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Depois de um ano tão conturbado quanto 2021, não é surpresa que as expectativas para a educação – uma área que vem sido fortemente afetada desde o início da pandemia – em 2022 envolvam ansiedade e preocupação. Por isso, para que escolas e educadores estejam preparados para enfrentar novos (e velhos) desafios, é essencial saber o que esperar neste novo ano.

De acordo com o psicoterapeuta e educador Leo Fraiman, no entanto, existe uma coisa mais importante ainda a se considerar: o que a educação espera de nós. Essa reflexão faz parte de uma conversa ainda mais ampla sobre a necessidade de um projeto de vida; “nesse momento, mais importante do que o que queremos da vida, da família, do aluno, do professor, do outro, é pararmos para nos perguntar o que a vida quer de nós”, explica Leo.

Uma nova perspectiva para a educação em 2022

Para entender para onde vamos, precisamos considerar nossa própria “inospitalidade natural”, conceito mencionado por Heidegger – ou seja, o fato de que, diferente dos animais, nós, humanos, não sabemos naturalmente nosso lugar no mundo, e por isso estamos constantemente procurando por ele. “O lugar do ser humano é o mundo, isso por um lado nos dá liberdade, mas dá também uma coisa difícil de lidar chamada angústia”, diz Leo. Isso se reflete, na esfera da educação, nas escolhas de itinerários – que são um “caminho entre um lugar e outro”, segundo o psicoterapeuta. 

Pensando no itinerário ideal para 2022, Leo traz alguns pontos importantes para a sua construção:

O primeiro é entender que “ao contrário do que o senso comum diz, é a felicidade que gera o sucesso, não é o sucesso que gera felicidade”, conta Leo. Estudos mostram que a felicidade (ou falta dela) tem efeitos diretos em nossa saúde, nossa produtividade, nossos relacionamentos e nossa resolução de problemas. 

 

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Além disso, hoje sabemos que a neurogênese – formação de novos neurônios – acontece até o último dia de nossas vidas; “ou seja, podemos construir felicidade como podemos construir músculo”, diz Leo. “E  se você tiver que trabalhar uma temática na sua escola, trabalhe a felicidade, compre a batalha contra os inimigos internos”. É essencial garantir que a escola não seja um lugar onde se aprenda – mesmo que inconscientemente – a temer o mundo e o futuro, colocando o cérebro em estado de “lockdown” e travando a criatividade, o que pode gerar uma “profecia autorealizada”, como diz Leo: “tememos o futuro, não nos empenhamos para criá-lo e está criada a espiral negativa”.

 A neurociência nos mostra que a realidade tem a ver com informação e foco, portanto nossos hábitos também são capazes de moldar o mundo ao nosso redor. Desse modo, se nos acostumamos a consumir apenas conteúdos – sejam eles noticiários, séries ou filmes – negativos, nosso cérebro constrói um cenário negativo. Isso também pode acontecer na educação, tanto com professores quanto com alunos, e por isso é muito importante considerar uma obrigação da escola: a construção da saúde mental. 

Saúde mental na escola

Leo lembra que, segundo o autor Yuval Harari no livro “21 lições para o século 21”, a saúde mental é uma das principais competências do futuro. Assim, deve fazer parte da experiência escolar para garantir o desenvolvimento pleno dos alunos, principalmente considerando o momento inquieto que vivemos atualmente no Brasil. “estamos vendo uma pandemia de distração, de falta de foco, de mimo, de superproteção”, reflete o especialista. “Cada vez mais pais e mães dando dedada na cara do professor”. Ele afirma que esse tipo de atitude criará indivíduos cada vez mais carentes, individualistas e machucados.

O primeiro passo para mudar essa realidade, diz Leo, é aprender a cuidar do público interno, começando pelos professores – já que isso indica muito, também, sobre como o gestor cuida dos alunos. “Eu acredito do fundo do meu coração que uma escola que vê o seu professor como custo é uma escola sem valores, simples assim’, afirma Leo. “O professor não é custo, investir em uma formação continuada é um ato de sabedoria, de ética, de dignidade”. Ainda lembra que uma escola pode ter a tecnologia mais avançada do mundo, mas se o professor não está motivado e qualificado, nada importa; “agora, está chovendo, não tem luz, o professor está afim, leva os alunos para debaixo da garagem e consegue, com uma vela, dar uma aula legal”, fala.

Para que esse tipo de relacionamento aconteça, é indispensável que o professor se sinta valorizado, amado, parabenizado e acolhido – ou seja, é necessário que sua felicidade também seja prioridade. No cenário atual, é compreensível que os professores estejam especialmente cansados e desiludidos; por isso é mais importante do que nunca investir neles, não apenas de forma monetária, mas também de forma humana e emocional. 

“A primeira questão é entender que o cérebro humano precisa de perspectiva para que esse professor já comece a repensar seu projeto de vida”, diz Leo, que encoraja os líderes a investirem na esperança em vez do desespero. “Precisamos lembrar que, por trás do crachá, tem uma pessoa, tem uma mãe, um pai, um filho, um ser humano que está lá se matando, na linha de frente, tomando pancada do aluno, da sociedade, da família”. Muito se fala sobre a valorização dessa profissão, mas pouco se faz concretamente – o que é uma pena, porque muitas vezes gestos simples podem fazer toda a diferença.

O que não pode faltar na escola em 2022

Leo também indica a importância de cultivar, entre professores, alunos e pais, um “mindset de processos” baseado na cultura do “ainda não”: é importante que um líder tenha a capacidade de acolher alguém que está com dificuldades e admitir quando ainda não se sabe de uma solução, mas continuar o caminho de descoberta junto ao indivíduo. Afinal, uma das atitudes mais tóxicas que se pode ter é prestar atenção apenas aos erros de alguém e considerar seus acertos “nada mais que a obrigação”.

Considerando a totalidade da vida de um aluno para promover a melhor experiência escolar possível, é claro que não podemos esquecer de envolver a família. Aliás, cada vez mais vemos instituições criando as chamadas “escolas de pais” – mas Leo avisa que não adianta simplesmente dar uma palestra e esperar uma solução mágica. A educação familiar envolve muito esforço e ações positivas, incluindo a construção de conteúdos relevantes nas redes sociais, receber pais e mães que podem agregar dicas ou conhecimento ou realizar contribuições, criar rodas de conversas sobre assuntos relevantes como sexualidade, limites, alimentação e escolha profissional. “A escola muito raramente tem rituais de alimentação dos pais e mães”, diz Leo. Assim, ações como a criação de um grupo familiar composto por uma psicóloga, dois professores e um conselho de quatro mães e quatro pais, por exemplo, pode fazer toda a diferença tanto na vida escolar quanto na de casa.

 Outro ponto que vale a pena ser lembrado é utilizar as diversas disciplinas não apenas para transmitir conteúdos teóricos da maneira tradicional, mas criar uma rede interdisciplinar onde cada área pode efetivamente gerar engajamento e refletir positivamente na vida de todos. Por exemplo, os próprios profissionais da área de ciências biológicas podem trazer à tona o assunto do sono de qualidade, de alimentação saudável ou autocuidado, conscientizando os demais colegas e alunos sobre a importância desses tópicos. Ou, no caso dos professores de educação física, uma roda de conversa sobre disciplina e rotina, explicando como esses aspectos são incluídos em grandes times – e como podem, também, ajudar na vida escolar. Os profissionais da área de literatura, por sua vez, podem criar uma curadoria de filmes, séries ou livros que falem sobre empreendedorismo – permitindo que os alunos desenvolvam essa habilidade de uma maneira mais divertida.. As possibilidades, como se pode ver, são inúmeras, limitadas apenas pela criatividade da escola. 

O que Leo propõe é que a escola se torne esse lugar de acolhimento e inspiração, permitindo que cada área do conhecimento, como pede a nova BNCC, desenvolva as novas competências socioemocionais de forma interdisciplinar. Os próprios professores podem trazer suas experiências de modo a melhorar o ambiente escolar: “certamente você terá entre seus professores algum que faz yoga, mindfulness ou meditação e pode ensinar para os colegas”, diz Leo. A partir disso, as atividades podem crescer e tomar vida, se tornando evidências da preocupação da escola com o bem estar de seus professores e alunos: “fazer um campeonato e medir o check up de todo mundo, dividir os professores em grupos de quatro, e a cada trimestre nós vamos medir, aqueles que melhorarem seus índices de saúde terão um bônus, um mimo, um presente”, imagina Leo.”Já pensou trabalhar em um lugar assim, que se preocupa nesse nível com a sua saúde física e mental?”.

É possível inclusive incentivar um hábito de cuidado entre professores e alunos, criando uma relação mais humanizada dentro da escola; assim, o professor deixa de ser uma “coisa”, um objeto utilizado para aprender, e se torna um ser humano, um colega. Rodas de educação por pares com os professores – “a chamada peer to peer education” – são, segundo Leo, um dos atos que geram mais impacto com menos custos;  é uma ótima ideia para permitir a construção de relações e a colaboração entre os profissionais. Para os alunos, rodas de gratidão e atividades onde se documenta situações de solidariedade, empatia e compaixão são formativas e podem agregar muito. 

Ressignificando o futuro da escola

A escola pode ser mais do que sua definição tradicional – ela pode ser um lugar de fato inovador com capacidade de mudar vidas para melhor – tanto as de seus alunos quanto de seus professores e empregados. “Já imaginou trabalhar, conviver em um ambiente onde, de tempos em tempos, conversamos sobre o sono, o bem-estar, nossa saúde, nosso cuidado? O seu professor, à medida que ele se sente cuidado e olhado, ele retribui com o melhor dele”, contempla Leo. “Às vezes queremos que o liderado, o professor, que o outro nos dê isso, faça aquilo, mostre aquilo, mas o bom líder olha para dentro de si, que contexto estou criando para que essa flor desabroche?”. 

Por último, Leo nos convida a pensar não apenas sobre os efeitos do estresse pós traumático que ficou como consequência da pandemia de Covid-19 (seja pela experiência de contrair Covid, de ver alguém sofrer com a doença, de perder um familiar amigo ou de simplesmente ter que lidar com o medo da situação), mas também, em um ato de esperança, na superação pós traumática: de acordo com Richard Tedeschi, da Universidade da Carolina do Norte, esse fenômeno pode acontecer em um contexto “humanizado e inspirador”. “São aquelas pessoas que após um evento difícil, um divórcio, um luto, uma grande perda, elas se sentem inspiradas, encorajadas, acolhidas e orientadas, motivadas a investir no seu projeto de vida”, explica Leo. “E isso é o verdadeiro milagre, esse é o verdadeiro segredo do sucesso, é que na verdade não tem segredo, o sucesso é uma construção diária.”

Apesar de vivermos em um país “mal educado”, segundo Leo, o psicoterapeuta vê o futuro da educação com esperança – principalmente considerando que o Brasil é um país novo, e tem muito a fazer. “Isso tem que servir para nos inspirar, não é para pirar”, avisa. “Porque olhamos um país tão mal educado, quando olhamos nossas grandes lideranças, olhamos no dia a dia, pessoas furando fila, que ficam no celular no trânsito, tem tudo para fazer, teremos cada vez mais que aprender a colocar o aluno como protagonista, ou seja, sair daquele papel de ‘eu sei e o aluno não sabe’, para provocar, instigar o aluno, criar o novo”.

A valorização da saúde mental, portanto, deve ser a principal tendência para a educação em 2022. Apesar de termos passado por anos especialmente traumáticos – e, talvez, até mesmo por causa disso – estamos cada vez mais perto de tornar as escolas lugares onde é possível não apenas pensar e repensar a vida, mas também torná-la melhor, mais feliz e completa. 

 

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