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Como preparar as escolas para a volta às aulas presenciais? A pergunta que não quer calar ainda depende da oficialização de protocolos estaduais e municipais, mas, para ganhar tempo, já é possível tomar algumas providências.

Com a ajuda de dicas de especialistas em diferentes estados do Brasil, os gestores já podem ir organizando, por exemplo, seus espaços físicos para receberem alunos e equipe, de forma segura e assertiva.

“Existe ainda muita especulação do que vai ter que ser feito, mas existem noções básicas, a partir de exemplos do que aconteceu na Europa e na Ásia e de textos que vêm sendo publicados aqui no Brasil, como o boletim divulgado pela Sociedade Brasileira de Pediatria”, diz Claudia Mota, sócia do escritório Ateliê Urbano, especializado em projetos escolares, ao lado da paisagista Carolina Mazzei. 

Segundo Claudia, ainda existe um vai e vem muito grande de decisões no Brasil e faltam indicações precisas do governo. Por isso, o escritório vem coletando dados e dando orientações básicas, e a primeira delas é prudência.

Planejamento, palavra de ordem

“As escolas não devem colocar os carros na frente dos bois, sair comprando coisas, investindo sem planejamento. Às vezes as pessoas compram 20 totens de higienização e nem sabem onde instalar esses equipamentos dentro da escola. Tem um exemplo de uma escola no Mato Grosso que colocou uma pia na porta da escola, para que todos lavem as mãos antes de entrar. Mas imagina isso em uma grande escola em São Paulo? A fila que iria formar diariamente na calçada, não faz sentido”, diz a arquiteta. Claudia reforça a importância de planejar bem o que vai ser feito diante da real necessidade para não gastar dinheiro à toa.

“Muita gente que faz reformas, por exemplo, sem planejar antes, acaba gastando duas ou três vezes o valor que poderia gastar. É preciso gastar mais tempo pensando e menos tempo executando. Planejamento é fundamental não só na arquitetura, mas em qualquer aspecto da vida, ainda mais em um período de crise. No caso das escolas,  as decisões precisam ser comunicadas aos pais e a toda comunidade, eles precisam saber o que está acontecendo, porque do contrário todos ficam inseguros para mandar seus filhos para a escola.” 

Para Claudia, o ideal é que exista um protocolo oficial, mas que cada escola seja tratada como um caso único, pois cada uma tem suas particularidades, principalmente em relação a faixas etárias.

Por isso, o escritório oferece uma assessoria específica para as escolas interessadas, feita com apoio de duas enfermeiras professoras da USP, especializadas em infectologia. 

 

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Edifícios doentes e edifícios saudáveis

“A pandemia fez o mundo perceber que não existem somente pessoas doentes, mas edifícios muito doentes. Isso trouxe um novo olhar para ambientes escolares”, afirma a arquiteta.

Claudia explica que em todos os projetos escolares, o escritório valoriza muito a ventilação natural e cruzada. “Existe um movimento grande pela arquitetura bioclimática, aquela que era feita há muito tempo e que perdeu espaço com o advento do ar-condicionado. O primeiro conselho que a gente dá para as escolas é valorizar a ventilação natural. Claro que nem todas as escolas podem sair abrindo janelas, mas é importante pensar nisso, e se planejar para criar edifícios mais saudáveis.”

A arquiteta também dá a dica de aproveitar melhor ambientes externos, recuos laterais, pátios, jardins, que muitas vezes estavam sendo subutilizados e até abandonados por falta de uso:

“Usar esses espaços externos é um coringa neste momento. Com o distanciamento social, que ainda não sabemos se vai ser de 1, 1,5 ou 2 metros, as escolas vão precisar de novas áreas e não é possível nem duplicar a construção nem eliminar alunos. Com algumas intervenções, as escolas podem usar esses espaços inclusive como sala de aula. Outra boa ideia é fazer hortas para serem usadas em aulas de biologia, matemática, linguagem…” 

O escritório diz que, diante da crise, o importante é criar soluções rápidas e viáveis de serem colocadas em prática.

 

“Não adianta falar agora: derruba tudo e faz de novo. Não é hora de investir uma fortuna, um dinheiro escasso, em uma reforma importante. Mas fazer as adaptações necessárias.”

Uma das ideias, que não precisa de nenhum investimento, é dividir os intervalos, para que os alunos saiam de suas salas em momentos diversos. Isso evita tanta gente circulando ao mesmo tempo pelas áreas comuns da escola. Claudia sugere ainda que algumas turmas façam os intervalos dentro de suas próprias salas, em alguns dias, alternando com outras turmas. Enquanto uma está fora, outra está dentro.

“Não é o ideal, mas reduz o fluxo de alunos circulando pela escola. Outra coisa: existem escolas em que os alunos mudam de salas de aula durante o dia, talvez isso precise ser suspenso por um tempo. Evitar que eles façam esse rodízio, deixando que os professores circulem.”

Para a arquiteta, o maior problema de aglomeração ainda é a entrada e a saída de alunos. Ela sugere escalonar esse fluxo com 10, 15, 30 minutos de diferença, para evitar aglomeração. 

“Existem escolas que têm mais de um portão e só utilizam um deles. É hora de ativar esses outros portões em desuso. Essa é uma alternativa, mas é preciso estudar caso a caso. Não dá para simplesmente ditar regras sem conhecer o universo específico de cada ambiente. A arquitetura é só uma parte de uma imensa engrenagem que uma escola significa.”

 

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O exemplo das escolas no Japão 

Para Claudia, o Japão é um dos países com melhores cases de arquitetura de escolas do mundo e que se destaca muito neste momento atual. Ela afirma que olhar para exemplos japoneses é muito importante, para aprender a tentar replicar boas práticas orientais, claro que na medida do possível, tendo em conta que o Brasil é um país tropical.

“O Japão sempre teve uma preocupação muito grande com higiene, que faz parte da educação, como não entrar com sapatos em alguns ambientes internos. Eles também valorizam muito os espaços externos nas escolas, diante do tamanho pequeno das casas dos alunos. Se a gente conseguisse trazer alguns conceitos japoneses para o Brasil seria muito interessante.” 

Um exemplo citado por ela é uma escola de educação infantil construída de forma circular (no estilo de um estádio de futebol), em que as crianças usam a laje sobre as salas de aula para fazer atividades recreativas. Todas as salas de aula são totalmente abertas a maior parte do ano para um pátio central circular, com árvores e vista para o céu.

O arquiteto Takaharu Tezuka, responsável pelo projeto, conta que as crianças andam, em média, 4 quilômetros por dia circulando pela escola, que tem uma circunferência de 180 metros. “A arquitetura tem o poder de mudar o mundo, de mudar a vida das pessoas, e essa escola é uma das tentativas de fazer isso”, diz Tezuka.

 

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A importância da arquitetura em uma escola

A arquiteta Claudia Mota concorda plenamente e faz destaca a importância específica de pensar a infraestrutura de escolas: “a arquitetura tem o poder de ajudar no projeto pedagógico, não dá para separar uma coisa da outra. A arquitetura tem que ajudar a melhorar o desempenho dos alunos”. 

Ela explica que a arquitetura tem, ainda, a capacidade de ajudar uma escola a firmar sua imagem no mercado, seja a de uma instituição mais tradicional, mais tecnológica, mais sustentável. 

“Quanto você tem uma boa arquitetura, um espaço bem planejado conversando com a proposta pedagógica, você consegue chamar atenção das pessoas e ajuda muito a posicionar a escola no mercado. Neste período, por exemplo, a gente vê que as escolas que têm ambientes pensados de maneira mais humana, têm mais facilidade até para se adaptar às mudanças impostas pela pandemia. A arquitetura só tem a acrescentar na vida de todo mundo, a arquitetura realmente muda a vida das pessoas.”

 

Futuro

Claudia imagina que as novas diretrizes que serão tomadas nos próximos meses vão permanecer depois que a crise atual passar, que as mudanças não serão algo a curto prazo. A arquiteta acredita que os pais não vão se contentar com o mínimo exigido pela legislação para a escola de seus filhos:

“As escolas precisam estar atentas à essa tendência, que não é somente em relação às instituições de ensino, mas também a ambientes de trabalho e casas. As pessoas começam a perceber a importância de que bata sol nas construções, perceber que os móveis precisam ser confortáveis, para que as pessoas passem muito tempo sentadas diante de computadores. Eu acredito que a pandemia trouxe uma mudança no modo de pensar em relação aos espaços em que vivemos e estudamos. Ninguém mais quer ficar em uma sala sem janela, todo mundo fica com medo. Eu acho que esse pensamento vai permanecer no pós-pandemia”, finaliza.

 

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