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É comum ouvirmos falar que o ensino híbrido é uma tendência que chegou para ficar. Porém, o ensino híbrido não tem nada de novo. A proposta de uma metodologia de ensino que mescla períodos de aprendizagem online e presenciais surgiu nos Estados Unidos, por volta da década de 60, com o termo blended learning.

A popularização dessa metodologia no Brasil aconteceu de forma mais tardia, em 2014, quando o Ministério da Educação (MEC) realizou estudos em busca de alternativas para a expansão da educação a distância (EaD) no superior. Desde então, essa metodologia, de forma gradativa, passou a integrar o currículo das instituições de ensino.

“Nós não inventamos nenhuma tecnologia nova, tudo já estava aí, o que não estava era a cultura. As reuniões já poderiam ser feitas online, mas insistimos em fazer reuniões presenciais”, declara José Moran, educador, pesquisador e designer de projetos de inovação, que defende o ensino híbrido como um movimento progressivo e irreversível.

“Progressivo, porque é contínuo, mas ao mesmo tempo não é linear, há momentos em que avança, mas há momentos em que tem algumas paradas. E irreversível porque não volta atrás”, explica. 

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Experiências de Sucesso com o Ensino Híbrido

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Ensino híbrido como um movimento

Ao longo da sua trajetória profissional como educador, Moran pôde vivenciar de perto a ascensão desse movimento. Cofundador do Projeto Escola do Futuro da Universidade de São Paulo (USP), em 1989, ele já tinha alguns insights de como ampliar a aprendizagem dos seus alunos universitários: 

“Há mais de 25, 30 anos que eu vi a possibilidade de misturar o presencial e o online quando eu estava com meus alunos na USP vendo a internet […] Então, quando comecei a ampliar essa relação com os espaços, eu via inúmeras oportunidades para os alunos participarem como pesquisadores, compartilhando experiências, desenvolvendo projetos e postando seus projetos na página. Tudo isso me levou a perceber o híbrido, e ele foi avançando em um segundo momento para que os alunos não viessem a todas as aulas, eles podiam vir uma semana sim e a outra não, e continuamos aprendendo”. 

Na perspectiva do educador, hoje carecemos de uma compreensão mais ampla do ensino híbrido, que perpassa pela ideia das misturas – nas formas de ensinar e aprender, das situações do presente e do passado e dos espaços da vida (escola, casa e sociedade). Então, o modelo tradicional, descrito no início do texto, ficou na primeira fase do movimento. 

Com a pandemia, o ensino híbrido deixou de ser uma alternativa e se tornou uma realidade também na educação básica. “Nesses dois últimos anos, ficou muito mais perceptível na nossa cultura, que é possível aprender em tantos lugares, é possível aprender de formas muito ricas, e ao mesmo tempo, nós temos muita dificuldade ainda, mentalmente, de sair do modelo de sala de aula, de o professor e o aluno estarem juntos”, comenta o educador.

A flexibilidade do ensino híbrido

Uma das características do ensino híbrido enquanto movimento é, justamente, a sua flexibilidade. Isso porque, é uma metodologia que permite redesenhar várias combinações de acordo com as múltiplas situações, levando em consideração a realidade de cada escola, cada professor e a individualidade dos alunos.

Esses vários espaços online, que misturam momentos síncronos e assíncronos, possibilitam pôr em prática várias estratégias para envolver e manter os alunos engajados. Moran traz alguns exemplos:

  • Trabalho com projetos, como Projeto de Vida;
  • Aprendizagem por pesquisa;
  • Gameficação ;
  • Storytelling;
  • Aprendizagem maker.

“Tudo isso pensando em como realizar as melhores experiências para todos e cada um dos estudantes. É esse o mundo que nos espera daqui para frente, o de aprender a desenhar projetos mais flexíveis, pensando em uma dimensão profundamente humana primeiro”.

Arquitetura pedagógica flexível

As arquiteturas nada mais são que as construções de como são organizados os processos de ensinar e aprender, que foram potencializadas com a pandemia. Porém, muitas escolas ainda estão presas em uma estrutura rígida e “fechada” como define Moran.

“Pensem no processo de ensinar e aprender que fazíamos anteriormente na escola, quase como algo que era totalmente, meio que, fechado e previsível. Pense hoje quando você pode ir a uma grande loja de departamentos, um grande supermercado ,que está cheio de produtos e você pode fazer escolhas de acordo com as suas necessidades. Hoje a ideia é criar esse ambiente amplo de escolhas usando também as tecnologias”.

Essas tecnologias vão além das usuais ferramentas e plataformas de aprendizagem, como o Google Classroom e Moodle, e quando combinadas a algum tipo de inteligência artificial podem, por exemplo, diagnosticar os avanços e lacunas de aprendizagem de cada aluno.

O híbrido e a ascensão de novos projetos educacionais

Como pesquisador, Moran pesquisa e ajuda a desenhar caminhos para a transformação na educação. Seu trabalho é focado, especialmente, em dois modelos: o progressivo e incremental (mudanças possíveis sucessivas) e o estrutural (redesenho global do currículo e da instituição educacional).

Segundo ele, algumas transformações acontecem de forma mais radical, são as chamadas escolas disruptivas. Basicamente, elas têm projetos em que as disciplinas não estão separadas, as competências são trabalhadas em cima da aprendizagem por projetos.

As escolas disruptivas atuam com alta flexibilização e personalização. Há tempos individuais de aprendizagem e os alunos estudam aquilo que é do seu interesse – sempre em grupos e supervisionados pelos professores – com base em atividades, resolução de problemas e gamificação. 

“Esses são projetos muito mais radicais, é como construir um prédio da base, quando você tem essa possibilidade de construir, desenhar um prédio, você pode trazer todas as transformações, mas a maior parte das escolas, as milhares de escolas que temos no Brasil já tem o seu prédio, sua cultura”.

No caso das escolas tradicionais e centenárias, a transformação tende a ser progressiva; um passo por vez, em três etapas. Primeiro, em individual, cada professor entende como ele pode misturar as atividades focadas no aluno e fazer uma a aprendizagem ativa. Na segunda etapa os professores trabalham em conjunto os projetos integradores. Por fim, na terceira etapa, o currículo é mais avançado e desenhado em cima de projetos.

Esses dois modelos já existiam antes da pandemia, mas após o seu advento caminhamos para um projeto de escola em que a aprendizagem acontece em comunidade. Como explica o educador, na comunidade todos aprendem juntos; o estudante aprende, mas também ensina, ele aprende consigo mesmo, com os demais, com os docentes e os mentores, paralelamente a comunidade também ensina.

“Estamos diante de um mundo em que o flexível e o híbrido se dão em nível amplo, é o presencial e online, mas também na ideia de comunidade, encontro, visão integradora, trabalhar com valores e com competências digitais”, destaca Moran.

A sua escola está preparada para o fidigital?

Outro conceito trazido pelo educador, é “fiigital”, união do físico ao digital. Apesar de ser um conceito habitual hoje, mais do que nunca, as escolas precisam racionalizar a sua aplicação ao ensino pós-pandemia.

“Nós temos que pensar, por exemplo, no ensino médio, que é possível nós aprendermos na sala de aula, no espaço que nós chamamos de físico, e nós podemos aprender também no digital, como fizemos neste ano e meio, quando era possível, uma parte dos alunos na sala de aula e outra parte online.[…] Então, esse “fidigital” vai trazendo essa mistura de atividades presenciais com atividades digitais no ritmo e nas possibilidades de cada escola”.

Como dica de estudo sobre o tema, a Equipe do Escola Exponenciais recomenda  o livro “Metodologias Ativas para uma Educação Inovadora”, de coautoria de Moran. A obra traz uma síntese da aprendizagem ativa com modelos híbridos e busca expandir o diálogo e as análises sobre a educação tecnológica com a perspectiva de construir novas propostas.

Assista a palestra completa:

Educação híbrida – uma transformação progressiva e irreversível com José Moran