Mensalidades escolares: um panorama de como escolas, sindicatos, Procons e consultorias estão lidando com o tema
A suspensão das aulas presenciais vem representando um imenso desafio para as escolas do Brasil. Manter a saúde das instituições de ensino durante a crise atual é vital para mantenedores de instituições de ensino, mas não é uma tarefa fácil.
Para ajudar gestores a lidar melhor com esse desafio, o Escolas Exponenciais preparou um post especial com a visão de diferentes atores do mercado educacional brasileiro. Em um cenário em que a crise afeta a todos, é extremamente importante olhar não só para si mesmo, mas também ao redor. Gestão com as redes curtas, olhar no curto prazo e empatia são algumas das palavras de ordem do momento.
O que diz a Federação Nacional de Escolas Particulares (Fenep)
A Federação Nacional das Escolas Particulares (FENEP) congrega 40 mil escolas, que empregam 2,5 milhões de pessoas e que atendem mais de 15 milhões de alunos da educação infantil à pós-graduação. Desse total, 9 milhões cursam a educação básica.
Segundo a FENEP, de acordo com a Lei Federal 9.870/99, a escola não trabalha por mês, mas com uma anuidade, que é dividida em parcelas (normalmente 12), “de modo que não é necessária e direta a relação entre o pagamento da parcela e a prestação ou a disponibilização do serviço, por exemplo, necessariamente dentro do mês em que a parcela da anuidade venceu.“
A recomendação do presidente da FENEP, Ademar Batista Pereira, é que os pais procurem pagar as escolas, exaurindo as negociações, pensando em parcelamentos de mensalidades, jogando pagamentos para o fim do ano, de forma a minimizar os danos para todos os envolvidos no mercado educacional.
A FENEP alerta ainda que “é necessário termos claro e em mente que toda escola particular dará as 800 horas obrigatórias e, principalmente, vai fazer o trabalho contratado”.
De acordo com o parecer da Federação, “cabe a cada escola decidir, na medida do seu planejamento pedagógico e financeiro, se poderá fazer qualquer abatimento ou como fará para ensinar os estudantes. Não há o que se falar em desconto obrigatório, na medida em que os estabelecimentos entregarão os serviços contratados e estão desenvolvendo o trabalho pedagógico dentro dos limites do estado de calamidade, a partir, inclusive, dos instrumentos que o próprio sistema estadual de ensino normatizou. Por fim, as escolas têm sido orientadas a, dentro do que é possível, estudar alternativas junto a seus contratantes, para buscar acomodar os interesses e necessidades de todos os envolvidos.”
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A visão dos Sindicatos de SP, RJ e MG
O Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado de São Paulo (SIEESP) representa mais de 10 mil escolas, com um total de quase 2,3 milhões de alunos. Desse total de escolas, 80% são instituições pequenas, com entre 200 e 500 alunos. E são justamente essas escolas de pequeno porte que representam a maior preocupação para Benjamin Ribeiro da Silva, presidente do SIEESP.
“Essas escolas trabalham com uma margem de lucro muito pequena, diante de uma enorme concorrência no mercado. Se essas escolas derem descontos, elas não têm como sobreviver. As escolas que conseguem dar descontos fixos são as escolas mais caras e também as mantidas por fundações. As escolas menores não têm como fazer isso”, explica.
Benjamin conta que 75% do valor da mensalidade escolar hoje vai para pagamento de salários e encargos tributários, sendo 44,6% somente para pagamento de impostos, segundo dados da Fundação Getúlio Vargas.
“O único que a escola está economizando neste momento é um mínimo de energia elétrica e água, o que significa cerca de 1% do total”, explica o presidente do sindicato. “Sem falar no investimento que muitas escolas tiveram que fazer em plataformas de ensino a distância e capacitação de professores.”
No universo dos colégios pequenos, a maior preocupação de Benjamin é em relação a escolas com alunos de menos de três anos de idade, pois, diferentemente do que ocorre a partir do ensino fundamental, o cancelamento dessas matrículas é permitido.
“Essas escolas, da primeira fase da educação infantil, que não são obrigatórias, são as que vão enfrentar mais problemas, pois dificilmente vão conseguir receber as mensalidades como antes. Mas todos vamos ter de buscar maneiras de sobreviver”, afirma.
Uma das metas do sindicato é conseguir uma linha especial de empréstimo do governo para instituições de ensino, que possibilitaria às escolas se manterem no longo prazo.
“Muitos pais tiveram sua renda reduzida e nós orientamos que as escolas analisem os casos para não deixar de atender as pessoas nesta hora de sufoco. Este é um momento de conversa, de parceria, e de deixar tudo bastante claro. As escolas particulares no Brasil têm uma anuidade e como o ano letivo vai ser concluído, de forma a distância ou presencial, não cabe dar desconto. Uma possibilidade é postergar a cobrança de mensalidades de pais que tiveram a renda muito reduzida, mas de forma que elas sejam reembolsadas mais adiante, sem juros e correção monetária.”
Já o SINEP/MG (Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais) afirmou que as políticas de negociação fazem parte da rotina escolar muito antes da crise atual. “As escolas particulares são de livre iniciativa e podem negociar os descontos a partir de seus custos, de acordo com sua realidade. O que é impraticável é qualquer tentativa de determinar um desconto linear, comum a todas, como propõem alguns projetos de lei e o próprio Procon-MG”, diz o Sindicato.
O Sindicato acredita que cada escola possui uma realidade distinta e fica a critério de cada uma oferecer desconto aos pais neste período. Segundo o SINEP/MG, no entanto, os órgãos nacionais de defesa do consumidor (Senacon), têm defendido a manutenção integral dos contratos, uma vez que as escolas podem oferecer ensino remoto e poderão, se for o caso, ter as aulas presenciais repostas.
A orientação do SINEPE/RJ (Sindicato das Escolas Particulares do Estado do Rio de Janeiro) é também de que cada instituição negocie, caso a caso, dentro de suas realidades, a possibilidade ou não de concessão de desconto, o percentual a ser consentido, sempre na busca do diálogo junto aos responsáveis contratantes da escola. Além disso, o sindicato vem orientando aos pais a manterem as mensalidades em dia “para que o compromisso da escola com seus funcionários e professores possam ser mantidos, isto porque as aulas estão sendo mantidas em formato EAD.” Segundo Priscila Rocha, assessora de comunicação do SINEPE/RJ, “no estado, nos 61 municípios de nossa base, junto às escolas associadas, a notícia que temos é de que a inadimplência aumentou, significativamente, durante este período de crise, e que as instituições estão sofrendo forte redução de receita.”
A posição do Procon- SP
No dia 26 de março, a Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor), vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, divulgou uma nota recomendando que os consumidores evitassem cancelar, pedir descontos, reembolso total ou parcial em mensalidades de instituições de ensino que tiveram as aulas suspensas.
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O objetivo seria evitar uma desestruturação nas escolas, uma vez que as instituições têm sua programação anual – e alterações orçamentárias poderiam impactar despesas, como o pagamento de salários de professores e aluguel, entre outras.
Um mês e meio depois, em uma segunda nova nota técnica publicada no dia em 8 de maio, a Senacon fez novas recomendações, ressaltando a necessidade de avaliar descontos caso a caso, em vez de dá-los de forma linear, por razões como a diferença de porte das escolas e a multiplicidade de serviços oferecidos. “Descontos lineares não conseguem ser proporcionais às realidades tão distintas das instituições de ensino e dos casos concretos e podem comprometer irreversivelmente a continuidade da prestação do serviço por parte de algumas instituições de ensino ou, ainda, afetar a qualidade do serviço prestado, o que não parece ser desejável sob o ponto de vista dos interesses dos consumidores.”
A nota diz ainda que é importante que as instituições e os consumidores busquem soluções “negociadas, proporcionais e harmônicas, considerando as realidades individuais.”
No dia 11 de maio, a Fundação Procon-SP e o Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado de São Paulo assinaram um Termo de Entendimento estabelecendo diretrizes para a negociação com as instituições de ensino infantil, fundamental e médio.
Entre as diretrizes está a suspensão imediata de cobranças de qualquer valor complementar ao da mensalidade escolar, tais como alimentação, atividades extracurriculares, passeios, academia, serviço de transporte oferecido pela instituição de ensino. “Caso esses valores já tenham sido pagos no referido período, devem ser descontados na mensalidade subsequente.”
A nota diz ainda que a “instituição de ensino deve oferecer um percentual de desconto na mensalidade escolar, cujo valor pode ser proposto pela própria instituição, de acordo com a sua situação econômico-financeira. Embora seja livre o percentual de desconto a ser fixado, sua concessão pela instituição de ensino é considerada diretriz obrigatória.”
O Procon-SP diz ainda que todas as instituições devem ter ao menos um canal de atendimento ao consumidor. Além disso, para tratar de questões financeiras, as escolas devem negociar alternativas com seus clientes em 7 (sete) dias, sob pena de serem multadas por prática abusiva, por infração ao Código de Defesa do Consumidor. As negociações poderão resultar em alternativas como maior número de parcelas ou desconto no valor das mensalidades.
Fernando Capez, diretor executivo do Procon-SP, diz que foram recebidas cerca de 5.000 reclamações de pais de alunos que pediram para negociar com escolas e não foram atendidos. “As escolas tem o prazo de uma semana para atender os pais e negociar, devendo nessa negociação ouvir as necessidades do pai e apresentar uma solução. O Procon está atento e vai estimular as negociações diretas entre as partes, mas, se não der resultado, vai intervir e instaurar procedimento administrativo.”
As escolas que deram descontos fixos
A Escola Eleva, no Rio de Janeiro, decidiu oferecer um desconto de cerca de 12% nas mensalidades das suas unidades na Barra e de Botafogo, a partir de abril. O desconto é valido para durante o período do aprendizado a distância. Segundo a escola, as atividades extracurriculares foram suspensas e, por isso, não serão cobradas. Além do desconto fixo, a escola afirma “estar dialogando com as famílias impactadas economicamente pela atual conjuntura, para acompanhamento e suporte individual”.
Outra escola que decidiu adotar um desconto fixo foi a escola Corcovado, também no Rio. O desconto praticado – enquanto durar o ensino remoto emergencial – é de 15%.
O maior desconto fixo foi o anunciado pela escola Saint Paul’s, em São Paulo: de 30%. Em nota divulgada pela instituição, a escola reconhece que “são tempos excepcionais e que, para refletir esse cenário, a partir de abril, todos os meses em que a escola operar fora do local e virtualmente, vamos cobrar dos pais apenas 70% da mensalidade”.
Em reportagem publicada pelo jornal Folha de São Paulo, Arthur Fonseca, diretor da Abepar (Associação Brasileira de Escolas Particulares), explicou que as planilhas de custos de colégios de classe alta (e que só oferecem aulas em período integral), como o Saint Paul’s, são diferentes das dos demais colégios e, por isso, conseguem fazer tal redução.
“Escolas com esse perfil têm um grande investimento em segurança privada e custo com a alimentação dos alunos, que passam o dia inteiro na unidade. São despesas que foram cortadas ou reduzidas com a interrupção das aulas”, afirma na reportagem.
Qual a orientação de consultorias especializadas em gestão escolar?
O administrador de empresas Mauricio Berbel, sócio-fundador da Alabama, consultoria especializada em gestão de escolas, ressalta a importância de gestores exercerem sua liderança, para mostrar soluções pensando em todos os stakeholders envolvidos com as instituições de ensino.
“É hora de olhar o curtíssimo prazo, olhar o caixa da empresa para mantê-la com liquidez para realizar pagamentos. É importante evitar novos compromissos, novos investimentos, guardar recursos para atender as demandas das famílias mais impactadas pela crise, manter a renda de seus colaboradores, organizar prazos de pagamentos com fornecedores. É hora de olhar semana a semana e esperar a saída desta tempestade, que a gente ainda não sabe quando vai ser.”
Mauricio destaca também a importância de aproveitar as medidas provisórias do governo, que autorizam a redução da jornada de trabalho e salário por até três meses, a suspensão temporária do contrato de trabalho para reduzir a folha de pagamento, a postergação de tributos, o financiamento da folha de pagamento com taxas mais baixas…
Isso sem falar em uma política clara de concessão de descontos, para atender as famílias mais afetadas pela crise. O consultor, como o empresário Chaim Zaher, recomenda que os descontos sejam oferecidos a partir de negociações individuais, com base na real demanda dos pais e muito bem calculados (sem incluir serviços que a escola continua prestando a distância).
“Quem decidir dar um desconto maior provavelmente vai ter um impacto grande em alguns meses e pode acabar fechando. Muitas escolas estão tendo gastos ainda maiores do que antes, com investimentos em treinamento de pessoal, recursos tecnológicos, assessorias externas.”
Mauricio Berbel atenta ainda para o fato de que a volta às aulas não vai significar o fim dos problemas. Segundo ele, existem pais que ainda vão estar fragilizados economicamente por causa da crise atual.
“A reabertura das escolas não significa o fim da crise; esse impacto vai ser mais longo, mas existem boas maneiras de minimizar os danos.”
É exatamente essa postura individual que também defende Laís Bisordi, especialista em atendimento a instituições de ensino da consultoria Ponto de Referência. Segundo Laís, é preciso que os gestores de instituições de ensino tenham disposição para negociar caso a caso e renunciar à cobrança de multas e juros em eventuais atrasos conforme o caso.
“É essencial capacitar equipes de atendimento, para que elas saibam argumentar com os pais e justificar suas posições. As escolas precisarão ter flexibilidade para acomodar a situação, especialmente para avaliar casos de famílias parceiras de longa data, que sempre foram adimplentes e passam a ter dificuldades neste momento. Uma primeira alternativa é remanejar descontos concedidos a novos ingressantes ou atividades não essenciais, para os que já são alunos e essencialmente para os cursos regulares.”
Como fortalecer a sua escola para enfrentar a crise?
A visão de um dos maiores empresários do setor educacional: Chaim Zaher
O empresário Chaim Zaher é dono do grupo SEB, um dos maiores conglomerados educacionais do Brasil, líder no segmento da educação básica. O grupo tem cerca de 60 mil alunos em quase 50 unidades de escolas, em 18 cidades de 10 estados brasileiros.
Chaim Zaher afirmou em uma live promovida pelo jornal Folha de São Paulo, no dia 23 de abril, que “não é hora de demissão”.
“Demitir agora é uma covardia. Onde esse professor vai arrumar emprego se está todo “mundo parado?”, pergunta.
O empresário também não aconselha a demissão de funcionários internos, como porteiros, por ser um custo muito pequeno em relação ao total de gastos de uma escola. “É um prêmio ter alguém que conheça os pais e os alunos. Perder uma pessoa assim é fatal, principalmente em escolas pequenas”, afirma.
Chaim diz que nenhum salário do grupo SEB foi cortado: “esses colaboradores estão com você há muito tempo, foram treinados, e não tem sentido nenhum nesta hora fazer com que ele seja penalizado.”
O empresário aproveitou a audiência da live com a Folha de São Paulo para propor que o MEC crie um FIES (Fundo de Financiamento Estudantil) emergencial para todo o segmento educacional. “Com isso o governo poderia evitar problemas para pais e escolas. Se o governo fizer algo bem feito, bem calcado, com garantia e a um custo razoável, eu vejo isso como qualquer negócio, como o BNDES empresta para empresas, é a mesma coisa”, esclarece.
Segundo Chaim, a inadimplência dobrou e, em alguns casos, triplicou. “Em torno de 30% é o que está havendo nas escolas em geral”, afirmou.
Em relação aos descontos fixos praticados por determinadas escolas, ele chama atenção para o fato de algumas instituições estarem devolvendo as luvas que cobram para o aluno entrar na escola no início do ano. “E tem também escolas que são isentas de impostos, sem fins lucrativos, como a maioria das escolas religiosas, e isso permite que elas consigam flexibilizar.”
Para ele, a alternativa correta é negociar descontos caso a caso, avaliando, por exemplo, se o aluno já tem descontos prévios à crise atual e a real situação financeira dos pais no momento.
A importância da conciliação
Em todas as crises, existem muitas visões. Há diferentes olhares, sob diferentes ângulos, de uma situação que atinge muitas partes. Esta crise atual atingiu não somente um setor, como o educacional. Não somente um país, como o Brasil. Atingiu cada um de nós, cada família, o mundo inteiro.
É momento de escolas, pais, alunos e colaboradores trabalharem juntos. É preciso buscar as melhores soluções sob o ponto de vista financeiro, mas também – e sobretudo – a melhor forma de não comprometer o ano letivo de milhões de crianças e adolescentes que já há mais de um mês estão realizando estudo remoto emergencial (e ainda sem previsão para o retorno às aulas presenciais).
“Nós vamos ter que vencer. Nós já passamos por outras situações difíceis, talvez nunca como esta, mas nós vamos nos reinventar e vamos vencer. A gente tem pedido muito para que os pais tenham consciência desta situação e a resposta vem sendo muito positiva. A valorização da escola tem sido muito grande com os filhos em casa o dia todo”, finaliza Benjamin Ribeiro da Silva, presidente do SIEESP.
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