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Muito antes da pandemia, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) já discutiam sobre como lidar com os transtornos de saúde mental que afetam crianças e adolescentes. Um dos motivos que fomentou a discussão foi um dado alarmante: cerca 20% dos adolescentes em todo o mundo sofrem algum tipo transtorno, como automutilação, suicídio e depressão. 

Ainda de acordo com os dados das agências internacionais, o suicídio é a segunda causa de morte entre jovens de 15 a 19 anos de idade. Estima-se também que 15% dos adolescentes de países de baixa e média renda cogitam em tirar a própria vida.

Em nota, o próprio diretor-geral da OMS, Tedros Ghebreyesus, reconhece que poucas crianças com transtornos mentais têm acesso aos cuidados que necessitam. Na opinião de outro especialista, Feizi Milani, médico, terapeuta e doutor em Saúde Pública, o não tratamento desses jovens tem efeitos duradouros na saúde física e mental durante a vida adulta.

Feizi faz um cruzamento de dados para mostrar a importância da escola na prevenção e no combate aos transtornos mentais, a começar pelo bullying. Essa prática coloca o Brasil em uma situação nada confortável, assumindo a segunda posição entre os países com mais casos de bullying virtual. 

“1 em cada 10 estudantes do nosso país é vítima frequente de bullying, vendo também o dado obtido em outros países de que cada 5 crianças que sofre bullying, 1 chega a pensar em suicídio. […] Se 10% dos estudantes sofrem bullying, depois 20% desses pensam em suicídio, então, nós teríamos uma situação em que, de cada 100 estudantes brasileiros, 2 poderiam estar contemplando a possibilidade de tirar a própria vida”.

 

Cyberbullying – como as escolas podem evitar e combater?

 

Mas como chegamos até aqui? Infelizmente, os cuidados com a saúde mental ainda são muito negligenciados, e uma postura diferente, certamente, faria com que esses números fossem outros. Mas Feizi acredita que entre os vários motivadores desse cenário são, principalmente, o individualismo, o consumismo e a ideia errônea sobre felicidade.

Em relação à felicidade, ela deve ser o nosso principal propósito de vida e devemos a todo tempo buscá-la, certo? Não, errado! De acordo com o terapeuta, a felicidade não é algo que deve ser buscado ativamente, “isso é uma falácia”. A felicidade é uma consequência da vida que levamos e, na verdade, está nas pequenas ações e nos detalhes do dia a dia.

Ele também aponta a existência da crença do “eu me basto”, o que implica em dizer que muitas crianças acreditam que podem fazer tudo sozinhas, inclusive resolver seus próprios problemas; o que é diferente de autonomia. Estamos falando é de individualismo, que extrapola o egoísmo e esbarra na incapacidade de criar conexões e, como consequência, essas crianças não sabem a hora de pedir ajuda.

 

Os efeitos da pandemia na saúde mental

Fazendo referência à Organização Pan-americana de Saúde (OPAS/OMS), Feizi explica que uma epidemia dessa magnitude implica em uma perturbação psicossocial, que pode ultrapassar a capacidade de enfrentamento da população. Estima-se que 33% a 50% da população venha a desenvolver algum tipo de manifestação psicopatológica. 

Na caso das crianças, alguns fatores estressores podem desencadear essas manifestações, por exemplo: o longo período em isolamento, o medo de contágio, o tédio, a ausência de contato com amigos e professores e até mesmo a perda financeira das suas famílias. Tudo isso pode ser agravado pelo tempo de exposição às telas, que se tornaram o principal “refúgio”.

“Quando a criança ou adolescente passa até 60 minutos por dia diante das telas, tirando o tempo do estudo, […] o impacto disso já é detectável com uma diminuição da sua curiosidade, diminuição do autocontrole, da estabilidade emocional e da capacidade de concluir tarefas. Agora, se a criança ou adolescente passa 7 horas por dia ou mais diante das telas, o risco de ela ter um diagnóstico de ansiedade e/ou depressão aumenta duas vezes”.

Na volta às aulas, o terapeuta alerta que, inevitavelmente, os professores e gestores escolas terão que lidar com alguns sintomas emocionais e comportamentais por parte dos alunos, como ansiedade, irritabilidade, tristeza, dificuldade de concentração e de aprendizagem. 

Muitas escolas já definiram seus protocolos de segurança: ensino híbrido, turmas presenciais reduzidas, uso de máscaras obrigatório, ausência de contatos físico e outras orientações gerais. Mas em relação ao cuidados com a saúde mental dos alunos, como sua escola pretende lidar com isso? 

Se você ainda não definiu os cuidados, ainda há tempo de pensar sobre isso. Para te ajudar, separamos algumas dicas abaixo.

 

Como trabalhar o autocuidado, a gratidão e a resiliência em sala

Com base na sua experiência pessoal, Feizi que também passou por um processo de depressão, relata que os tratamentos terapêutico e medicamentosos foram essenciais para sua melhora. Mas, além disso, ele adotou alguns cuidados, baseados na sua pesquisa sobre técnicas terapêuticas e recursos para o bem-estar.

Um dos recursos adotados por ele foi autocuidado, que também está previsto na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), junto com autoconhecimento, como uma das dez competências a serem trabalhadas em sala de aula. 

Entende-se como autocuidado, o compromisso consciente de cuidar de si e cultivar o bem-estar, contemplando as dimensões física, mental, emocional e espiritual. Ele ainda completa: “O verdadeiro autocuidado precisa ser holístico, precisa ser integral, porque nós somos seres multidimensionais […]. Nem sempre eu consigo garantir a minha felicidade, mas eu posso garantir a minha paz interior”.

Novamente falando em felicidade (estado), ela caminha lado a lado da alegria (sentimento), de modo que momentos de alegria podem promover picos de felicidade. Dito isso, uma dica de Feizi é montar uma lista de coisas que geram alegria, isso pode ser facilmente replicado em sala de aula e estimulado fora dela.

Outra sugestão dele é o uso de diários. Além de aprimorar a escrita e caligrafia, o diário é uma ferramenta que permite que crianças e jovens trabalhem suas habilidades socioemocionais, transcrevendo para o papel tudo o que pensam e sentem, sem a necessidade de oralizar para terceiros.

Um diário da gratidão, em especial, promove muito mais benefícios. “Quando nós estamos pensando nas coisas que temos para agradecer, as vias neurais que o cérebro usa para os pensamentos de tristeza ou de ansiedade são bloqueadas”, explica o médico que também aconselha a desenvolver diariamente a prática da gratidão.

Por fim, resiliência. Esse é um conceito abstrato, porém, bastante significativo nesse momento de pandemia. Feizi utiliza os 7 C’s para explicar o conceito e mostrar sua importância para o desenvolvimento mental e emocional de todos.

Os 7 C’s são:

  • Competência: saber lidar com as adversidades e quais recursos utilizar;
  • Confiança: reconhecer e acreditar nas próprias competências; 
  • Conexão: cultivar laços com familiares, amigos e professores;
  • Caráter: valores e princípios norteadores para vida;
  • Contribuição: capacidade de usar suas fortalezas para ajudar aos outros;
  • Controle: conhecimento da capacidade de fazer escolhas;
  • Enfrentamento (em inglês, coping): saber lidar com o estresse de forma saudável.

 

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