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Junto com a escola, a família tem papel fundamental no processo educacional das crianças, uma parceria construtiva e até fundamentada na Constituição Federal, em seu artigo 205: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

Na maioria das sociedades ocidentais, a participação desses atores sempre foi bem definida. Enquanto a escola é responsável pelo ensino de conteúdos específicos das diversas áreas de saber, a família atua de forma mais ativa na construção de valores sociais e competência socioemocionais, como gentileza, respeito e empatia.

 

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Mas, em função da pandemia, tudo mudou. A adoção emergencial do ensino remoto fez com que gestores, professores, alunos e pais se reinventassem, tanto na forma de ensinar quanto na forma de aprender. Inevitavelmente, essa situação provocou mudanças profundas na comunicação e no relacionamento de toda a comunidade escolar.

De imediato, a escola criou uma grande expectativa em relação aos professores para o ensino remoto. Mas será que eles estavam preparados? De acordo com os dados do  Diagnóstico Nacional da Educação, feito pelo Escolas Exponenciais, não!

O estudo feito durante a pandemia, com mais de 11 mil famílias e 4 mil professores de cerca de 300 escolas particulares brasileiras, identificou que 70,3% dos professores possuíam pouco ou nenhum conhecimento das ferramentas necessárias para as aulas online. Aqui temos o primeiro indicativo de relação conflituosa. 

Outra relação que se cruza é a dos professor com as famílias. Antes eram os alunos que assistiam às aulas, mas, agora, os pais também assistem a essas aulas de casa. Diante dessa situação, Juliana Shams, engenheira mestre em ciências, enxerga o surgimento de mais uma problemática: os pais que vestiram a camisa de professores, e esqueceram-se de serem pais, assumindo um papel que não é deles.

“A gente começa a perceber nesse contexto todo que as relações que eram fortes, se tornam mais fortes ainda, e aquelas que estavam um pouco abaladas, enfraquecidas, se tornam muito desafiantes e conflitantes. A gente começa a se ver em um cenário muito desafiador.”

Paradigma problema-solução

As situações que descrevemos até aqui, isto é, as mudanças de papéis e as relações conflituosas são problemas que podem e devem ser solucionados a partir de uma perspectiva coletiva. De acordo com Mary Aune, cientista política com mestrado em desenvolvimento social, isso se enquadra no paradigma problema-solução, que é justamente notar a existência de um problema e buscar solução para ele.

Trazendo o exemplo dos professores que, em alguns casos, não se sentem capacitados para as aulas remotas, a escola pode trazer como solução a oferta de cursos online. Já para lidar com a falta de participação dos alunos durante as aulas online, Mary propõe o uso obrigatório da câmera e do microfone. 

Entretanto, para cada uma das alternativas apontadas, esbarramos em novos problemas. Mary explica que a oferta de cursos online pode causar uma sobrecarga nos professores, pois eles dedicam boa parte do seu tempo para construção das aulas. Já o uso obrigatório da câmera e do microfone por parte dos alunos pode ser encarado como uma vigilância excessiva, remetendo a uma perspectiva do “vigiar e punir”, de Michel Foucault.

 

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Então como pensar em soluções para os problemas de relacionados decorrentes da pandemia? “A educação depende do envolvimento de todos esses protagonistas, enquanto algum deles fica de fora desse processo, se sentir apartado ou não participando desse processo [..] a gente não consegue avançar”, comenta Juliana.

A construção de relações construtivas se faz, justamente, por meio do envolvimento de toda a comunidade escolar. Para sair das análises superficiais, partindo para uma avaliação dos problemas de forma mais profunda, Mary apresenta como solução uma abordagem utilizada dentro do ambiente de gestão organizacional, que níveis de cultura criados pelo psicólogo social Edgar Schein. 

O conceito desenvolvido por Edgard baseia-se na ideia de que a cultura organizacional está subdividida em três níveis: artefatos (fatores visíveis), normas e valores e princípios adjacentes (fatores invisíveis). Para  mostrar como esse conceito se aplica ao contexto educacional, a cientista política faz uma analogia com o iceberg suas camadas.

“Os artefatos são as coisas que a gente consegue ver, os problemas que a gente visualiza, a falta do espaço físico da escola, a falta do dinheiro para pagar a mensalidade cara […] o segundo, que são os nossos valores ou as nossas crenças, é o que se reflete em termos de estratégias, de metas, objetivos, nossas filosofias [..] se a gente quiser, realmente, fazer um alto impacto na nossa cultura que vai gerar resultados, a gente precisa ir para os valores humanos mais profundos, que é aquilo que dá base para nossas convicções, que são os princípios adjacentes”.

 

Será que estamos em trincheiras opostas?

É fato que os conflitos são inerentes à vida humana, afinal, somos seres diferentes, com princípios e valores também diferentes. Mas, nem por isso, precisamos conviver em trincheiras opostas. 

“Essa questão de defesa da escola como sendo um lugar de ensino, e esse papel não é da família, a gente pode não acreditar nisso, mas será que a gente não está reproduzindo isso até certo ponto? Será que a escola é a detentora única do conhecimento?”, questiona Mary.

Trazendo novamente a analogia do iceberg, Juliana comenta que por não ter uma visão profunda do problema, o que é bem comum, uma das partes pode ser tomada por um sentimento de individualismo. Se um pai, por exemplo, com problemas financeiros ou por qualquer outro motivo, cogita tirar seu filho da escola, no futuro bem próximo, ele pode não encontrá-la mais lá. 

Então, precisamos reforçar, mais uma vez que relação entre escola e família deve ser de parceria, uma vez que existe uma interdependência entre as partes. É com o espírito de coletivismo que vamos lidar com esses problemas acentuados pela pandemia e, consequentemente, fortalecer as relações no ambiente escolar. 

 

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