13 min de leitura

As mudanças decorrentes do cenário da pandemia exigiram muita adaptação, planejamento e criatividade por parte de alunos, famílias e, é claro, das escolas. Mais especificamente, alguns dos profissionais que mais foram desafiados durante esse período foram os gestores escolares – como lidar com a pressão de manter instituições tão importantes funcionando em tempos tão catastróficos?

Adriana Aloise Joaquim é uma dessas profissionais; ela trabalha como Diretora e Mantenedora do IEBURIX (Instituto de Ensino Barão de Mauá), que atua há 45 anos em São Bernardo do Campo fornecendo educação infantil, fundamental e média para alunos dos dois aos 17 anos. Adriana conta que o instituto trabalha por meio do sócio-interacionismo, visando construir uma “aprendizagem significativa” com seus alunos. 

Joice Lopes Leite, por sua vez, é a Diretora de Educação Digital no Colégio Visconde de Porto Seguro – de origem alemã, a escola nasceu em São Paulo há 142 anos e hoje se divide em quatro grandes campus: o campus Morumbi, o campus Panambi, o campus Valinhos (no interior de São Paulo) e o campus Vila Andrade (um projeto social da instituição). O ensino da escola é organizado em três currículos: o currículo brasileiro, o currículo bilíngue alemão e a escola da comunidade. 

A escola atende desde o ensino fundamental até o ensino médio; no caso do currículo bilíngue alemão durante o ensino médio, também prepara em um ano os alunos que queiram realizar o Abitur – exame exigido por toda instituição de ensino superior alemã – para que possam cursar faculdade na Alemanha. Além disso, Joice afirma que o colégio – contando hoje com mais de oito mil alunos e 680 professores – tem um projeto político pedagógico composto por seis grandes competências: conceitos fundamentais, conexões globais, sustentabilidade, inteligência socioemocional, educação digital e idiomas.

Confira também:

Ensino híbrido inovador: como transformar sua escola?

 

Mas como continuar esses projetos e tradições no mundo pós Covid-19, onde a distância pode acabar afetando a educação dos alunos ao se expandir cada vez mais? O ensino híbrido, apesar de ter sido motivo de certas frustrações e preocupações tanto por professores quanto por alunos, foi uma saída necessária nesse período conturbado. Para Adriana, o método se baseia em “atender a criança no momento e no estágio onde ela se encontra”; uma medida imediata utilizando os recursos que temos ao nosso alcance.

Devido ao forte foco tecnológico que o Instituto de Ensino Barão de Mauá sempre teve, diz Adriana, o impacto das mudanças pós pandemia foram suavizados. “Nós já utilizávamos os recursos tecnológicos na confecção de projetos interdisciplinares e pedagógicos”, diz. “Sempre foi com essa finalidade de dar uma aula mais dinâmica e estratégica para o professor utilizar recursos diversos, buscar informações, a internet vir para a sala de aula  como meio de busca, de pesquisa, de interação da criança com o mundo, isso foi feito há muitos anos”.

Desse modo, Adriana garante que entre 2018 e 2019 já estava acontecendo o treinamento especializado dos professores e a implantação das salas virtuais: nessa época os alunos já tinham acesso a esses serviços e já realizavam suas tarefas nos ambientes virtuais. Segundo Adriana, a estrutura já estava pronta.

Joice conta que o Colégio Visconde de Porto Seguro também considera a tecnologia um pilar muito importante da instituição, investindo em recursos inovadores e em infraestrutura. 2019 foi um ano importante para a escola porque um significativo avanço ocorreu nesse sentido: implantou-se a experiência do byod (“bring your own device”, ou seja, “traga seu próprio aparelho”) – a ideia é permitir que os alunos levem para a escola seus próprios dispositivos eletrônicos. 

Junto aos avanços de utilização dos “ambientes de nuvem” alguns anos antes, essa mudança fazia parte da preparação dos alunos, dos professores e de toda a equipe pedagógica para uma “jornada de expansão pedagógica”; essa jornada incluía, além da implantação do byod para alunos a partir do sexto ano, a adoção de um ramo educacional da Microsoft que permitisse mais colaboração neste acordo. “Dávamos do ponto de vista da tecnologia um avanço nesse sentido de infraestrutura, mas também de utilização, de preparação” explica Joice, que também alerta: essas mudanças não acontecem da noite para o dia. Nesse caso, a viabilização desse projeto foi finalmente imposto em março de 2020.

Percebemos quão importante um investimento de longo prazo em recursos é para o futuro de uma escola, que, como temos presenciado, se mostra na maior parte do tempo incerto. E, se a tecnologia já passava a ser cada vez mais valorizada mesmo nos anos antes da pandemia, a chegada a Covid-19 catalisou ainda mais esse processo.

O Instituto Barão de Mauá, por exemplo, realizou, em 2021, uma parceria com a Geekie One – uma plataforma de educação baseada em dados que oferece conteúdo didático e consultoria pedagógica. Ferramentas como esta foram (e são) muito importantes para diminuir a distância entre professor e aluno, criando uma ponte de conexão que é muito benéfica para o aprendizado – mesmo que de forma diferente do modo como fazíamos as coisas antes. 

É claro que, para que aconteça uso efetivo dessas tecnologias, é necessário que todos os envolvidos tenham capacidade de manejá-las. Por isso, Adriana conta que, com o início da pandemia, começaram treinamentos semanais para garantir que os professores conseguissem utilizar os recursos da forma correta. 

Mas logo percebeu-se, ainda, uma necessidade das famílias, que também precisavam de ajuda para lidar com tantas novidades; afinal, “não funciona se a família não estiver junto”, diz Adriana. Então, foi criado pela coordenação e professores da escola um “e-book” direcionado aos pais contendo instruções e dicas sobre como trabalhar com suas crianças em casa para ajudar – junto à escola – no seu desenvolvimento e educação. “Como que a família vai trabalhar se ela não tiver o mínimo de conhecimento para poder acessar as ferramentas e através dos recursos tecnológicos nos ajudaram na atuação dos professores em sala de aula?”, questiona Adriana. “Porque a professora vai se preparar com diversos recursos e vai precisar de um mediador, quanto menor a criança, maior a necessidade do mediador, que é a família obviamente”. 

De acordo com Adriana, esse se mostrou um importantíssimo ganho na área da educação; isso porque resultou em um grande estímulo para uma maior participação da família na vida escolar dos alunos. “A família começou a verificar, a participar, atuar junto aos seus filhos e entender que eles precisam de ajuda” reflete. “Anteriormente eles não entendiam isso, talvez por falta de tecnologia eles não tivessem meios para isso”. Essa aproximação pode não só ser benéfica para o aprendizado do aluno, mas tem potencial para criar mais empatia entre pais e filhos. Se, por um lado, a convivência e a socialização fazem falta e são insubstituíveis, por outro é possível perceber – e, então, aproveitar – novos tipos de conexões como esta. 

Até hoje o Instituto Barão de Mauá realiza aulas online diariamente, nunca tendo adotado o sistema de gravar vídeos e enviá-los aos alunos. Após a criação do “e-book” de apoio, alunos e famílias tiveram sucesso nas interações virtuais e o conteúdo foi ensinado sem problemas. “Foi um processo incrível, as famílias ficaram encantadas de perceberem, participarem e acompanharem” relata Adriana. Para a diretora, o ideal teria sido que essa participação da família tivesse sido presente também há anos atrás, mas os avanços tecnológicos só passaram a permitir esse tipo de coisa recentemente. 

Em conjunto com as aulas online, o instituto também possui alguns grupos de crianças retornando de fato à escola, de acordo com as preferências de cada família ou por meio do revezamento dos estudantes mais jovens. Com o trabalho online e ao vivo, é possível que as turmas – tanto presentes fisicamente ou virtuais- e famílias acompanhem as aulas ao mesmo tempo. As avaliações também têm ocorrido normalmente por meio dos recursos adotados pela escola e utilizados pelos alunos. “As avaliações foram todas certificadas, nós não deixamos de aplicar nenhuma” confirma Adriana.

O Colégio Visconde de Porto Seguro também está realizando aulas síncronas no momento. Segundo Joice, no início as salas de aulas foram transformadas em “mini estúdios”, e um grupo serviu de “piloto” para observar como seriam as novas dinâmicas nesse cenário. A escola passou, então, por um momento de “transição de metodologia” e de “adoção de novas tecnologias”: “Quando conceitualmente falamos de ensino híbrido não é necessariamente essa transmissão das aulas remotas, também não é um ensino EAD, mas é uma mistura de estratégias pedagógicas e digitais para que pudéssemos dar continuidade na escola” explica Joice. 

Portanto, o ensino híbrido, mais do que uma receita pronta, se refere às condições e necessidades de cada instituição, e pode abranger conjuntos diferentes de ideias, soluções e recursos. Desse modo, essa transição foi delicadamente pensada e programada pela equipe escolar do Colégio Visconde de Porto Seguro para adequar o ensino a todos os alunos, dos mais novos aos mais velhos – cada grupo exigindo, às vezes, medidas drasticamente diferentes. “Esse foi um exercício que passamos a fazer constantemente de adequações, sejam elas de tecnologias, metodológicas, de formação dos professores para esses novos formatos metodológicos de ensino e aprendizado” diz Joice.

Além da maior participação da família na vida escolar dos filhos, isso tudo também culminou em uma perceptível evolução tanto dos educadores quanto dos alunos. “Foi um período em que houve um crescimento muito grande por parte dos professores, porque o treinamento, o investimento e a capacitação foram enormes” conta Adriana. “Tiveram que se inovar, tiveram que se reinventar, foi um processo que estiveram bem expostos”. 

Joice revela que ano passado sua escola realizou 365 formações online de professores – todas por meio da plataforma Microsoft do Teams – e produziu mais de quatro mil certificados. O colégio já possuía um projeto de “ciclo de formação pelas TDICs” (tecnologias digitais de informação e comunicação), mas com a pandemia a necessidade mais especialização ficou clara, exigindo novas práticas. “Nesse sentido de adequar as práticas e também aprimorar a sua fluência digital esse foi um trabalho bastante significativo e também bastante participativo” diz a educadora. “Tivemos que quebrar muitas crenças, muitos paradigmas que nós tínhamos com relação ao uso das tecnologias, sejam elas na sala de aula presencial, sejam elas fora da sala de aula”.

A boa notícia, de acordo com Joice, é que o famoso medo da ideia de que os computadores “tomariam o lugar dos professores” foi praticamente desmentido. A situação, apesar de desafiadora, ironicamente confirmou quão importante e resiliente a conexão entre estudantes e professores é. “Na verdade as crianças e nós todos estamos mais imersos do que nunca” fala Joice.

Adriana ressalta que os alunos, por sua vez, também tiveram que aumentar suas interações com a escola para vencer as dificuldades da distância – recursos como a gamificação, implantados por causa do cenário anormal, se mostraram úteis para incentivar o interesse, a motivação e até mesmo a responsabilidade das crianças.

Mas como garantir resultados tão positivos também em outras escolas? As gestoras citam as melhores práticas que adotaram durante esse período.

Para Adriana, um desses métodos foi a filosofia da gamificação; “não no sentido do jogo, mas no sentido da lógica, do raciocínio, de levar o aluno a compreender todo o processo de formação da questão para levar ao aprendizado”, salienta. Os recursos e ferramentas tecnológicas também ajudaram muito os professores a inovar no ensino, especificamente a inteligência artificial utilizada a partir do sexto ano até o ensino médio no Instituto de Ensino Barão de Mauá. Com ela, foi possível medir o aprendizado dos alunos de acordo com habilidades e competências; assim, se há deficiência em alguma categoria, o professor pode facilmente perceber esse problema e agir para ajudar o aluno a assimilar de fato o conteúdo que me mostrou desafiador.

Na visão de Joice, o que realmente mudou foi a infraestrutura, a localização de professor e aluno, o que resultou na adoção do movimento híbrido – parte dos alunos estão na escola, parte dos alunos em casa, parte dos professores na escola, parte dos professores em casa. Mas Joice lembra que esse movimento não é simples, e deixa a dica: as estratégias vão muito além disso – para que dê certo, é preciso cultivar uma boa relação de escuta entre professor, aluno e família. O Colégio Visconde de Porto Seguro está agora expandindo um sistema de comitês de alunos e comitês de pais para garantir esse processo de escuta.

Joice também reforça a importância da formação dos professores – investindo na formação de  “um espaço honesto, no sentido de adequação dos horários e de tempo para que esse professor aprenda” – e do sistema byod, que permite uma “liberdade de interação e de experimentação de vários recursos e possibilidades”.

Ambas as educadoras concordam que essa evolução do processo de educação não tem a tendência de regredir, e sim de se aperfeiçoar: não se substitui a interação pessoal, já que a socialização também é elemento importante da tarefa da escola com a sociedade – mas de acordo com nossas necessidades, o ensino híbrido é promissor em relação a recursos e até para o desenvolvimento mais individualizado do aluno. Se fizermos uso dessas novidades com sabedoria, várias possibilidades se apresentarão de forma que nem imaginávamos antes. “Acho que fica muito claro para o ensino básico, pelo menos lá na escola, de que podemos aproveitar melhor o nosso tempo presencial”, pensa Joice. 

É importante, então, utilizar ferramentas e tecnologias de forma crítica e bem pensada para aproveitar o máximo de seus benefícios. Afinal, essas ferramentas são aliadas da educação, lembra Adriana, e chegaram para permitir que educadores se conectem com os alunos da melhor maneira possível. Se aprendermos a ter mais consciência da educação, a escola – inclusive a presencial – pode sair dessa situação fortalecida. 

Assista a palestra completa:

Bate papo com gestores: experiências de sucesso com o ensino híbrido