O fechamento das escolas em função da pandemia de COVID-19 gerou um impacto global na educação. Embora a resposta dos governos ao vírus tenha variado bastante, uma coisa é certa: o ensino remoto acentuou as desigualdades sociais. É o que mostra o estudo da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
O estudo realizado no fim de 2020 contou com a participação de professores da Austrália, Canadá, China, França, Alemanha, Japão, Reino Unido e Estados Unidos. Apesar do Brasil não ser incluído na pesquisa, os resultados nos ajudam a compreender o impacto das escolhas de políticas na aprendizagem dos alunos e a traçar caminhos para o futuro.
Quem nos ajuda a fazer essa análise é Cintia Sant’Anna, Diretora Acadêmica da Maple Bear, rede de educação bilíngue canadense. Também educadora, Cíntia tem vasta experiência com projetos de desenvolvimento profissional e estruturação de estratégias educacionais.
Quais foram os impactos da pandemia no aprendizado?
Para avaliar o impacto do ensino remoto no aprendizado dos alunos, os mais de 2.500 professores que participaram da pesquisa da OCDE tiveram que fazer algumas reflexões sobre suas experiências na sala de aula virtual.
Em uma das perguntas, os professores precisavam classificar a eficácia do ensino remoto em relação ao presencial. Para isso, consideraram uma escala de um a dez, sendo um menos eficaz e dez muito efetivo. O resultado está abaixo:
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A maioria dos professores deu notas baixas para a aprendizagem remota, com exceção daqueles da Austrália, Canadá e Alemanha. Como sugere a Diretora Acadêmica da Maple Bear, a percepção dos profissionais variou, principalmente, por questões que vão além da sala de aula, como renda e acessibilidade.
“Acho que a efetividade tem uma conexão muito grande quando estamos falando do ensino remoto, em relação à acessibilidade. Nós sabemos que isso tem uma conexão forte com a questão da renda, sabemos também o impacto que isso gera no engajamento dos alunos, e isso foi reportado também, essa diferença no engajamento”.
Outra informação interessante, destacada por Cintia, é que os professores que lecionavam em escolas com uma renda maior tendem a reportar um maior nível de efetividade, com uma nota média de 6,2. Por outro lado, os profissionais das escolas de menor renda, consideram as aulas virtuais ineficazes, avaliando com uma média de 3,5.
Em outra pergunta, os professores desses oito países precisaram avaliar, em meses, o grau de perda do aprendizado durante o fechamento das escolas. Observe as respostas abaixo:
De modo geral, os professores consideraram que houveram poucas perdas de aprendizado, uma média de 1,9 meses. O Japão, em especial, divergiu dos outros países pelo simples fato de ter retomado as aulas presenciais mais cedo que muitos deles. Além disso, antes mesmo da pandemia, o país já tinha programas de aprendizado extracurricular que perduraram no ensino remoto.
A influência das políticas governamentais
Na época da pesquisa, novembro de 2020, as decisões políticas dos governos acerca da educação variaram bastante. A Austrália e o Japão foram alguns dos países que mantiveram suas escolas fechadas por pouco tempo, mas adotaram o ensino 100% remoto.
Já o Canadá, o Reino Unido e os Estados Unidos, assim como o Brasil, ficaram com as escolas fechadas por um tempo significativo. O modelo de ensino adotado foi diversificado; muitos estados adotaram o ensino remoto, híbrido e presencial, mas com muitas crianças totalmente remotas.
Entre as diversas decisões políticas adotadas, Cintia apresenta uma norma criada pelo Ministério da Educação Ontário que determinou um modelo padrão de ensino remoto para ser seguido por todas as escolas.
Destacamos abaixo alguns pontos do documento:
- Requisitos mínimos para envolver os alunos durante o aprendizado remoto:
Durante o aprendizado remoto, os alunos e pais 3 devem receber uma programação ou horário diário que inclua 300 minutos de oportunidades de aprendizado, com uma combinação de atividades de aprendizado síncronas e assíncronas.
- Requisitos mínimos para aprendizagem síncrona:
A tabela abaixo descreve a quantidade mínima de tempo, por dia, que os alunos, dependendo de sua série, devem receber aprendizagem síncrona como parte de sua aprendizagem programada ou em horário:
- Jardim da infância: 180 minutos
- Graus 1 a 3: 225 minutos
- 4ª a 8ª série: 225 minutos
- 9º ao 12º ano: 225 minutos
- Processo de isenção de aprendizagem síncrona
Para apoiar o acesso significativo à educação, abordagens alternativas de aprendizagem devem ser postas em prática para todos os alunos, por exemplo, instrução por carta, mídia impressa ou transmitida com base nas necessidades e circunstâncias individuais do aluno.
- Protocolos para entrega de aprendizado remoto
Os conselhos escolares devem garantir que o ensino à distância inclua os seguintes elementos:
- Processos de comunicação;
- Avaliação e instrução diferenciada;
- Presença do aluno e segurança;
- Apoio aos alunos com necessidades educacionais especiais.
A experiência da Maple Bear na pandemia
Com sede na cidade de Vancouver, no Canadá, a Maple Bear Global Schools tem foco na educação bilíngue. No Brasil há escolas em todas as regiões, totalizando 145 unidades, que baseadas nas melhores práticas educacionais canadenses e nas regulamentações do Ministério da Educação do Brasil (MEC).
Foram as diretrizes canadenses que deram base para a construção de um modelo de ensino unificado na Maple Bear. Contudo, a Diretora Acadêmica explica que isso aconteceu de forma gradual, com base em erros e acertos.
Logo em março, Cíntia relembra que foram definidas quais salas virtuais seriam utilizadas e como aconteceria a interação com os estudantes. Durante esse momento, as especificidades dos ensino bilíngue também foram consideradas, uma vez que o aprendizado em outra língua exige cuidados especiais com a comunicação.
“Esse foi um primeiro ponto importante para definirmos esse modelo e garantir que essa interatividade [..] como a gente aprende imersos nesse contexto de comunicação real, então, para a gente é mais do que aprender inglês, mas é aprender em inglês”, explica.
Após os aprendizados do primeiro mês de pandemia, iniciou-se um processo de capacitação dos professores. Até o fim do ano, de acordo com Cintia, mais de 100 webinars e workshops foram realizados, principalmente, para estimular entre os profissionais cenários de professional learning communities (Comunidades de Aprendizagem Profissional).
O terceiro momento da Maple Bear teve foco nas ferramentas de avaliação, a fim de mensurar como foi o aprendizado dos estudantes e, consequentemente, dar continuidade àquelas práticas que se mostraram eficazes. Essas avaliações, segundo a diretora acadêmica, acontecem de forma formativa e somativa.
No primeiro caso, a avaliação acontece diariamente, com o professor acompanhando o que o aluno está aprendendo. “Se eu fiz uma atividade de leitura hoje, o que eu espero com essa leitura? Qual é o engajamento que eu vou ter dos meus alunos? […] com isso eu vou fazendo as minhas observações, é um checklist que eu tenho com todos os nomes dos meus alunos, para eu garantir que estou fazendo esse acompanhamento com todos”.
O segundo caso são as avaliações propriamente ditas, isto é, as atividades pontuadas feitas digitalmente ou em material impresso. “O produto pode ser um vídeo que o aluno está fazendo e contando aquela experiência que ele teve ou um vídeo de apresentação de das descobertas que ele fez a partir de um experimento. Isso também é produto e é uma oportunidade para os alunos demonstrarem aprendizagem”, finaliza.
Assista à palestra completa:
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