Espaços e experiências interpessoais na escola: duas abordagens para se preparar para as aulas presenciais
Preparar a escola para a retomada das aulas presenciais envolve uma série de providências que vão desde ações muito concretas – como a reorganização do espaço físico diante dos novos protocolos de higiene – até alterações muito sutis (mas não menos importantes) – como transformações no modo de se relacionar com as pessoas da comunidade escolar.
Apresentamos aqui boas dicas de duas especialistas em áreas bem diversas, mas ambas conectadas à realidade educacional. A publicitária Janaina Reimberg, gerente de Experiência do Cliente da editora FTD Educação, especializada em livros didáticos desde 1902, fala sobre como melhorar as relações pessoais dentro da comunidade escolar. Já a arquiteta Claudia Mota, sócia do escritório Ateliê Urbano, especializado em instituições de ensino, dá dicas de como ter uma escola fisicamente mais saudável.
Qual a influência da infraestrutura escolar no aprendizado?
Empatia, a palavra-chave do momento
“Muita gente já deve ter ouvido que um hábito exige 21 dias para ser mudado. Mas 21 dias é muito pouco transformar para uma cultura. Um grande estudo feito pela Universidade de Londres indica que para isso são necessários de 66 dias ou 88. Imagina que nós estamos há bem mais de 100 dias em isolamento, então as pessoas vão mudar e essa é a nossa janela de oportunidade.”
Janaina Reimberg usa a frase acima para explicar a grande mudança no comportamento da sociedade nos últimos meses e ressalta a grande oportunidade aberta para uma grande transformação no universo das escolas.
“A educação ganhou uma janela importante para inovar e a chave para fazer isso é pela empatia, palavra tão na moda e que não tem como não usá-la no contexto atual.”
Para Janaína, vai ser fundamental que na volta às aulas presenciais, toda a comunidade escolar tenha muita empatia para tentar entender as dores e medos de cada gestor, professor, aluno, … A publicitária lembra que muitas famílias estão vivendo grandes dificuldades financeiras, muitos professores se sentem há meses fora de sua zona de conforto dando aulas on-line, com altos níveis de stress e sobrecarga de trabalho e que muitas crianças estão vivenciando picos de ansiedade, tédio e impaciência.
“É preciso entender todo esse contexto para preparar a retomada das aulas, é preciso que todos tentem compreender os sentimentos e emoções dos outros”, diz, chamando atenção para um desafio extra no mercado educacional: os conflitos geracionais entre os atores da comunidade escolar.
“É muito difícil se colocar no lugar do outro quando suas vivências são tão diferentes. Diferentemente de grande parte dos mercados, o da educação tem seus quatro atores fundamentais de diferentes gerações; gestores (geração X/Baby boomers), educadores (geração X), estudantes (nativos digitais da geração Z e Alpha) e responsáveis (geração Y/Milennials). É muito mais difícil esse processo de empatia neste contexto, é muito mais conflitante.”
Segundo Janaina, a volta às aulas significa uma boa oportunidade para revisitar a relação entre esses atores, construindo um novo modelo capaz de revolucionar o ecossistema escolar. A publicitária chama atenção para algumas mudanças nas relações evidenciadas nos últimos meses, por exemplo: estudantes muitas vezes atuando como “os grandes professores do universo digital” e professores “aprendizes” na navegação virtual, sem falar na mudança da influência da família no dia a dia de estudo das crianças.
“É preciso dar muito atenção às pessoas nesse momento, elas mudaram muito: mudaram sua relação com o dinheiro, com a casa, com o trabalho, com suas emoções, com seus sonhos e ainda mais especial, com a educação.”
Diante de tantos desafios para a retomada das aulas presenciais, Janaina dá algumas boas dicas:
- Conversar muito e chamar todas as pessoas envolvidas no processo de retomada para dentro da escola (mesmo que virtualmente)
- formar um mapa de empatia – entendendo as maiores dores e os maiores desejos dos envolvidos na volta às aulas, mapeando o que precisa ser mudado para sanar problemas.
- Revisitar a jornada de aprendizagem durante o período de isolamento social
- Criar soluções conjuntas
- Testar essas soluções, ouvindo sempre a opinião das pessoas
- Colocar em prática as mudanças propostas, sempre dando crédito aos agentes dessa transformação
“Ao fazer isso, sem perceber vocês estarão levando a metodologia do Design Thinking para o dia a dia da escola. Com união e com os canais de comunicação bem abertos, os atores da comunidade escolar podem criar soluções muito inovadoras”, finaliza.
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Mudanças nas relações entre as pessoas e mudanças na relação das pessoas com o espaço
A arquiteta Claudia Mota concorda com Janaina que existe uma grande oportunidade de mudança no modelo educacional e também na infraestrutura das escolas. Ela diz que é importante aproveitar o momento para criar escolas mais saudáveis fisicamente e que fundamental para isso é ter muito planejamento.
“O planejamento para a reabertura já deve estar acontecendo. A começar em relação ao treinamento da equipe, à adaptação pedagógica, e também às mudanças estruturais. É importante fazer um levantamento das necessidades reais da escola para economizar tempo e dinheiro. É preciso pensar como vai ser organizado o espaço, onde vão ser colocados novos equipamentos. Tem que fazer projeto, fazer orçamento e organizar as compras de acordo com seu fluxo de caixa.”
Para Claudia, as mudanças precisam ser implementadas e testadas para ver se, de fato, funcionam: “planejamento é uma palavra muito importante na arquitetura e acho que as escolas devem ter isso também em sua pauta.”
A arquiteta chama atenção para a importância de não transformar escolas em hospitais.
“É preciso ter muito cuidado: escola não é hospital, o espaço físico da escola precisa manter a ludicidade e a alegria, fazer mudanças de forma mais leve possível. Uma comunicação visual colorida é muito importante, por exemplo, para a educação infantil.”
Assim como Janaina Reimberg, Claudia Mota ressalta a necessidade de muita empatia no momento, e de lidar com os novos protocolos com a maior naturalidade possível, diante de tantos receios entre pais e alunos quanto à volta às aulas. É hora de muito acolhimento diante do momento de extrema sensibilidade. Ela dá algumas dicas de como promover esse conforto por meio da arquitetura:
- Conforto térmico – valorize a ventilação natural e cruzada, tentando não usar ventilação mecânica. ”Isso tem a ver com sustentabilidade, economia de energia e saúde.”
- Conforto acústico – pense em uma boa distribuição e absorção do som. “Imagine que muitos professores que gravavam aulas em casa vão ter que passar a fazer isso nas escolas.”
- Conforto pela iluminação – valorize a luz natural: “Isso vai economizar energia, melhorar a qualidade das gravações, aumentar o rendimento de alunos e melhora astral da escola.”
- Conforto físico – invista em um mobiliário ergonômico: “móveis confortáveis também aumentam o rendimento de alunos e funcionários.”
- Conforto na natureza – valorize espaços externos, como quadras, jardins, recuos laterais, hortas. “A sala de aula não é mais o único lugar de aprendizado. As escolas que conseguirem incorporar isso em seu dia a dia vão ter uma grande vantagem em relação a seus concorrentes. Existem pesquisas que comprovam que o contato coma natureza melhora o rendimento dos alunos.”
- Conforto pela flexibilidade – invista em ambientes versáteis, que podem ser modificados, pense também na diversidade de modelos de assento. “A sala de aula está mudando, extrapolou as paredes. Agora a sala de aula pode ser em qualquer lugar, é onde o aluno aprende.”
Claudia termina dizendo que para ela 3 palavras resumem o futuro das escolas na retomada às aulas presenciais: “conforto, felicidade e segurança. É preciso fazer tudo sem pânico, com esperança e com vontade de mudar. Espero que todos tenham um novo olhar sobre a arquitetura das escolas.”
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