12 min de leitura

A eficiência do modelo de aprendizagem convencional, em que o professor repassa um conteúdo pronto para os alunos, vem sendo questionada por instituições de ensino ao redor do mundo. Elas defendem que, frente ao contexto do século XXI, o aprendizado ganha mais relevância quando se volta ao aluno como protagonista do processo. 

E sair da sala de aula tradicional, convidando crianças e jovens a “colocarem a mão na massa”, tem sido uma das alternativas para contribuir com o desenvolvimento da autonomia dos estudantes.  

Nesse sentido, algumas escolas, inspiradas no movimento maker na educação, estão investindo na criação dos chamados “Espaços Makers“. Baseado no conceito “faça você mesmo”, esses locais utilizam ferramentas manuais, digitais ou eletrônicas para despertar o interesse dos alunos no desenvolvimento de habilidades que vão contribuir para a uma formação mais completa e mais alinhada às demandas contemporâneas.

Diferencial

No Colégio Elvira Brandão, de São Paulo, o “Movimento Maker” já pode ser considerado como um dos pilares da sua metodologia de ensino. O Movimento começou no colégio há dois anos, através dos  projetos desenvolvidos no L@b Criativo – nome que deram ao Espaço Maker da escola. No início, as atividades no local eram realizadas com o auxílio de parceiros externos e destinadas apenas aos alunos do ensino integral.

L@b Criativo – o Espaço Maker do Colégio Elvira Brandão

“Acreditamos nas competências desenvolvidas nesse tipo de trabalho e ele está no plano de ação dos professores desde o infantil até o Ensino Médio”, afirma Adriana Cruz, coordenadora de Tecnologia.

O trabalho de ampliação aconteceu em  2017, quando a equipe do Nave à Vela – Startup que há quatro anos implementa espaços e dinâmicas Makers nas escolas -, foi chamada para iniciar a capacitação dos professores e auxiliar na inclusão do currículo Maker na grade dos alunos do 2º ao 5º ano do Ensino Fundamental. Este ano, a grade dos alunos do 6º ao 9º ano também já inclui programas no L@b Criativo.

Adriana conta que os projetos desenvolvidos em parceria com a Nave à Vela são programados de acordo com a faixa etária dos alunos. Os estudantes do 2º ano, por exemplo, estão desenvolvendo atualmente circuitos elétricos, já os jovens do Ensino Médio usam o local para trabalhos de prototipagem.

Segundo a coordenadora, o Espaço Maker já é visto pelos pais dos atuais estudantes e por potenciais clientes como um diferencial competitivo da escola frente a sua concorrência.

“O trabalho em grupo, a colaboração, o letramento tecnológico, a resolução criativa de problemas, tudo isso que envolve os projetos no Maker despertam a atenção dos pais e também do mercado de trabalho”, diz.

Trabalho das alunas no L@b Criativo

Impacto na economia

Uma das características mais marcantes das novas gerações é dispor de um DNA criativo e empreendedor. Nascidos na era da chamada “economia criativa”, os estudantes de hoje precisam estar preparados para atuar em um cenário que exige um pensamento crítico com relação aos padrões de consumo, reinventando mercados e deixando-os cada vez mais sustentáveis. 

E para alguns especialistas, como o consultor e colunista de tecnologia da Revista Time, o norte-americano Tim Bajarin, o “Movimento Maker” tem o potencial de transformar os cidadãos de meros consumidores, em criadores.

“Escolas que desenvolvem projetos formam cidadãos mais ativos – o que é bem mais importante do que buscar formar para um mercado de trabalho, cujo perfil nenhum de nós sabe como será nos próximos anos”, afirma Luca Rischbieter, consultor pedagógico da Positivo Tecnologia Educacional.

“Além de usar este espaço como ferramenta pedagógica dentro dos conteúdos tradicionais, a gente está muito interessado em como usar essa lógica de projetos e de protagonismo, para desenvolver o que a gente chama de competências ligadas à inovação, que não apenas são usadas no design e na eletrônica, mas podem ser úteis em qualquer profissão”, destaca Lucas Torres, do Nave à Vela.

Dentro desta proposta, além de ajudar na construção do Espaço Maker, a Startup fundada por ele desenvolve para as escolas um programa curricular visando seu melhor aproveitamento. Segundo Torres, os projetos “mão na massa” da Nave são multidisciplinares e podem ser aplicados no contexto de ensino baseado em projetos, a partir do uso de ferramentas manuais, componentes de eletrônica, impressoras 3D e outras máquinas de fabricação digital que permitem ao aluno construir e dar vida às suas invenções.

O espaço mais popular da escola

Acompanhando o movimento de preparar os alunos para Nova Economia, a Escola Israelita Brasileira Eliezer Steinbarg – Max Nordau, o Eliezer Max, do Rio de Janeiro, começou seu Espaço Maker temporário há dois anos, após conhecer o trabalho do professor Paulo Blikstein, um dos primeiros a difundir o Movimento Maker nas escolas brasileiras.

No início, os trabalhos no local eram oferecidos como atividades eletivas feitas no contraturno das aulas. Porém, com o passar do tempo, o colégio sentiu a necessidade de elaborar um currículo próprio para o Espaço. A ideia era estruturá-lo de tal forma que  não fosse tido apenas como uma oficina de robótica ou um espaço lúdico, mas sim que houvesse ali construção de competências e habilidades multifuncionais, conforme explica a coordenadora de Tecnologia da instituição, Mariana Ochs.

Desta forma, buscaram a assessoria do Nave À Vela para que o espaço se tornasse definitivo, equipado, e que, principalmente, tivesse valia como conteúdo curricular. “O que nos deixou muito encantados foi esse trabalho muito estruturado na construção do currículo”, explica Mariana.

Em fevereiro deste ano, o colégio inaugurou seu Espaço Maker permanente, projetado inicialmente para atender a grade regular dentro da disciplina de Tecnologias Criativas dos alunos do 4º ao 7º ano do Ensino Fundamental. “Mas está acontecendo uma coisa fenomenal, que é o encanto dos outros professores de várias disciplinas, que estão enxergando outras possibilidades de uso daquele espaço”, revela. Assim, foi preciso adaptar o espaço para ofertá-lo aos docentes de outros anos que começaram a usar o local para desenvolver projetos pontuais em variadas disciplinas.  

Hoje, tanto alunos da Educação Infantil quanto de outros anos do Ensino Fundamental, conseguem usar a impressão 3D das articulações da mão, por exemplo, nas aulas de Biologia ou montar estruturas cinéticas para a aula de Artes.

“O espaço virou o mais popular da escola no recreio. Franqueamos o laboratório para o uso espontâneo das crianças, com supervisão dos professores e as crianças passam o tempo todo do intervalo lá pesquisando, desenvolvendo projetos e construindo coisas”, relata Mariana.

 

Fazer com as próprias mãos, até na Matemática

Há seis anos, ao buscar uma solução para melhorar o desempenho dos alunos em matemática, o coordenador pedagógico do Ensino Médio do Instituto Educacional Crescer, de Campinas, o Anderson Baptista Gama, decidiu apostar na criação de um Espaço Maker. Ele conta que, após realizarem avaliações externas sobre o ensino de matemática na instituição, o resultado foi abaixo do que esperavam.

“Aí que fomos entender que o principal motivo o principal era a mecanização do ensino. O aluno foi ensinado a pensar de um jeito único e temos de dar a ele a possibilidade de ter várias maneiras de pensar. Daí veio a ideia do ‘Pense Matemática’ – nome que demos ao nosso Espaço Maker. Depois dele vieram outros movimentos de ensino e outras dinâmicas”, explica.

Após do sucesso da sala especializada em matemática, feita com o suporte da Positivo Tecnologia Educacional, o Crescer inaugurou este ano, a “Innovation Room”, voltada para o ensino de robótica.

Segundo Gama, as atividades do espaço “Pense Matemática” são voltadas aos estudantes do Ensino Fundamental ao Ensino Médio e acontecem uma vez por semana, sempre envolvendo um desafio que coloca o aluno como protagonista. A partir do uso de materiais concretos, recursos interativos, ambiente online e aplicativos, os estudantes montam e resolvem problemas em diferentes formatos fazendo o uso de códigos, produzindo mídias, criando jogos ou sistema de blocos, entre outros.

Já o Innovation Room é usado pelos alunos do Ensino Médio, que possuem em seus currículos regulares aulas de robótica, duas vezes por semana. O espaço serve também como escritório do “Time de Robótica”, que participa de competições em todo país, representando o colégio.

“Os alunos gostam muito dos dois ambientes. Quando as aulas desses dois espaços caem em um feriado, há o pedido formal para que as aulas sejam repostas, o que não acontece com nenhuma outra disciplina”, comenta o coordenador, que trabalha para estender os espaços para todos os níveis de ensino.

 

Como fazer um Espaço Maker na minha escola?

Para Lucas Torres, da Nave à Vela, a montagem de um Espaço Maker na escola precisa ser pensada em uma perspectiva a médio/longo prazo. Isso porque, além do local físico, é necessário criar uma cultura interna que desperte nos alunos e na equipe a valorização pela busca de novos formatos e novas competências. 

E isso requer um projeto sólido do que se pretende fazer nesse espaço. Assim, além de equipar a sala com ferramentas, montar um plano pedagógico de acordo com a faixa etária dos alunos e capacitar os professores é fundamental para não fazer do Espaço Maker apenas um “lugar divertido”.

Muito embora exista uma crença de que é necessário ter equipamentos caros e grandes projetos de modelagem para criar um Espaço Maker, ferramentas simples como serrotes, martelos, pregos, pedaços de madeira, de tecido e de plástico e material reciclável, por exemplo, já são suficientes para criar atividades em locais de “it yourself”.

Se a instituição possuir um orçamento mais elaborado pode investir na compra de notebooks, tablets, softwares de programação, projetos e soluções de robótica, impressora 3D, cortadoras a laser, entre outros.

O Espaço Maker pode ser utilizado desde a Educação Infantil até o Ensino Médio, porém cada faixa etária deve ser um projeto específico – daí a importância de contar com a assessoria de uma empresa especializada na hora de montar esse Espaço.

Segundo Torres, o ideal para a Educação Infantil e para Ensino Fundamental I é realizar atividades que tenham caráter lúdico, no melhor estilo “Professor Pardal”, construindo, por exemplo, uma roda gigante com palitos de churrasco que gira usando motor de carrinho, ou monstros luminosos feitos de massinha e led.

No Fundamental II e Ensino Médio, o Espaço é mais indicado para o desenvolvimento de projetos ligados às temáticas do mundo real, criando soluções para problemas e desafios usando processos de design, robótica e empreendedorismo. Como exemplos, ele cita os projetos de programação com arduino – uma plataforma de prototipagem eletrônica de hardware livre e placa única – utilizados em robótica, ou o uso das impressoras 3D e máquinas de corte a laser que permitem a criação de protótipos variados.

Nem moda, nem solução, uma possibilidade de inovação

Uma das maiores dúvidas dos gestores na hora de decidir se implementam ou não um Espaço Maker dentro da sua instituição é garantir que ele não seja uma “moda passageira”. Acostumados a verem centenas de tendências surgirem e irem embora do mercado com grande frequência, a preocupação deles é que esses locais possam não se sustentar ao longo do tempo.

Esse receio é desconstruído quando se ouve a opinião de quem vivencia o uso dos Espaços Makers na prática.

“A educação mão na massa e criativa é para onde a educação deve caminhar. Tudo isso tem como objetivo colocar o aluno como protagonista do seu percurso de construção do conhecimento e dar a ele a possibilidade de lidar com problemas reais, de construir coisas que vão ter impacto real sobre seu entorno, que possa se expressar e que seja ativo dentro de uma sociedade tecnológica e conectada”, pontua Mariana Ochs, coordenadora da Escola Israelita Brasileira Eliezer Steinbarg – Max Nordau.

Para o coordenador pedagógico do Ensino Médio do Instituto Educacional Crescer, o Anderson Baptista Gama, as escolas precisam romper com a ideia de que o aluno tem de estar sentado na sala de aula “batendo continência” para o professor.

“A gente já percebeu que respeito e autoridade não vêm da imposição da hierarquia, mas do respeito que o aluno tem pelo conhecimento. Tudo evoluiu nos últimos 100 anos, menos a educação. Os computadores são melhores, os aviões são melhores, muitas coisas foram descobertas. Agora, se você pegar uma foto de uma sala de 2018 e compará-la com uma de 1918, elas serão praticamente iguais. Acho que não é a questão de estar dando certo ou não, não é porque funciona que não pode ser melhor”, defende.

Além disso, os espaços makers também estão diretamente ligados à infraestrutura da escola. Saiba como ela pode influenciar no aprendizado dos alunos e como explorá-la.