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Para transformar o mundo, a educação também precisa estar em constante transformação; e as escolas são elementos fundamentais para que isso ocorra. Depois da pandemia, ficou ainda mais claro que o funcionamento da escola não é como o de uma fábrica, mas sim de um ser vivo (que precisa se manter saudável). Porém, com tantas escolas tão diferentes e em um momento repleto de mudanças, o que isso significa?

Tudo – inclusive o processo de aprendizagem – começa nos porquês, ressalta Luis Laurelli, gestor e consultor educacional que já assumiu os papéis de professor de física, coordenador e diretor geral em instituições escolares diversas. 

Sendo assim, para que alguém aprenda algum conteúdo, é natural que a pessoa deseje saber a importância do assunto, principalmente os jovens, já que alguns conceitos podem parecer muito abstratos. Similarmente, uma escola também precisa ter um porquê de ser, e a equipe precisa saber onde quer chegar (além de conseguir mostrar isso às famílias).

Um novo olhar sobre a escola

Atuando hoje como diretor educacional da Isaac (plataforma de serviços financeiros para escolas), Laurelli afirma que vivemos um tempo de muitas mudanças, sendo que algumas delas vieram pós-pandemia. “A gente vivia em um mundo que era norteado pelas engrenagens”, explica, fazendo referência ao tipo convencional de escolas que preparava uma “mão de obra da revolução industrial” – ou seja, indivíduos que deveriam aprender a repetir. 

Depois da pandemia da Covid-19, os professores e educadores foram obrigados a se adaptarem muito repentinamente, se aproximando muito rápido de uma tecnologia com a qual nem todos estavam familiarizados. Apesar do desejo de alguns de voltar aos tempos antigos, algumas mudanças passaram a fazer parte da educação. “Muitos querem que acabe logo esse negócio para voltar ao modelo tradicional e não percebem que nós passamos a ser um organismo vivo”, reflete Laurelli. “Ou seja, nós passamos a ser um corpo que passa a ser uma instituição que não pode ser amarrada por uma engrenagem, mas uma instituição que tem muita circulação dentro dela para fazer esse corpo se mover”.

O caminho para a inovação

Ver a escola com esse olhar, pensando na instituição como um organismo, envolve adotar soluções inovadoras – o que não é fácil, já que é preciso senso crítico para determinar quais realmente são o que dizem ser ou não.

Para Laurelli, um dos recursos de fato inovadores é o modelo iCubed i3, que apresenta etapas da evolução escolar na seguinte ordem: 

  • Integrar: representado pelo “i” elevado à zero, ou seja, baseado em uma situação onde não ocorre nenhum tipo de transformação e que consiste em “manter o equilíbrio dentro da caixa”; 
  • Aperfeiçoar: depois, no “i” elevado à um, com uma melhora em algum setor (por exemplo, na gestão), é possível começar a aperfeiçoar o que já está lá, mesmo que essas coisas ainda existam “dentro da caixa”.
  • Inovar: Com nossa própria criação do futuro, avançamos e chegamos no “i” elevado ao quadrado, que representa a ideia de inovar, superar os limites da caixa e buscar novas oportunidades. 
  • Inventar: O “i” ao cubo, finalmente, significa a capacidade de criar algo completamente novo. 

O modelo iCubed i3, criado por Thomas Rudmik, fundador da escola canadense Master Academy and College, foi pensado ao redor de um conceito de aprendizagem profunda. Esse método tem o objetivo de formar alunos com competências inovadoras e criativas e que sejam, portanto, inventores. 

É preciso muito desenvolvimento e organização para que uma escola finalmente entre na fase inovativa, criativa e inventiva. “Eu não estou falando em mudança, estou falando em transformação”, diz Laurelli. “A transformação é uma coisa de essência, é uma coisa de dentro, é uma coisa que você fala: ‘nós somos assim’”, destaca.

É claro que, para chegar e manter esse nível de sucesso, a escola precisa ter autoconhecimento, além de conhecimento sobre seus clientes. Ou seja, vale questionar: “quem são as crianças que frequentam minha escola hoje em dia? Como elas são diferentes das crianças de outras idades, por exemplo?”. Entender como funcionam as cabeças dos alunos e quais demandas não estão sendo alcançadas é essencial para criar um ambiente provocativo e interessante.

Neurociência, tecnologia e educação

Todo esse modo de transformar a educação, lembra Laurelli, é apoiado pela neurociência, que nos permite entender como as pessoas aprendem de maneiras diferentes. 

A plasticidade cerebral é um bom exemplo: mesmo depois que envelhecemos, o cérebro também é capaz de se adaptar e flexibilizar. No entanto, sabe-se que uma criança de 1 a 3 anos é capaz de fazer um número enorme de sinapses, e essa quantidade vai diminuindo com o tempo. “A gente não aproveita mais essa fase mágica de conexões incríveis que essas crianças fazem”, diz Laurelli. 

Para ele, continuar tentando manter o status quo com essas crianças, obrigando-as a fazer as coisas sempre do mesmo jeito, é um desperdício. “Porque quando o professor dá aula ao mesmo tempo para todos do mesmo jeito, ele perde aqueles que têm dificuldade e ele perde aqueles que são ‘seres imaginais’, que querem inventar, que querem construir”, explica.  “A gente não pode mais fazer isso. Não tem mais saída, o ensino será adaptativo”. 

E a tecnologia é, inegavelmente, uma parte da adaptação desse futuro, por mais que tentemos resistir. “O uso de tecnologia contribui para o desenvolvimento da plasticidade cerebral na mesma proporção que as novas gerações utilizam”, explica. 

Segundo Laurelli, a escola talvez seja uma das instituições com mais dificuldade de avançar nesse sentido, já que lida com o efeito da tecnologia na velocidade de processamento, transmissão sináptica e habilidades das crianças – que são muito sensíveis a estímulos e se adaptam rapidamente a novas tecnologias. Essa maior facilidade se deve à falta de medo de errar nessas crianças. 

A primeira megatendência de mudanças previstas pelo futurologista suíço Gerd Leonhard é a digitalização. “Não tem mais volta”, afirma Laurelli. “A gente viu acontecer com os discos, com os filmes, estamos vendo acontecer com os livros, a gente vai precisar se digitalizar”. Hoje, as crianças já nascem em um mundo altamente digitalizado, até mesmo dinheiro e bancos – e as máquinas responsáveis por tudo isso ficarão cada vez mais inteligentes. Os alunos já mudaram o status quo ao reconhecer o mundo assim, e a escola não pode negar essa realidade, como diz Laurelli.

O vírus do Cinismo

O especialista ainda menciona o conceito de Cinismo, originalmente uma escola filosófica grega na qual os filósofos menosprezam os pactos sociais e defendiam o desprendimento de bens materiais. Atualmente, no entanto, o termo se refere a um comportamento caracterizado pelo fingimento, falsidade, hipocrisia e descaso por normas sociais ou pela moral. Assim, explica Luis Laurelli, o Cinismo – não o de Diógenes, mas o Cinismo no sentido atual da palavra – é extremamente prejudicial para as organizações. 

Felizmente, existem pessoas dentro das instituições que podem ajudar a combater esse Cinismo. É importante que esses “seres imaginais”, como diz Laurelli, trabalhem onde trabalham por acreditar no propósito da escola, e isso começa com o gestor. 

“O gestor, se for imaginal, transforma completamente a escola, e ao transformar sua escola, ele transforma uma comunidade, e transformando uma comunidade ele transforma um país”, diz o educador. “E ele pode transformar o mundo se a gente juntar muitos ‘seres imaginais’ que têm essa capacidade, que tem essa competência e querem fazer isso”. 

Para lidar com o Cinismo dentro de uma escola, é essencial que a gestão mostre se importar e valorizar as opiniões desses profissionais; e isso deve ser feito não apenas em palavras, mas em ações. Além disso, a equipe inteira precisa ser congruente com o que fala – e é esse tipo de união que mantém a saúde do complexo e sensível organismo vivo que é a escola.

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