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“Flexibilidade e transformação digital. Se existem dois termos que ficaram muito marcados em 2020 no âmbito educacional, foram esses dois.” As palavras são de Patricia Peck Pinheiro, graduada em Direito, Doutora pela Universidade de São Paulo, advogada especialista em Direito Digital, PHD em Direito Internacional e em Propriedade Intelectual e autora de 26 livros sobre Direito Digital.

A Dra. Patricia Peck foi um dos destaques do Conecta EX Live, evento que movimentou o mercado educacional recentemente, com a presença de 70 palestrantes, que apresentaram on-line suas opiniões e experiências sobre os desafios da pandemia para o mercado da educação. O evento, organizado pelo Escolas Exponenciais, mostrou os melhores caminhos para as instituições de ensino enfrentarem a atual crise e saírem fortalecidas deste momento. 

Na palestra “Como preparar a escola para a retomada: tratamento de dados sensíveis e adequações necessárias”, a especialista esclareceu a situação atual das escolas, as adaptações que precisam ser feitas para a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGDP n. 13.709), que foi sancionada em agosto de 2018, e que teve sua entrada em vigor alterada pela Medida Provisória número 959, de agosto de 2020 para 3 de maio de 2021.

“Eu acredito que essa mudança vai permanecer, nós não vamos voltar ao que éramos antes de março de 2020. O que tudo isso nos ensinou é que a tecnologia bem utilizada, bem orientada, pode nos permitir operar bem de qualquer lugar, claro que com algum tipo de ajuste, de adaptabilidade”, diz a Doutora.

Patricia Peck falou sobre os avanços na cultura digital em 2020 e da importância de as escolas estarem atualizadas nesta nova era de smart society: “Eu costumo dizer que nós vamos para a smart school, a escola inteligente. Esse é o conceito que nós temos que adotar, com espaços de aprendizagem que podem ser presenciais, virtuais, digitais,…. Nós saímos da sociedade da eletrônica, da sociedade cibernética, digital, para a smart society.” 

A Doutora afirma que este é um momento muito importante para toda a comunidade escolar ter orientação e clareza nas regras envolvidas no serviço educacional e chama atenção para um termo já muito usado nos Estados Unidos: net citizen ou cidadão digital. Ela diz que, se a cultura digital estivesse mais inserida na sociedade brasileira, tudo seria mais fácil: “Precisamos estar com essa cultura estabelecida, a ética digital, a segurança digital, a proteção dos dados pessoais, …”

 

Qual o posicionamento dos sindicatos sobre as medidas necessárias para a retomada das aulas presenciais?

 

Aferição de temperatura nas escolas: um bom exemplo do que é um dado sensível

A Dra. Patricia explica que a medição de temperatura para ingressar na instituição de ensino é um bom exemplo de um dado pessoal sensível: “Se antes já era preciso ter todo um cuidado para tratar os dados de menores de idade, agora é muito maior a necessidade de clareza sobre o protocolo de segurança. Juridicamente, as regras têm que estar previamente claras e informadas.”

Segundo a doutora, a escola tem que informar a partir de quando vai aferir temperatura, como isso vai ser feito, qual a temperatura mínima para permitir a entrada na instituição… Ela lembra que não existe uma informação uniformizada sobre temperatura, que varia de acordo com o município: “A Organização Panamericana de Saúde, vinculada à OMS, estabeleceu a marca de 37,3 graus como temperatura limite. Já o Ministério da Saúde brasileiro fixou em 37,8. Os shoppings usam 37,2. O Decreto do plano de retomada de São Paulo não menciona qual é a temperatura máxima. Informação clara protege”, afirma.

 

Levar as regras do presencial ao virtual

Para a Dra. Patricia Peck, as escolas precisam fazer uma analogia da escola presencial com a escola virtualizada: “Se antes o aluno precisava se identificar para entrar na escola, com carteirinha, … responder à chamada, … o mesmo precisa ser feito no ambiente virtualizado. O professor precisa verificar a presença e a permanência do aluno na sala de aula, assim como as famílias precisam saber o que vão necessitar para as aulas virtuais e estarem preparadas para isso. Assim como eu aviso que o aluno vai precisar ter régua para aula de desenho, eu preciso avisar que ele vai necessitar de uma câmera em casa.”

Segundo a especialista, é importante reforçar o aviso de que tudo o que vale no regimento para o presencial vale para o virtual, com orientações claras para responsáveis legais e professores.

“Pessoas estranhas não podem entrar em sala de aula sem autorização prévia, nem pai e mãe. Isso vale para o presencial e para o virtual. É preciso ter cuidado para não perder o controle, ter cuidado com a indisciplina em tempos de ensino virtual.”

 

Mudanças com a nova Lei de Proteção de dados pessoais

A Dra. explica que o contrato vigente para este ano já foi assinado e que estamos vivendo um período excepcional, causado pela pandemia. Mas que, com a renovação das matrículas para 2021, a recomendação é que as escolas façam pelo menos 4 atualizações, como a inserção de uma cláusula para referenciar os protocolos relacionados à questão de Saúde e Segurança.

“Pelo menos 3 documentos vão ter que ser atualizados por todas as instituições de ensino: contrato de matrícula, política de privacidade e proteção de dados e regimento escolar. Eles vão reger a vida escolar no ano que vem. É preciso que fique muito claro como a instituição vai tratar dados pessoais e dados pessoais sensíveis e como estes vão ser descartados de forma segura quando não forem mais necessários.”

 

Etiqueta digital

Patricia Peck lembra que o ensino remoto emergencial trouxe à tona problemas graves gerados pelo uso indevido de meios digitais. Durante a palestra, ela lembrou de investigação de pornografia na plataforma on-line de uma escola particular, a denúncia de compartilhamento de fotos pornográficas por alunos do oitavo ano em um chat da escola, uma convocação massiva de suicídio em um grupo de Whatsapp e a aparição de um pai nu durante a aula da filha de seis anos, de forma proposital.

“Nós temos que estar preparados para lidar com essas situações que estão ocorrendo. É muito importante dar treinamento a educadores para eles não serem pegos de surpresa, para saberem o passo a passo para lidar em casos como esses. Por exemplo, como fazer print de tela para gerar evidência, encerrar uma sessão imediatamente, etc. ”

“Nunca foi tão necessário o diálogo entre escola e família diante do uso dos recursos digitais, tem família que esquece que internet é rua”, ressalta chamando a atenção para a falsa segurança dos filhos em casa quando não são observador de perto em suas atividades no computador.

Patricia Peck lembra um estudo feito nos Estados Unidos alertando sobre a possibilidade de aumento de cyberbullying no período de sala de aula virtualizada.

“É importante reforçar a campanha educativa de combate ao cyberbullying, inlcuisve existe legislação em vigor sobre isso. Neste momento virtualizado pode ser um vídeo, compartilhado com toda a comunidade escolar. Isso gera também uma prova de orientação de conduta.”

A especialista lembra que os contratos de matrícula mais atuais, assinados no segundo semestre, e que vão vigorar para 2021, já indicam que os responsáveis legais podem ser demandados a dar supervisão nas atividades escolares.

 

Contrato de matrícula atual: direitos e deveres de escolas e pais

 

“O primeiro grande desafio de uma legislação nova é a mudança de cultura, o próprio conhecimento da matéria da lei. A legislação não trata apenas do dado relacionado ao aluno, mas dos dados dos funcionários também, controle de visitantes que entram na instituição, … A escola pode colocar um QR Code indicando que essa pessoa acesse a política da escola sobre esse cadastro. Se eu usei esses dados para segurança, depois eu não posso usar para enviar mala direta, por exemplo. As pessoas precisam, por exemplo, ser avisadas de que câmeras de segurança estão sendo usadas. A imagem gerada é captura de dado pessoal.”

A Doutora lembra que outra novidade é a criação do cargo de GPO, alguém da escola (ou terceirizado) que seja encarregado desses dados: “No dia em que a Lei entrar em vigor, o contato desse encarregado precisa estar claro para o público.”

 

10 dicas de boas práticas digitais:

  1. A captura e a reprodução de imagem, som e vídeo devem ser feitas somente com prévia autorização do docente.
  2. O registro da aula virtual, via gravação, deve ter somente fins pessoais e acadêmicos, sem o compartilhamento e publicação do mesmo.
  3. Tome cuidado com a linguagem, lembrando sempre que, segundo a Dra. Patricia, “prova feita por máquina é mais forte do que prova humana”.
  4. Lembre-se da responsabilidade civil: os pais respondem pela má conduta de seus filhos menores.
  5. Respeite os direitos autorais e sempre cite a fonte ao publicar textos ou obras.
  6. Cuidado com fake news: confira a veracidade das informações antes de compartilhá-las. Evite também abrir mensagens ou clicar em links desconhecidos.
  7. Tome cuidado com sua própria imagem e comportamento, com atitudes que possam lhe prejudicar no futuro, como troca de conteúdo inadequado. E lembre-se de pedir desculpas em incidentes em que alguém se sentir prejudicado.
  8. Cuidado com a falsa identidade digital: não ofereça acesso de sua conta a colegas.
  9. Tome cuidado com seus dados pessoais.
  10. Pense sempre na segurança digital: adote senhas seguras, evite navegar em sites desconhecidos e suspeitos, use antivírus e baixe atualizações das aplicações. Isso tudo vale também para os alunos e para o staff da escola.

 

Campanha educativa digital trata da LGPD com foco nas escolas

O instituto iStart está promovendo uma campanha que pretende ajudar crianças e adolescentes no entendimento sobre a importância dos cuidados que devem ser adotados principalmente no ambiente digital (internet), descomplicando as leis nacionais e internacionais (Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD e General data protection regulamentation – GDPR). Com duração até dezembro de 2020, a campanha informa sobre os direitos e deveres relacionados à proteção de dados pessoais e como as crianças e adolescentes podem identificar as marcas que se preocupam com essa proteção. Além do site, dicas e orientações também serão propagadas através dos materiais de divulgação da campanha em posts nas redes sociais e vídeos de influenciadores e youtubers sobre o assunto. Escolas que apoiarem a causa terão a logomarca exibida no site da campanha, comunicando a preocupação com a proteção de dados pessoais de seus alunos, professores e colaboradores.