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Muito antes da pandemia, a escola já era vista como uma extensão da casa e o isolamento social fez disso uma realidade. Assim, a casa virou o ambiente de trabalho/estudos, como consequência, essa transformação no ambiente não só limitou o contato pessoal, como também trouxe à tona questões emocionais delicadas, como o luto, o medo e a ansiedade.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) prevê, a longo prazo, um aumento no número os problemas de saúde mental em todo o mundo. Diante desse cenário, na volta às aulas, os líderes escolares serão mais uma vez desafiados e terão que adotar novas posturas, principalmente em relação à saúde mental dos alunos e professores.

“Olhar para o socioemocional deixou de ser uma opção e passou a ser uma urgência. Porque olhar para o socioemocional de todo mundo precisa acontecer, para que a gente consiga lidar com tudo isso que está chegando na escola, e que nesse retorno vai chegar de uma forma muito mais intensa”, comenta Renata Melo, psicopedagoga e sócia-fundadora da Ludie.

Como explica a psicopedagoga, esse cuidado emergencial se dá pela falta de alfabetização emocional no passado. A geração passada, que contempla a maioria dos professores, coordenadores e pais, não foi preparada para lidar com a próprias emoções e, agora, se veem na iminência de gerenciar e lidar também com as emoções dos alunos.

 

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Caminhos para um novo modelo de educação

Na teoria, é bem evidente a necessidade desse cuidado emocional, mas na prática, como isso pode ser feito? Antes de tudo, é necessário entender que não há fórmula mágica, o referencial de escola que tínhamos até início de março se perdeu, então, agora, é a chance de reescrever um novo modelo.

Renata aponta três caminhos para se pensar em um novo modelo educacional pós-pandemia: 

1º – Aprender com o outro

O aprender com o outro é um princípio adotado por Tião Rocha, educador popular, antropólogo e folclorista brasileiro, que se define como um aprendiz. Renata se apropria dessa expressão para esclarecer que esse aprendizado contempla o ser em toda a sua integridade, inclusive seu repertório emocional, que é a origem para suas ações.

“O meu repertório emocional compõe aquilo que eu tenho para levar, aquilo que eu tenho para entregar. Quando eu olho para esse humano, eu consigo entender as individualidades, potencialidades e dificuldades de cada integrante da realidade que eu estou vivendo, dessa comunidade toda que chamamos de comunidade escolar”.

 

2º – Expandir aprendizagens

Para entender melhor esse comportamento humano, Renata aconselha aos gestores recorrer à psicologia e à neurociência, duas áreas que oferecem muitas contribuições para educação. A partir delas, é possível ter uma olhar mais atento e humano às situações que podem passar despercebidas, por exemplo, um aluno participativo que está quieto.

“Percebemos que comportamento é o produto final de uma construção emocional. Quero dizer que o comportamento não é causa, é consequência, é o produto final daquilo que estou sentindo […] Então, o comportamento dos meus alunos é fruto de alguma coisa para a qual não temos o hábito de olhar, o que aconteceu com esse aluno para que ele tivesse esse comportamento? O que essa criança está sentindo? O que ela viveu?”.

Já a neurociência traz contribuições importantes sobre o aprendizado, que tem uma relação direta com as emoções. Dra. Gabi Murteira, médica pediatra, explica que o estresse tóxico, que pode ser causado pela falta de interações, afeta determinadas áreas do cérebro, e se uma dessa áreas for relacionada à memória, por exemplo, pode gerar um déficit de aprendizagem na criança ou adolescente.

 

3º – Gerar conexão

Manter conexões, não é benefício apenas para as crianças, afinal, como seres sociais, todos nós temos a necessidade de se relacionar com outras pessoas. É essa necessidade que nos fazer desenvolver vínculos com familiares e colegas de trabalho. 

Nesse momento de retorno das aulas, estabelecer ligações emocionais é de extrema importância. Para mostrar a relevância dessas conexões, Renata sugere, em um momento de contato com o aluno, fazer uma pergunta ou uma interação e olhar nos olhos dele enquanto responde. Essa experiência nada mais é que “rapport”, um conceito da psicologia que designa a técnica de criar relacionados a partir da empatia.

 

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Como reabastecer emocionalmente a equipe escolar

Com a necessidade de adaptação emergencial ao ensino mediado pela tecnologia, os professores estão enfrentando novos desafios, por exemplo, construir aulas interessantes, manter alunos engajados e lidar com as nuances do home office. Da mesma forma que emoções negativas podem comprometer o aprendizado dos estudantes, situações de estresse e ansiedade também afetam o trabalho desses profissionais. 

Novamente falando de educação emocional, se não há uma equipe reabastecida emocionalmente, isto é, que saiba gerenciar suas emoções e sentimentos, consequentemente, não é possível acolher aos alunos e seus familiares no volta às aulas. 

Mas como fazer isso?  Uma das dicas de Renata é a construção de espaços de troca e de escuta no ambiente escolar, como uma rede colaborativa que todos possam falar e ser ouvidos. Mas, além disso, também pode ser incentivado uma rotina de autocuidado e autorresponsabilidade, por exemplo, definir horários para se alimentar e descansar, praticar atividades físicas e dedicar momentos para lazer.

“A gente não precisa carregar o fardo ou o desafio sozinho, mas a gente tem que desenhar estratégias para lidar com esses desafios, como? Dando um passo de cada vez, não adianta eu mirar lá no topo, eu preciso olhar degrau a degrau, porque aí eu entro em desafios que estão dentro das minhas possibilidades”, aconselha a psicopedagoga.

 

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