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Muitas vezes quando pensamos em dados, já vem aquele receio de que é necessário uma análise matemática sobre eles. Especialista em eficácia e gestão de dados escolares, Gustavo Reis explica que entender resultados de aprendizagem vai muito além de números, e sim compreender como seu aluno interage com seu produto.

Atualmente coordenador de performance de produto na Pearson Brasil, Gustavo começou sua trajetória na empresa como editor de materiais didáticos. A chave virou quando ele se tornou especialista em eficácia e passou a olhar com mais atenção para a melhoria de resultado do aluno.

“Começa a olhar um pouco mais para a sala de aula, entender como os materiais eram utilizados pelo professor, entender como é que os professores são formados nos nossos materiais também, todo esse apanhado acaba combinando no setor onde estou hoje, coordenando o que a gente chama de performance de produtos, tanto impressos, como digitais”, explicou o especialista sobre sua trajetória.

Com esse outro olhar, Gustavo conta que passou a observar diversos indicadores como engajamento dos alunos na plataforma, o uso que eles estão tendo dos recursos oferecidos, eventuais falhas, onde o problema está maior, qual que é a página que carrega mais, quais são as trajetórias dentro da plataforma, o fluxo do usuário, onde ele está perdendo mais tempo, onde é que está indo embora, dentre outros. E é isso que ele chamou de resultado de aprendizagem.

O cenário da pandemia ainda gera muita preocupação na comunidade escolar e cria um contexto de incertezas, mas Gustavo Reis garante ser possível se preparar para o futuro por meio de ferramentas e de monitoramentos. Ele exemplifica isso por meio de coleta de dados do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) e até mesmo dados que possam ser coletados internamente na escola.

“Esses indicadores podem contribuir para o cenário de retomada das aulas, sejam elas presenciais ou não. É uma questão diagnóstica que tem haver muito com o monitoramento dessa aprendizagem e a consequente melhoria que a gente pode observar dependendo de como a gente mede”, disse. 

O uso de dados para gestão de resultados de aprendizagem também pode funcionar como um argumento comercial para a escola. A partir do momento em que você usa os dados para entender o grau de aprendizagem de cada aluno e utiliza essas informações para criar métricas para ajudar esse estudante, o gestor e o professor trabalham para que a educação oferecida no colégio ganhe qualidade.

Isso pode ser usado em campanhas de prospecção e de retenção de alunos, pois você consegue demonstrar, com dados, que os alunos obtêm um desempenho melhor na sua escola.

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História das avaliações

O Brasil instituiu o Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica) em 1990 e passou por várias mudanças nesses mais de 30 anos em que é aplicado. A avaliação começou para escola pública de modo amostral para português, matemática, ciências da natureza e redação para os anos ímpares do ensino fundamental. 

Com a reestruturação do BNCC (Base Nacional Comum Curricular), a prova é reformulada e, a partir de 2019 temos o novo Saeb, que aglutina outras três avaliações: ANA (Avaliação Nacional de Alfabetização), Aneb (Avaliação Nacional da Educação Básica) e Anresc (Avaliação Nacional do Rendimento Escolar).

Em 2015, o Ministério da Educação lançou uma plataforma chamada “Devolutivas Pedagógicas”. “A gente tem diversas funcionalidades que permitem tanto ao professor quanto ao gestor entender o que é o aprendizado do aluno, quais são as dificuldades, quais são os pontos fortes e quais são os pontos de melhoria, é uma base muito importante”, explicou Gustavo. 

Gustavo Reis ainda lembra da importância do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), que surgiu em 2007 com o objetivo de permitir o acompanhamento escolar ao longo do tempo. Por meio dele, é possível observar o aprendizado dos alunos brasileiros e são estipuladas algumas metas de evolução para os municípios. O Ideb é aplicado a cada dois anos, sempre nos anos ímpares. 

Clareza nos objetivos

Segundo Gustavo Reis, quando falamos sobre avaliação é preciso saber o que queremos de avaliar e como vamos avaliar, ou seja, é necessário ter clareza dos objetivos.

O especialista afirma que é preciso ser claro, direto e positivo, evitando usar questões como “não é incorreto afirmar que…”.

“Isto não está de fato avaliando a habilidade do que eu quero daquela questão, de repente é uma coisa para confundir o aluno e isto não vai nos ajudar a entender se de fato está aprendendo, se ele entendeu o conceito que aquela questão se propõe a avaliar, então, sempre evitar esse tipo de frases indiretas ou na negativa”, explicou.

Outra dica é sobre as opções de resposta, mantendo um campo fechado que vai permitir ter uma mensuração muito mais rápida e também zero subjetiva sobre cada questão.

“Um exemplo: a pergunta vai ser “nomes dos sobrinhos do tio patinhas?”, teremos a resposta do “Huguinho, Zezinho, e Luizinho”, posso colocar em uma outra alternativa “Cebolinha, Cascão e Mônica”, mas irá ficar muito estranho colocar uma alternativa “Edson Arantes de Nascimento, Ayrton Senna e Gustavo Reis”. Isso não irá nos ajudar a entender qual é o déficit de aprendizagem do aluno naquela pergunta, e isso tem a ver com essas opções de respostas terem os distratores”, disse.

“É importante que essas opções contemplem o erro mais comum que os alunos costumam cometer, isso pode nos ajudar a ter um indicativo de qual falha, de fato, teremos de trabalhar dentro da sala de aula”, completou Gustavo.

Tendo a clareza do que se pretende avaliar, os dados podem dar munição para que o professor entenda se a questão está bem formulada ou se tem grande universo de alunos com dificuldade em um ponto específico, por exemplo. 

Dicas

1) Escalas de proficiência:

O especialista sugere adotar o que chamou de “escalas de proficiência”, com os níveis de desempenho, para ilustrar o que está acontecendo dentro daquela turma. 

“Eu posso estabelecer que se em uma prova de dez questões, o aluno acertar 80% dela, ele está em uma média verde, se ele atingiu 50% a 79% ele está em uma média âmbar verde, se ele atingiu de 10% a 49% ele está média âmbar vermelha e se o mesmo atingiu menos de 10% ele está uma escala vermelha. Isso nos permite quantificar um pouco melhor em que posição eu estou tendo meu grupo de alunos e podemos acompanhar isso ao longo do tempo, estabelecer com uma métrica de melhoria”, explicou.

Para Gustavo Reis, aliar a educação ao uso de dados cria individualidade para cada aluno, possibilitando que o gestor e os professores consigam perceber as deficiências de aprendizagem de cada estudante, podendo traçar objetivos para cada um deles.

“Focar nos problemas pode parecer pessimista, mas é onde nós vamos levantar esses dados para, de fato, melhorar todas as coisas. Temos que ter mente aberta para entender que ver um problema é uma possibilidade de melhoria, isto não é apontar dedo, não é demérito nenhum. Isso é ser assertivo, entender de fato o que acontece e resolver em um tiro só ou com muito mais foco. Isso vai acabar provocando naturalmente uma proximidade maior entre aluno e professor”, garantiu.

2) Pequenas avaliações

Uma outra sugestão de Gustavo é criar um checkpoint durante a aula ao introduzir um novo conceito aos alunos. “Antes de prosseguir para o conceito seguinte, posso fazer uma rápida avaliação de levantar a mão ou utilizando ferramentas como o Kahoot, por exemplo, que tem umas cinco opiniões rapidinhas, muito rapidamente você já tem o resultado da turma como um todo, então, você professor consegue avaliar rapidamente durante a aula”, explicou.

Se as respostas foram satisfatórias, o professor pode prosseguir ou caso perceba que um grande número de alunos não têm o conceito claro, pode retomar a explicação. 

3) Conversando com os pais

Outro ponto abordado por Gustavo Reis é na hora da devolutiva aos pais. “Tem muito pai que vem aqui e fica reclamando que a apostila do aluno está em branco. Esse tipo de dado pode permitir que esse professor vá ao responsável e fale: ‘esse são os resultados do seu filho, nesse ponto aqui ele desempenha bem, o problema dele está aqui, essa página que está está branco, então faz muito mais sentido a gente empenhar o nosso esforço aqui’. Isso pode diminuir bastante discussão”, disse o especialista.

4) Professor novo

Quando um novo professor passa a fazer parte do quadro de funcionários da escola, temos que ter em mente que ele pode ter outra experiência pedagógica. Assim, é interessante bater um papo com esse professor, observar a estratégia dele durante a aula para levantar quais melhorias ele pode adotar, sugerir uma troca de experiência com outros professores, dentre outros.

5) Escola concorrente

Imagine um cenário em que você recebe um grupo de alunos de uma escola concorrente, que usa outros métodos de ensino, e esse grupo teve um desempenho melhor que os alunos que já estavam na minha escola.

“Isso também pode indicar algum caminho e pode nos dar alguns incentivos. De novo, a gente traz essas melhores práticas, investiga o que acontece, desdobra isso para o nosso grupo de alunos e para o nosso grupo de professores, e, então, nós conseguimos melhorar aquela escala de aprendizagem”, disse Gustavo.

6) Comparar internamente

Gustavo Reis também dá outra dica para melhorar o nível de aprendizado usando dados obtidos na própria escola: entender a performance dos alunos que estão a mais ou menos tempo na escola.

“Um exemplo: no ciclo de avaliação do 9° ano, os alunos que estudam na minha escola desde o 1° ano dos anos iniciais performam melhor que os alunos que começaram a estudar na minha escola a partir do 6° ano dos anos finais. Isso pode mostrar que quanto mais tempo o aluno está exposto a um sistema ou a um mesmo material, maior a possibilidade dele performar melhor nos finais dos ciclos”, explicou.

 

Assista a palestra completa:

Como usar dados para medir a aprendizagem?