LGPD e combate a fake news: como resguardar a sua escola?
A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), n° 13.709/2018, regulamenta o uso, a proteção e a transferência de dados pessoais no Brasil com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e privacidade.
Isso significa maior controle dos cidadãos sobre suas informações pessoais e a exigência de consentimento explícito para coleta e uso de dados. Mas o que isso tem a ver com a sua escola?
Com o aumento do uso da tecnologia nas escolas a partir da pandemia, é essencial que esses recursos sejam utilizados de maneira segura.
Patricia Peck, sócia fundadora e CEO do Peck Advogados, explica que antigamente nem tudo precisava estar escrito rigorosamente em “regras políticas”, mas os tempos mudaram.
“Sendo um contrato de matrícula regido por código de defesa do consumidor, cada vez mais a entidade de ensino teve que registrar tudo isso”, diz a professora de direito digital e presidente do Instituto iStart de Ética Digital. “E com a lei de proteção de dados pessoais isso ficou ainda mais essencial porque é uma legislação que gera necessidade de evidência”.
É claro que não é suficiente apenas criar uma lei como essa. É preciso esforço para educar as pessoas sobre a medida e fiscalizar seu funcionamento – tudo parte de um processo natural em uma sociedade democrática, conta Patricia.
Conselheira titular do Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais que assumiu o Grupo de Trabalho de Educação do Conselho Nacional, ela afirma que a instituição de ensino tem, portanto, duas funções: a de cumprir a regra, servindo de “exemplo”, mas também a de disseminar e orientar a respeito da nova legislação.
É preocupante o quanto a instituição de ensino está “na mira” das quadrilhas do crime organizado digital hoje em dia, reflete Patricia, já que a escola se tornou um grande repositório de dados. Com a educação se tornando o alvo principal dos cybercriminosos, é imprescindível proteger essas informações.
Especificações da LGPD para escolas
É importante entender as especificações da LGPD para escolas. Por exemplo: algumas exceções existem no contexto de trabalhos acadêmicos, e portanto é necessária uma orientação sobre como lidar com dados pessoais na produção desse tipo de material.
E uma escola verdadeiramente exponencial, lembra Patricia, é aquela que busca tecnologias novas – para entender cada vez melhor um aluno e suas dificuldades específicas é preciso ter acesso a muita informação e dados.
Para a advogada, a principal palavra-chave da LGPD é transparência: “Tem muita coisa na instituição de ensino em que nós vamos utilizar dados pessoais, não apenas dentro da escola, mas associado à política pública de ensino”, diz.
“E essa é uma base legal muito importante dentro do ambiente de ensino.” Desse modo, o que a lei desencoraja é o uso de dados sem a transparência a respeito de suas intenções: o que será usado, para que será usado, como será usado, por quanto tempo será usado, etc.
Por exemplo: é muito comum que uma escola poste em sua rede social uma foto de uma atividade acadêmica acontecendo na instituição para celebrar o Dia da Escola.
No entanto, se mais tarde a escola deseja utilizar essa mesma imagem – mostrando o rosto de algum aluno – para uma campanha de matrícula, a situação muda. Isso porque, no último cenário, o uso é considerado comercial e publicitário e exige consentimento.
A imagem pode ser a mesma, mas a finalidade de seu uso é distinta. “não é um bicho de sete cabeças, é uma legislação que traz muito mais conformidade”, lembra Patricia. “Mas é aquela legislação que a gente tem que ter cuidado”.
LGPD e as atualizações das proteções de dados
Surgiu a necessidade, portanto, de um “modelo de governança” na escola para adequar e implementar essas novidades, juntando várias áreas da escola nessa missão.
Patricia, que tem uma parceria com o instituto Start, do Reino Unido, conta que no país embaixadores da privacidade já são levados à sala de aula. O intuito é garantir que sempre haja um aluno sendo formado como embaixador da privacidade e que possa, portanto, tirar dúvidas dos outros estudantes.
“Porque o jovem tira dúvidas com outro jovem, então você alcança o máximo de conscientização do programa de privacidade quando você forma embaixadores de privacidade nas aulas como se fossem monitores”, explica.
“O tema da proteção de dados entrou na constituição federal, se tornou direito fundamental, então isso é algo que para nós é extremamente valioso porque faz parte da matéria de direitos humanos”, diz Patricia.
“Nós estamos vivendo uma nova leva de direitos humanos, de direitos fundamentais.” A LGPD estabelece regras específicas para a criança e o adolescente no artigo 14 – como a exigência do consentimento parental no tratamento de dados pessoais.
No entanto, a interpretação da lei deve ocorrer no melhor interesse do menor. Assim, algumas exceções existem em certos casos, como na eventualidade de uma criança que chega na escola com possíveis sinais de maus tratos.
“Eu não posso ficar na dependência de um consentimento prévio se eu tenho que estar sempre orientado no melhor interesse da criança, por isso que o parágrafo único do artigo 14 faz essa ressalva”, explica Patricia.
Como reconhecer o que é real
Os dilemas trazidos pelo progresso são tão complicados quanto promissores, e na era da inteligência artificial a transparência do uso da informação será cada vez mais importante.
A necessidade desse tipo de medida fica clara em uma sociedade cada vez mais ameaçada pela desinformação e pelas fake news. Além disso, o número de seguidores de uma conta pode passar uma falsa sensação de credibilidade, principalmente em um momento onde conexão é algo tão desejado na internet.
“Então como eu educo um jovem, em termos de critério, que não é o número de likes e seguidores que define credibilidade?”, questiona Patricia. Hoje em dia, criar robôs mascarados como contas de pessoas reais é extremamente fácil – e atribuir citações ou referências a esses “indivíduos” também. Apesar dos benefícios da tecnologia para a pesquisa, desafios como esse também vêm junto.
Segundo Patricia, o mais importante para combatê-los é a busca pela credibilidade e a checagem de informações – até porque toda instituição, toda marca e toda pessoa física está sujeita a sofrer as consequências da desinformação.
“Uma aula a respeito do que é a desinformação está muito relacionada à capacidade de construir um indivíduo que depois seja capaz no futuro de tomar suas próprias decisões, de não sentir que foi induzido, que foi enganado”, lembra Patricia.
Uma legislação para lidar com esse tema é essencial, e ajudaria o Brasil a avançar no debate desse tema. Segundo Patricia, a melhor benfeitoria da criação de tal legislação seria simplesmente a identificação de quais contas são robôs ou não.
Combate à desinformação
Mesmo fora do aspecto de leis, no entanto, há passos que podem ser tomados para evitar a desinformação, como não confiar apenas na manchete; verificar se o veículo que noticiou o fato é confiável e se outros veículos também cobriram o tema; pesquisar sobre o autor e verificar o site original da publicação. Esse tipo de orientação precisa ser ensinada aos jovens, mas também vale para todas as outras pessoas e deve virar hábito da sociedade como um todo.
É possível – e necessário – desenvolver o senso crítico de um indivíduo para que ele tenha condição de sair de sua “bolha”, podendo interagir com o mundo de forma mais informada.
Seria impossível proibir o uso de aparelhos eletrônicos, por exemplo, já que esses recursos hoje fazem parte de nossas vidas de forma central. Se antes da pandemia um educador podia exigir que aparelhos eletrônicos fossem deixados de fora da sala de aula durante o ensino, hoje em dia isso não é mais realista.
Mas podemos limitar seu uso de forma a não nos prejudicar e até mesmo a nos auxiliar. “A instituição de ensino pós pandemia está tendo também que gerar um ajuste, uma melhoria, dessas regras pela responsabilidade do próprio aluno e dos pais do que está vindo na mochila que você nem sabe o que está vindo para o ambiente escolar do ponto de vista de devices, de conectividade”, avisa Patricia.
Segundo ela, os detalhes dos problemas trazidos por essas novidades podem mudar com o tempo – indo do Orkut ao Facebook ao Instagram ao TikTok – mas no fim, trata-se sempre de uma questão comportamental.
E as consequências desse problema podem ser mais duradouras do que pensamos – é possível pedir que uma plataforma delete algum conteúdo, mas não podemos ter certeza de que isso vai acontecer de fato depois dele ter se espalhado pela internet.
Patricia conta que já viu casos de jovens com problemas para realizar suas applications em universidades estrangeiras devido a seus históricos de mídias sociais.
Com uma simples pesquisa no Google tendo o potencial de ser educativa ou inapropriada, supervisão e orientação são essenciais de acordo com a faixa etária do jovem. Patricia lembra que esse processo envolve “estágios de autonomia”, e autonomia exige responsabilidade – assim, não se pode permitir o uso de um recurso com o mesmo grau de autonomia a uma criança de seis e a uma criança de 12 anos.
Patricia relata que no Brasil ainda não houve nenhuma multa aplicada pelas autoridades em relação a esse assunto, mas outros países como Portugal, Espanha, França, Itália e Suécia já aplicaram penalidades a instituições de ensino baseadas em leis como a LGPD.
Hoje, nos encontramos de frente a inúmeras possibilidades para a educação; ao trilhar esse caminho é preciso muito cuidado e humildade para lidar com tudo que é novo. Nisso a LGPD pode ajudar, assim como uma cultura de conscientização e educação midiática.
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