Com a reforma do ensino médio em 2018 vieram várias dúvidas e preocupações, tanto para famílias e alunos quanto para educadores e gestores, sobre as mudanças que ocorreriam no sistema de educação. Ainda hoje algumas questões permanecem pouco nítidas: quais são os aspectos mais importantes dessa reforma e, além disso, o que pode ser feito para que essa adaptação ocorra efetivamente?
Quem responde essas perguntas é Bruna Caruso, que participou da Frente Currículo e Novo EM do Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Educação; contextualizando o assunto, Bruna informa que, apesar da reforma do ensino médio ter chegado no final do ano de 2018, sua construção vinha acontecendo desde 2015. Em 2018, no entanto, se solidificaram as novas diretrizes.
A nova carga horária
Entre as principais mudanças, Bruna cita a nova organização curricular, agora com uma carga horária total de 3.000 horas. “Há uma necessidade de adaptação de muitas escolas para ofertar 3.000 horas no ensino médio, sendo 1.800 horas de formação geral básica, onde nós vamos ter um trabalho com todos os estudantes de forma comum a partir da BNCC, e 1.200 horas no mínimo de itinerários formativos”, explica. O objetivo é nos aproximarmos, cada vez mais, da escola de período integral.
Além disso, outra mudança importante diz respeito ao desenvolvimento de competência e habilidades, que veio com o BNCC. Segundo Bruna, a alteração procura focar em um trabalho “por área de conhecimento, sair de uma lógica de currículo fragmentado, para ter um currículo muito mais articulado com foco no percurso do estudante”; o objetivo seria desenvolver habilidades e competências para o século 21 e tratar de temas “contemporâneos e transversais”. “Tem toda uma mudança para além da arquitetura, um foco pedagógico em algumas premissas que estão postas na BNCC”, explica. “E no que tange os itinerários, no referencial curricular dos itinerários formativos, que também é um documento nacional que orienta as habilidades que precisam ser desenvolvidas no itinerário”.
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O que é o itinerário formativo?
O “itinerário formativo”, tópico muito discutido e sujeito a dúvidas de vários gestores e professores, é mais flexível e permite que o aluno escolha qual caminho vai seguir. “é um conjunto de situações de atividades educativas com o intuito de aprofundar e ampliar o conhecimento”, diz Bruna. “Em vários fóruns que eu tenho participado dizem muito que o itinerário não pode ser um reforço da formação geral básica, ele é uma ampliação de aprendizagem com foco no interesse do estudante, do projeto de vida do estudante”. A especialista conta que, nesse modelo de itinerário, existem “eixos” de habilidades que precisam ser desenvolvidas, como habilidades de investigação científica, processos criativos, mediação e intervenção sociocultural e o empreendedorismo.
Bruna afirma que esses “eixos” podem ser “um excelente fator de integração”: se um estudante escolhe um itinerário de ciências da natureza, por exemplo – já que o itinerário pode ser focado em uma das quatro áreas do conhecimento – os professores de química, física e biologia desse aluno agora vão desenvolver um processo de ensino que possa trabalhar as habilidades de investigação, processo criativo, mediação e empreendedorismo; isso é feito com o objetivo de permitir um trabalho mais integrado. “Eles podem acordar que no primeiro semestre daquele itinerário, por exemplo, eles vão trabalhar o eixo de investigação científica, e aí trazer para o estudante um percurso lógico, narrativo, para que as suas experiências no itinerário façam muito mais sentido e estejam integradas de fato”, exemplifica Bruna.
O novo itinerário, portanto, dá mais poder de escolha aos alunos, e apresenta três possibilidades: um modelo em que o aluno escolhe um caminho (por exemplo, ciências da natureza) e sua trilha fica pronta com todas as matérias e disciplinas organizadas para ele de acordo com essa escolha; um modelo em que o aluno escolhe um caminho e também outras unidades eletivas para compor seu itinerário, fazendo uma trilha aprofundada em um assunto (como ciências da natureza), mas também estudando algumas eletivas de outras áreas; e, por fim, um modelo chamado de “trajetória livre” em que o aluno pode escolher e customizar seu percurso no ensino médio, escolhendo entre várias disciplinas.
Atenção à orientação do conselho de educação de seu estado
É importante, no entanto, ter certeza de qual é a orientação do conselho de educação por território, avisa Bruna. Apesar dos diferentes modelos serem permitidos pela lei nacional, as regras podem variar de acordo com a região, e é necessário checar se sua escola pode fazer um escolha de modelo ou se existe um modelo definido pelo Conselho Estadual de Educação. Bruna cita como exemplo São Paulo: “eles optaram por atribuir 900 horas no itinerário, porque eles estão chamando de aprofundamento curricular, e 450 horas para uma disciplina de projeto de vida, eletivas e tecnologia e inovação”.
Um novo modo de trabalhar as disciplinas
Para exemplificar, também, o funcionamento dos aprofundamentos, Bruna menciona o aprofundamento integrado chamado “Start! Hora do desafio”, de São Paulo, que integra linguagens e matemática; esse itinerário, diz Bruna, foca na resolução de problemas, e junta essas duas disciplinas para criar a trajetória dos estudantes. “Tem aqui pistas do desenvolvimento dos eixos estruturantes: questionar, formular hipóteses, realizar análises, propor soluções, estão no eixo da investigação científica, mas também os processos de criação, no eixo de processos criativos”, explica. ”Então, as habilidades dos dois eixos estão sendo trabalhadas nessas temáticas e nos objetos de conhecimentos que estão na área de matemática e na área de linguagens”.
Quando tudo isso vai acontecer?
O MEC já instituiu o Cronograma Nacional de Implementação do Novo Ensino Médio, o que significa que logo ocorrerá (o prazo é 2022) a implementação do novo referencial curricular para o primeiro ano do ensino médio, e em 2024 o ENEM já será aplicado de acordo com essas novas diretrizes. Bruna conta que vinte estados já enviaram seus currículos para a apreciação do conselho; onze já foram homologados, e sete estados ainda estão no processo de construção curricular.
Dicas para os gestores
Bruna sugere que todos os gestores acessem o currículo de seu estado e comecem a pensar, a partir dele, nos currículos de suas escolas; ou, se não se tratar de uma escola de rede, que checar as normativas do conselho e pensar nas possibilidades da arquitetura de carga horária e de organização do currículo pedagógico.
Além disso, Bruna oferece dicas aos gestores sobre como implementar esse novo sistema de forma efetiva: “o primeiro passo é o conhecimento sobre o novo ensino médio, mobilizar a equipe, ter um estudo bastante aprofundado da base e da proposta do novo ensino médio, entender quais são as necessidades de adequação, tanto do ponto de vista pedagógico, quanto a arquitetura”, diz. “Então, o primeiro passo seria o conhecimento sobre tudo isso que é novo para então ir para um planejamento democrático e participativo, realizar um processo de diagnóstico da capacidade da escola, quais são as capacidades, quais são os professores, o que eu tenho de diagnóstico, escutar efetivamente a comunidade escolar para apoiar nesse processo de reelaboração do currículo e de implementação dessa nova arquitetura”.
Reforça a importância de organizar a ampliação e distribuição da carga horária, pensar na locação dos professores, reelaborar o currículo a partir da base da BNCC e construir propostas de itinerários, inclusive na rede particular. “Tem coisas que são novas, outras não, dá para aproveitar já a expertise da escola, dos professores, mas olhar para esses pontos todos que tem que ser desenvolvidos do ponto de vista de premissa do novo ensino médio, e entender o que nós estamos falando enquanto protagonismo juvenil, sair do senso comum e do discurso e entender na prática como isso se dá” alerta Bruna. “Porque é muito fácil falar sobre protagonismo juvenil, eu atribuo uma responsabilidade para o estudante, e no primeiro momento em que ele erra, eu tomo para mim de volta e tiro o estudante da jogada”.
Por fim, Bruna cita o acompanhamento e avaliação que devem ser realizados: é essencial o processo de estabelecer metas, verificar, consultar a equipe, identificar o que ainda precisa ser um objeto de estudo para formar o grupo e replanejar. “A reforma não vai acontecer do dia para a noite, o processo vai ser incremental, nós temos que estar com bastante segurança para errar, aceitar que nós vamos errar, replanejar, estudar, para conseguir de fato trazer essas mudanças para os nossos estudantes”, diz Bruna. O ciclo para conhecer o novo ensino médio – planejar, formar equipe, acompanhar e avaliar – precisa ser constante.
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