Falta literatura afro-brasileira nos livros didáticos do ensino médio
Os livros destinados ao ensino médio, tanto público quanto privado, ainda não atendem totalmente às recomendações da Lei 10.639, de 2003. Esta lei altera uma anterior, a de 20 de dezembro de 1996, de número 9.394, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira.
Em sua pesquisa de mestrado desenvolvida na Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), a educadora Debora Silvestre Missias Alves analisou a abordagem da literatura afro-brasileira nos conteúdos dos livros didáticos destinados ao ensino médio.
Sob a orientação do professor Jefferson Agostini Mello, Debora realizou a pesquisa O ensino de literatura afro-brasileira nos livros didáticos. Para realizar seu estudo, ela analisou as obras didáticas mais vendidas nos anos de 2018, 2019 e 2020, além das mais distribuídas pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) em 2018.
“Em linhas gerais, constata-se poucos autores e poucas obras literárias afro-brasileiras apresentadas aos alunos”, descreve a pesquisadora, ressaltando que, mesmo com a existência de aspectos que caracterizam a literatura afro-brasileira, “ainda existem lacunas nos textos didáticos”.
Não há como desconsiderar a literatura afro-brasileira do cenário literário nacional; ela é uma ideia que atravessa a literatura brasileira.
Conceito em construção
Para Debora, a literatura afro-brasileira não pode ser considerada um conceito fechado, mas em construção. “Temos de analisar sob diversas nuances”, observa. “Há ainda outras nomenclaturas para se referir a essa literatura, como literatura negra ou negro-brasileira. Defendo que todas são relevantes para entendermos a construção do conceito, mas o que a pesquisa aponta é que, importante, de fato, é que essa literatura esteja presente nas salas de aulas.”
E a educadora fala com base em sua relação profissional com o objeto de sua pesquisa. “Atuei no ramo editorial didático durante anos e sei o quanto a produção desses materiais é intensa e, também, tensa. Afinal, são muitos colaboradores envolvidos, custos, prazos e diretrizes oficiais que devem ser cumpridos. Assim, considero que o livro didático deve ser analisado de uma maneira mais abrangente”, avalia Debora.
Seguindo esse direcionamento a pesquisadora analisou o livro didático considerando três facetas: como mercadoria, como recurso para o professor e como reflexo de práticas culturais.
Com relação à lei, pode se constatar que ela não garantiu que a literatura afro-brasileira fosse contemplada de maneira satisfatória. Torna-se, assim, necessário um esforço constante para que a gente consiga fazer com que essa lei seja de fato cumprida no espaço escolar.
Os autores
Para a educadora, não há como se falar em literatura afro-brasileira sem mencionar autores que são considerados precursores, aqueles que escreveram até a primeira metade do século 20, como Luiz Gama e Maria Firmina dos Reis.
Há também autores que escreveram a partir da segunda metade do século 20 e os contemporâneos. “Entre estes, os contemporâneos, vale destacar a produção dos Cadernos Negros, ininterrupta por décadas. Também destaco nomes como Conceição Evaristo, Jeferson Tenório, Eliane Alves Cruz, Cuti, Esmeralda Ribeiro e Oswaldo de Camargo”, cita a educadora, destacando que, na literatura infantil, há nomes como Kiusam de Oliveira, Otávio Júnior e Geni Guimarães.
Nas obras analisadas, a educadora observou nomes como Cruz e Souza, Machado de Assis e Lima Barreto. “Eles são os únicos autores que aparecem em todos os livros analisados, pois conseguiram alcançar reconhecimento”, diz. Outros, segundo ela, são apenas mencionados. “O próprio Luiz Gama aparece somente em duas oportunidades, de maneira breve, sem uma análise aprofundada.” Como suporte a consultas sobre a literatura afro-brasileira, a pesquisadora sugere o site Literafro, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Mais informações: deboramissias@yahoo.com.br
Texto: Antonio Carlos Quinto, Jornal da USP
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