes só tomaram a primeira dose e não temos nenhum programa de testagem (de contaminação pela covid-19) para que se saiba se a criança está apta a ir para a escola. Então corremos o risco de manter o vírus circulando, que é tudo que precisamos evitar. Precisamos manter o distanciamento e o uso de máscaras, porque ainda estamos numa pandemia”, disse a médica. Ela avaliou que a medida “não agrega do ponto de vista pedagógico e atrapalha do ponto de vista epidemiológico”.

Para Gilberto Barroso, presidente da startup De Criança para Criança, que oferece metodologias de educação híbrida para escolas do mundo todo, o retorno das aulas presenciais é correto. “O número de alunos fora da escola quintuplicou durante a pandemia. A grande maioria dos alunos teve dificuldades para assimilar o conhecimento durante esse período de aulas remotas. Já temos uma boa parte da população vacinada, inclusive de professores e funcionários de escolas. Todos os procedimentos de segurança (sanitária) precisam ser adotados, mas é um passo que vale a pena”, avalia.

A determinação de volta às aulas presenciais em São Paulo foi criticada pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp). Presidente da organização e deputada estadual pelo PT, Bebel Noronha chamou a decisão de “irresponsável”. Ela defendeu que o comparecimento às aulas presenciais deveria ser facultativo até o fim do ano: “Acredito que não há ainda um preparo nas estruturas físicas das escolas”, argumentou. “Por que não esperar um grau de segurança maior?”

Presidente da Federação dos Professores do Estado (Fepesp), Celso Napolitano lembra que quase a totalidade dos docentes retornou à atividade presencial e que há poucos relatos de desrespeito a protocolos de segurança. Ele entende que o anúncio do Estado é apressado, devido à necessidade das famílias de se reorganizarem.

Já o presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado (Sieeesp), Benjamin Ribeiro da Silva, acha que a decisão “até veio tarde”. O retorno com 100% de ocupação é um pleito antigo da entidade, que diz representar cerca de 10 mil escolas privadas. “Estamos torcendo para que ninguém volte atrás nessa decisão.”

“As escolas particulares estão prontas. Contrataram consultorias, fizeram treinamentos com funcionários”, comenta. “O pai deve cobrar que a escola, além da qualidade de ensino, ofereça também segurança.”

Rio

Enquanto em São Paulo o retorno às aulas presenciais se tornará obrigatório a partir da próxima semana, no Estado do Rio e na capital fluminense a presença nas escolas seguirá facultativa. Apesar de as escolas já estarem abertas, segue valendo o esquema híbrido.

Segundo a Secretaria de Estado de Educação (Seeduc), todas as escolas da rede estadual de ensino já estão abertas, “com aulas remotas e também presenciais para todos os alunos que optarem por essa modalidade”. Ainda assim, os municípios têm autonomia para decidir pela autorização ou não para o funcionamento das escolas.

Na capital, a Secretaria Municipal de Educação (SME) informou que os alunos ainda podem optar pelo ensino remoto. Espera, porém, “adesão quase total” ao ensino presencial. O levantamento mais recente, de agosto, aponta 85% de estudantes em aulas “físicas”.

Segundo a SME, a recomendação do Comitê Especial de Enfrentamento à Covid-19 (CEEC) é o “retorno pleno das aulas presenciais em todas as unidades de ensino públicas ou particulares”. A recomendação se baseia nos dados epidemiológicos do município, que apontam para queda nos índices de transmissão de covid-19, e o avanço da cobertura vacinal.

Fábio Grellet e Priscila Mengue, com colaboração de Marcio Dolzan