9 min de leitura

Gerenciar conflitos na interação com pais e alunos tem sido um dos grandes desafios enfrentados pelas escolas, em plena “Era da Informação”. Com tantos meios e canais disponíveis e inúmeras informações circulando por eles ao mesmo tempo, não são raras as contendas envolvendo os colégios e as famílias decorrentes, muitas vezes, de pequenas falhas ou ruídos na comunicação. Um simples erro ao informar o horário de uma atividade extra classe, ou a falta de clareza para o critério de escolha de bolsistas, por exemplo, pode ocasionar um desgaste na relação de credibilidade que a instituição de ensino constrói ao longo do tempo com pais e estudantes. Mas, quais seriam os caminhos para evitar esse tipo de situação? E quando ela acontece, como as escolas podem transformar os embates com as famílias em oportunidades de reafirmar seus valores?

 

Cliente tem sempre razão?

Em debate sobre o tema no “ClassUP – Escolas Exponenciais”, Clayton Dick, CEO e fundador do Redação Nota 1000, afirmou que uma das saídas para se proteger dos conflitos e saber se posicionar é substituir a cultura de que “o cliente tem sempre razão” por uma cultura de “atendimento ao cliente”.

Ele explica a diferença entre as duas citando que, a exemplo de um hospital, que muito embora pode se destacar pelo atendimento zeloso ou pela excelente hotelaria, deve estar a serviço de sua missão maior, ligada à saúde do paciente. Nesse sentido, apesar de querer agradar seu cliente, uma unidade hospitalar não pode negociar regras, por exemplo, que violem aspectos da vigilância sanitária. Da mesma forma, a escola deve definir suas prioridades e os valores que serão suas raízes daqueles que podem ser suavizados e ajustados.

“Para fazer isso, é preciso separar o que é o coração, o que consegue e pode flexibilizar. E a outra parte que é sua razão de ser, que funciona de um determinado jeito e não deve mudar”, comentou.

 

Caminhos

Além da transparência nos valores da instituição, um alinhamento preciso na comunicação, de forma a torná-la assertiva e coerente entre todos os atores sociais envolvidos, também é apontado por alguns gestores escolares como caminhos eficientes para solução de impasses.

No Colégio Notre Dame, de Campinas (SP), por exemplo, para fazer fluir o relacionamento escola-família a aposta foi investir em uma gestão compartilhada, empoderando toda a equipe a agir, sempre em consonância com o DNA da instituição.

Para o diretor pedagógico do Colégio, Lorenço Jungklaus, ao saber que existe uma linha de coerência entre o projeto da escola e suas ações cotidianas, pais e alunos percebem que podem confiar na instituição e ficam mais seguros para dialogar e para compreender pontos onde possam haver atritos de opinião ou de posicionamento.

“Uma das preocupações da nossa equipe é que todo início de ano tenhamos contato com as famílias, para retomar os fundamentos e princípios do nosso projeto educativo e, assim, eles terem clareza de onde matricularam seus filhos. Saber o que esperar de nós, minimiza a gestão dos conflitos”, apontou.

Além disso, diminuir os hiatos na comunicação também é apontado pelo diretor como um dos caminhos centrais para se alinhar com as famílias. Na interação diária, por exemplo, ele reforça que é preciso se certificar não apenas sobre a relevância e a qualidade dos conteúdos enviados aos pais e alunos, mas, sobretudo, se eles serão compreendidos e assimilados. Levando em consideração o volume de informações a que todos têm acesso diariamente, a dica é investir em canais que possam direcioná-los a uma comunicação mais fina e objetiva.

“Podemos enviar 5, 10 emails por dia, mas dificilmente os pais vão olhar. É necessário enviar mensagens curtas, diretamente no celular, como fazemos hoje pelo ClassApp. A informação tem validade curta, então é necessário comunicar 4, 5 vezes para que seja absorvida e fixada”, apontou.

 

Entender as expectativas

Para Elaine Mazzer Rocha, mantenedora do Colégio Anglo, de Cerquilho (SP), entender as expectativas dos pais é outra etapa fundamental para haver uma boa comunicação com eles. Cumprir com as promessas e desempenhar com honestidade e transparência aquilo a que se comprometeu, auxilia positivamente neste processo.

“A escola é uma empresa que vende sonhos. Precisamos pensar no que podemos oferecer para essa família enquanto sonho deles. Por isso, o entendimento entre família, escola e aluno precisa ser muito claro. A escola precisa mostrar que existe hierarquia de valores e não de poderes”, definiu.

Elaine chama a atenção também para um cuidado especial na comunicação próxima e eficiente que os colégios precisam ter não apenas com os pais, mas também, com os filhos – tendo em vista que, evidentemente, a forma como eles enxergam a instituição e falam sobre ela, influencia de forma direta na confiança que seus progenitores ou responsáveis têm naquela instituição.

“Prezo muito pela confiança dos pais através do trabalho com os filhos. Se tivermos um trabalho eficaz no desenvolvimento, aprendizado, aspecto social e de valores e assim conseguirmos conquistar essa criança, o pai já estará conquistado e os conflitos serão solucionados de forma mais sensata”, considerou.

 

E como agir quando o conflito aparece?

Quando a comunicação não é vista de forma estratégica, é comum que a primeira medida da escola seja fugir ou tentar minimizar o problema ao se deparar com uma situação conflituosa com os pais. Mas, segundo Luciana Paschoal, diretora do Centro Educacional do Espaço Integrado (RJ), ficar na defensiva não traz resultados.

“No início, quando o pai chegava com crítica, nós encarnávamos a postura de defesa e, ao mesmo tempo em que tínhamos muitos argumentos, aquilo calava o pai e gerava pouco diálogo”, contou.

Para reverter a situação, a estratégia foi preparar a equipe da coordenação com técnicas de mediação escolar, que orientam, em um primeiro momento, a ouvir detalhadamente as queixas, antes de qualquer posicionamento. Sair do centro das decisões e colocar-se no lugar dos pais também é outra poderosa medida defendida por Luciana e que pode facilitar o reestabelecimento do diálogo.

“Acredito que muitas das situações difíceis que vivemos, se bem conduzidas, fazem com que aquela família se torne muito mais parceira da escola, em um segundo momento”, apontou.

Aliás, para a diretora, adotar uma postura de parceria com as famílias é um dos principais facilitadores da comunicação a longo prazo e evita ruídos provocados pela falta de clareza sobre as responsabilidades pertinentes a cada lado. “Para funcionar é preciso estabelecer as funções próprias e específicas para cada lado. Mas é importante também deixar claro que a escola tem autonomia e não pode ser a extensão da casa, então, ainda que compartilhemos dos mesmos valores, não significa que vamos necessariamente agir da mesma forma. Estamos trabalhando bem essa questão complementar de a escola exercer funções diferentes das famílias e tem funcionado bastante”, exemplificou.

 

Decisão refletida

A proposta de ouvir como principal ferramenta para a interlocução com os pais também é defendida por Jungklaus, pois, afinal, só a partir dela que é possível entender em que ponto a comunicação se perdeu. O próximo passo defendido pelo diretor é analisar o que de fato pode ser ajustado, sem afetar os princípios e valores da instituição.

“A escola é um espaço coletivo e não é possível fazer dela o que cada um quer. O projeto precisa ser claro, mas não pode ser engessado, ou seja, precisa estar atento o tempo todo para corresponder às novas demandas. Isso gera uma relação de confiança mais forte”, definiu.

Não agir por impulso e refletir bem sobre quais medidas adotar é a postura mais indicada por Elaine. “Quando há um conflito, ouvimos antes para entendermos a situação, sem dar retorno imediato. Precisamos investigar primeiro, para aí sim, ter uma posição clara”, argumentou.

 

Oportunidade de aproximação

No Colégio Maria Montessori, em Cristalina (GO), os conflitos com pais e alunos gerados pelos critérios para a concessão de bolsas de estudos levaram a diretoria da escola a formatar um modelo de prova, que não apenas resultou em 100 novas matrículas anuais, como aproximou a escolas das famílias.

Segundo a diretora Lívia Maria Rassi Cerce, até 2014, os alunos bolsistas eram escolhidos de forma aleatória e quase sempre por indicação de parentes e funcionários – o que resultava em conflitos constantes com pais, quanto aos critérios para a concessão do benefício. Além disso, em muitos casos os alunos bolsistas não conseguiam acompanhar o ritmo da escola e as famílias exigiam plantões de dúvidas, transferindo à escola a responsabilidade pelo baixo rendimento do filho. A solução foi criar uma prova voltada a alunos de escolas públicas de forma a contemplar com as bolsas de estudo somente os seis melhores colocados na prova.

O novo método, além de agradar as famílias que já pertenciam a instituição, ampliou também o número de novas matrículas que não se limitaram aos bolsistas: com a divulgação da prova de ingresso, o colégio, antes tido como de elite, acabou por se aproximar da comunidade, o que resultou na chegada de novos estudantes.

Já para sanar os conflitos com as famílias quanto ao desempenho dos bolsistas, a escola passou a exigir que, para permanecerem com os descontos, eles precisam manter a média e comprovar bom rendimento. “O resultado foi maravilhoso, porque junto com os seis alunos que vieram das bolsas, fizemos 100 novas matrículas de estudantes que antes achavam que era caro e tiveram a oportunidade de perceber que não. Quebramos o rótulo de escola de elite e já tivemos impactos positivos como o nosso primeiro aluno bolsista a ganhar 100% de bolsa pelo Prouni para cursar Medicina”, destacou.

A iniciativa serviu de espelho para outras escolas e se transformou em um case de sucesso na cidade, com honraria de destaque em uma premiação realizada pelo Sebrae.

 

O próximo passo no atendimento aos pais

Agora que você tem algumas referências, parece que ficou um pouco mais fácil, não é mesmo? Mas como o aprendizado não tem fim, separamos, em um só lugar, todos os posts da série “Desafios da Comunicação Escolar” para você entender ainda mais sobre o assunto.