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Mais do que garantir boas notas nas provas deste ou do próximo semestre, a escola tem um papel muito importante a longo termo: permitir que o aluno se forme como uma pessoa completa, um cidadão responsável que sabe o que quer e possui a capacidade de tomar as decisões para criar uma vida saudável.

Hoje em dia, fica cada vez mais claro o fato de que a educação deve abranger mais do que apenas disciplinas de conteúdo intelectual – para a criação de cidadãos integrados e positivos, é preciso guiá-los pelos caminhos certos para cada um.

Essa nova visão de dar ao aluno autonomia para construir sua própria trilha é tão importante que foi até mesmo incluída como um dos pilares da nova BNCC (Base Nacional Comum Curricular). Eduardo Calbucci, CEO da Semente Educação, aponta que documentos como este são como um “norte”, e as competências gerais citadas na BNCC são uma “linha de chegada”, e não de partida. “Não existe uma atividade pedagógica que vai me permitir desenvolver essas competências gerais da BNCC” explica. “É um processo, um percurso de ensino e aprendizagem”.

Assim, uma vez que se concorda que certas habilidades devem ser desenvolvidas durante o percurso escolar, entra em cena o trabalho dos profissionais da “linha de frente” – que, em contato com os alunos, ajudarão esses jovens a criar seus próprios caminhos. Caminhos esses que devem ser flexíveis, podendo a qualquer momento ser repensado ou reajustado. “É quem está na ponta que conhece a realidade do aluno, da família, as dificuldades de aprendizado desse aluno, as particularidades de um determinado ecossistema escolar” reflete Eduardo. “É dessa maneira que a pessoa vai desenvolver as melhores estratégias para conseguir fazer com que o jovem, a criança aprimore as competências e habilidades que estão previstas na BNCC”.

Para que isso tudo aconteça de forma efetiva, Eduardo acha que é preciso que os professores mudem um pouco a sua mentalidade: em vez de apenas transmitir informações, algo que o Google faz muito rapidamente, é preciso que esses profissionais ensinem os alunos a lidar com elas; a interpretá-las e transformá-las, de fato, em conhecimento. 

Para isso, é necessário trabalhar nos alunos diversas habilidades como a comunicação, criatividade, pensamento crítico, iniciativa social, abertura ao novo, colaboração, resiliência, autogestão, responsabilidade. “Eu gosto sempre de dizer que todo professor, em qualquer momento da sua atividade, está trabalhando com essas competências, não existe professor que não esteja ensinando isso” explica Eduardo. “Só que normalmente isso é feito de uma maneira não sistematizada, não estruturada”. Segundo o professor, muitos desses educadores nem tiveram a formação acadêmica para lidar com essas competências nos alunos – o que os leva a trabalhar em um esquema de “tentativa e erro”. Não é preciso se desesperar, no entanto: hoje em dia, existem métodos com evidências científicas de funcionamento para a integração dessas características na educação. 

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Esclarecendo algumas dúvidas sobre a presença do projeto de vida na BNCC, Eduardo explica que não se trata de um elemento exclusivamente do ensino médio; o processo começa mais cedo para estabelecer uma base forte. “Na verdade, existe todo um pré-requisito que vem lá do nível fundamental e que se concretiza na última etapa da educação básica”, diz. É claro que hoje, professores em contato com alunos do ensino médio já contribuem para o desenvolvimento dos projetos de vida destes jovens, mas até agora isso tem sido feito, em grande parte, sem direção e sem intencionalidade. Segundo Eduardo, a mudança desse detalhe pode ser essencial. 

Mas diante de uma tarefa tão séria, como definir com responsabilidade e precisão um bom projeto de vida? O projeto se inicia como um plano no nível abstrato: é uma ideia que gradualmente, passando por um processo de particularização e concretização a partir da individualidade do aluno, toma forma. Mas para que essa evolução aconteça, o projeto precisa ser realizável – e de modo a entender como operacionalizar isso na escola, é preciso compreender que junto à BNCC vem um contexto de um novo ensino médio. 

Nesse novo modelo, ao lado da formação geral básica entram itinerários formativos de cada área do conhecimento. Assim, em um cenário mais flexível e individualizado, o aluno toma decisões sobre seus itinerários e sua jornada escolar com base no seu projeto de vida – e, possivelmente, influencia seu projeto com as novas possibilidades. Os referenciais curriculares para elaboração destes potenciais itinerários formativos são estruturados nos seguintes eixos: investigação científica, mediação e intervenção sociocultural, processos criativos e empreendedorismo. “É nesse quarto eixo estruturante do empreendedorismo que aparecem mais claramente as referências ao projeto de vida”, diz Eduardo.

Como mencionado anteriormente, o processo do projeto de vida começa cedo e de modo gradual. É importante, durante toda a educação básica, trabalhar com os alunos para que eles desenvolvam a estrutura necessária para concretizar seu projeto de vida quando chegarem no ensino médio. “A BNCC fala que esse processo se finaliza, se concretiza no ensino médio, mas ele tem que começar muito antes”, diz Eduardo. O professor, então, também sugere algumas competências socioemocionais chave – agrupadas em “famílias” – para o desenvolvimento de um projeto de vida bem estruturado:

  • A família da autogestão (nossa capacidade de executar as coisas), composta pelas habilidades foco, organização, determinação, persistência e responsabilidade; 
  • A família do sonho (que simboliza a abertura ao “novo”), composta pelas habilidades  curiosidade, imaginação criativa e sensibilidade estética;
  • A família da regulação emocional, composta pela habilidade de regulação do medo, da raiva e da tristeza, de emoções desagradáveis;
  • As famílias do relacionamento, que são compostas pelas habilidades de engajamento com os outros e amabilidade. 

Para Eduardo, é importante que todos entendam que um projeto de vida não pode se sustentar se o aluno em questão não tiver desenvolvido essas características mencionadas ao longo de sua jornada escolar até o ensino médio – quando, se essas competências estiverem bem trabalhadas, tal projeto finalmente se concretizará. 

O sonho, a coragem de imaginar algo tão grande quanto sua vida, é o começo dessa jornada; “Isso significa, muitas vezes, abrir mão da rigidez, abrir mão das nossas crenças” defende Eduardo. “Significa ter mais dúvidas do que certezas, manter uma postura de interesse permanente pelo aprendizado”. Ter um projeto de vida também é, portanto, parte da formação da cidadania de um aluno: não só aprender a compreender e planejar o que deseja para sua própria vida, mas também para a sociedade em geral.

Para que esse sonho se transforme em algo real, é preciso um bom manejo da autogestão, exercitando muito foco, concentração, organização e determinação. Também é necessário ter consciência de que as coisas muitas vezes não dão certo na primeira tentativa, e todas essas habilidades terão que ser colocadas à prova repetidamente apesar de eventuais fracassos. Além disso, quando nos dedicamos a um projeto de vida, formamos um compromisso com nós mesmos – o que exige uma enorme e constante responsabilidade.

Eduardo lembra que, para que tudo isso dê certo, ainda precisamos de um elemento tão primitivo mas essencial: a conexão humana. Mesmo que tenhamos uma boa autogestão, se não formos capazes de nos relacionarmos bem com outras pessoas, é difícil criar um ambiente harmônico onde podemos trabalhar em nossos projetos. Pensando nisso, o conceito do “circumplexo” diz respeito à relação entre a família do engajamento com outros e a família da amabilidade. A família do engajamento com os outros – os relacionamentos iniciais, características do começo das relações onde ainda estamos conhecendo a outra pessoa –  depende da habilidade de iniciativa social – ou seja, a capacidade de vencer o nervosismo e a ansiedade para assertivamente iniciar contatos e relações. 

É claro que, uma vez iniciadas, essas relações precisam ser mantidas – e para isso é necessário exercitar muito bem a amabilidade e a empatia – considerando o lugar do outro – e o respeito – valorizando a reciprocidade e tratando os outros da forma como gostaria de ser tratado. Isso tudo colabora para a formação da confiança, que é algo fundamental para viver bem e em harmonia.

Por fim, qualquer pessoa lidando com projetos de vida precisa saber que – devido à natureza da própria vida – mesmo que planeje e realize bem um projeto e cultive relações saudáveis, haverá erros e dificuldades. Um exemplo de obstáculo é a pandemia do Covid-19, que marcou os últimos tempos e com certeza afetou (e está afetando) os projetos de vida de inúmeros indivíduos ao redor do mundo. 

Devido à imprevisibilidade do tempo, os projetos de vida não podem ser rígidos e imutáveis, avisa Eduardo: “Precisamos o tempo inteiro repensá-los, adequá-los às novas necessidades, não adianta nada eu ter um projeto de vida, o mundo mudar e eu não fazer esse ajuste”. Ensinar os jovens a possuir essa flexibilidade e a ver a vida como algo em constante construção os ajuda a cultivar resiliência.

E, já que é impossível viver sem desafios, também é preciso aprender a reconhecer e regular as inevitáveis emoções ruins que aparecerão junto com eles – “principalmente o medo que está ligado a uma percepção de risco, perigo, a raiva que está ligada a percepção de injustiça, e a tristeza que está ligada a percepção de perda”, conta Eduardo. “Se eu não consigo modular essas emoções, o meu projeto de vida pode implodir”.

A modulação emocional, como qualquer outra competência socioemocional citada até agora, pode ser aprendida e exercitada – essas características não são inatas, e precisam ser praticadas com frequência e paciência, assim como atividades como andar de bicicleta ou aprender outra língua. Esses exercícios são importantes porque essas habilidades, mais do que úteis, são insubstituíveis no desenvolvimento escolar e constituem a base de um projeto de vida. 

Desse modo, se essas capacidades foram trabalhadas, o projeto de vida concretizado no ensino médio é, segundo Eduardo, simplesmente um “coroamento” do desenvolvimento do indivíduo – por outro lado, o projeto completo provavelmente nem tem chance de acontecer sem aquele apoio socioemocional. “Quando você trabalha com as competências socioemocionais, você está dando todos os elementos necessários para que os jovens construam seus próprios projetos de vida” diz o CEO. 

Esses talvez sejam alguns dos aprendizados mais desafiadores do processo da educação – tanto para professores quanto para alunos, sem notas escritas mas ainda assim apresentando provas constantes no dia a dia dentro e fora do ambiente escolar. No entanto, são também, possivelmente, os mais importantes e significativos; afinal, moldam, de vida em vida que passa pela sala de aula, o futuro da próxima geração. 

 

Assista a palestra completa:

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