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No fim de maio, o Brasil se chocou com os ataques racistas sofridos por Vini Jr, um dos maiores jogadores de futebol do mundo. As ofensas escancaram um racismo que, em geral, se manifesta de forma velada, mas precisa ser combatido por toda a sociedade. E as escolas têm um papel fundamental nessa discussão. 

O próprio Vini Jr defende que o combate à estrutura racista precisa começar desde cedo. Ele criou um instituto que desenvolve um programa de educação antirracista para as escolas e tem como lema “a base vem forte” –  por entender que a nova geração não vai mais reproduzir ou tolerar o racismo. Para saber mais sobre o que é necessário para construir uma escola antirracista, clique aqui

O instituto atua em duas escolas do Rio de Janeiro e tem como foco os temas: solidão da criança negra no ambiente escolar, a sutileza do racismo recreativo, como o racismo atravessa as pessoas e como ser um educador antirracista. 

A proposta do programa desenvolvido pelo jogador indica caminhos importantes que podem ser percorridos pelas escolas de todo o país para uma educação antirracista. 

 

Ataques racistas: como combater nas escolas

É na escola onde crianças e adolescentes constroem os primeiros aprendizados e fazem descobertas sobre a vida. É também nesse espaço onde têm as as primeiras experiências de preconceitos e violências, por isso, é importante que os educadores tenham consciência da importância do combate do racismo no ambiente escolar. 

O ensino antirracista é obrigatório no país há 20 anos, desde que um lei em 2003 incluiu o ensino da história e cultura africana e afro-brasileira nas salas de aula. Mas uma educação que busque combater o racismo precisa ir além de apenas mudanças curriculares.

“A escola é onde as crianças passam a maior parte do tempo, mais até do que com a família. Por isso, é onde vivenciam o que vai formá-las. Além disso, é na escola que entram em contato com a diversidade, seja religiosa, econômica, de gênero ou de raça. Então, é nesse espaço que temos maior força para combater o racismo”, diz Débora Vaz, diretora pedagógica do colégio Santa Cruz. 

Para ela, o primeiro e mais importante passo é que as escolas não tolerem nenhum tipo de racismo. “Não podemos mais tratar como brincadeira ou algo menor. Racismo é crime e muito sério. Qualquer tipo de manifestação precisa ser coibida de forma rápida e incisiva”, diz. 

“Para muitos adultos, as primeiras e mais terríveis memórias de racismo aconteceram dentro da escola. Não podemos compactuar com essa marca dentro do espaço escolar.”

 

Mudanças curriculares

Outra mudança importante destacada por Débora é revisitar a forma como os conteúdos são pensados dentro da escola. Essa revisão, que é prevista pela lei de 2003 sobre o ensino da história africana, faz com que a raiz do racismo seja apresentada aos alunos. 

“Tradicionalmente, os conteúdos escolares são muito eurocentrados, o que nos faz apresentar às crianças e aos jovens uma perspectiva muito equivocada sobre os povos africanos e o que de fato significou a escravidão no mundo.”

“Ao revisitar os textos históricos e apresentar essa nova visão, os educadores contribuem para não perpetuar interpretações racistas da história brasileira e nem de desvalorização da cultura negra e indígena, como aconteceu até aqui”, destaca. 

 

Protagonismo negro no ensino

Na rede municipal de ensino de São Paulo, muitas escolas têm se destacado por mudar a forma como ensinam história desde a educação infantil. Os contos trabalhados em sala com as crianças não são mais apenas os tradicionais, muitas vezes privilegiando a cultura europeia, mas têm buscado trazer mais atores africanos. 

A abordagem, por exemplo, traz personagens como a guerreira Danda, mulher de Zumbi dos Palmares, a cantora Dona Ivone Lara ou a artista Lia de Itamaracá. As crianças pesquisam sobre elas e, a partir das descobertas, trazem questionamento sobre a cor da pele das protagonistas ou por que algumas delas foram discriminadas.

O currículo das escolas municipais paulistanas também tornou obrigatória a apresentação de conteúdos sobre a resistência dos negros, contando aos estudantes, por exemplo, episódios como a Revolta dos Malês, levante de escravos muçulmanos na Bahia ocorrido em 1835. Acontecimentos que antes não eram apresentados em sala de aula. 

“Ao revisitar a história em todas as áreas do conhecimento e valorizar a importância dos negros e indígenas em nosso país, conseguimos abordar questões que muitas vezes ficam embaixo do tapete. A educação antirracista requer coragem, porque ela perpassa questões que a sociedade fingi não ver”, diz Débora. 

“O Brasil é conhecido por praticar um racismo velado, ou seja, todo mundo sabe que acontece, mas finge não existir. O combate a essa discriminação passa primeiro pelo seu reconhecimento e isso exige muita coragem.”

 

Perfil racial das escolas

Em algumas escolas, os próprios pais já começam a reconhecer que a educação para combater os ataques racistas de maneira efetiva depende da mudança do perfil dos estudantes. Em colégios particulares, por exemplo, os negros ainda são minoria o que faz com que a diversidade seja mínima. 

Na capital paulista, por exemplo, 35,7% das crianças e adolescentes em idade escolar são negros. No entanto, as escolas particulares da cidade, tem apenas 10% de alunos negros. 

Em 2020, um movimento formado por pais de alunos, chamado ‘Escolas Antirracistas’, pressionou a direção de 22 colégios tradicionais de São Paulo para que criassem políticas de bolsas para estudantes pretos e pardos e para a contratação de mais professores negros. 

Caio Maia, um dos pais que esteve à frente do movimento, diz que a proposta partiu de um incômodo das famílias ao constatarem que os filhos só conviviam com crianças e professores brancos dentro das escolas. 

“Se queremos que nossos filhos tenham uma postura diferente, que entendam o racismo de uma forma diferente da que vemos hoje, eles precisam de diversidade. Não dá pra esperar que eles pensem diferente se só veem negros trabalhando na escola como porteiros ou faxineiras.”

No Santa Cruz, colégio um dos filhos de Maia estuda, os pais fizeram doações para custear as mensalidades de alunos negros. Em 2022, 11 alunos pretos e pardos ingressaram na escola com bolsas parciais ou integrais. No mesmo ano, a escola contratou 36 educadores negros. 

“Alguns aprendizados só acontecem no convívio. Por séculos, a elite brasileira só conviveu com a diversidade racial entendendo a inclusão dos negros na prestação de serviços, no trabalho doméstico. Agora, é preciso um esforço para que esse convívio seja de fato entre pessoas na mesma posição”, diz Débora. 

Segundo ela, a mudança do perfil na escola já trouxe aprendizados e resultados positivos.

“É uma mudança que causa desconforto nos educadores e nos pais, porque a convivência nos faz perceber comportamentos e pensamentos racistas. Mas é um desconforto necessário para que, de fato, a gente comece a mudar a estrutura racista existente”, conclui. 

 

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