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Diversos estados e municípios já flexibilizaram o uso de máscaras nas escolas, permitindo que alunos e professores fiquem ser a proteção facial, mesmo nos ambientes fechados da instituição de ensino. Enquanto a notícia foi comemorada por várias pessoas, muitas são as famílias e os colégios que permanecem receosos com a mudança nos protocolos sanitários.

Para saber se as crianças e os adolescentes continuam seguros dentro dos estabelecimentos de ensino, a equipe de reportagem do Escolas Exponenciais entrevistou com exclusividade o pediatra Daniel Becker. Durante o bate-papo, o médico reforçou a importância de as escolas melhorarem ainda mais a ventilação das salas de aula. De acordo com o profissional, essa medida ajuda a prevenir a disseminação de diversos vírus respiratórios.

Na entrevista, Becker ainda falou sobre os prejuízos sofridos pelas crianças com o fechamento das escolas e sobre a necessidade de permitir que os alunos brinquem mais durante os estudos, inclusive com a natureza.

Vale lembrar que o pediatra será um dos palestrantes do Conecta Escolas Exponenciais, o maior evento de inovação de crescimento escolar brasileiro, que será realizado presencialmente no dia 13 de abril, no Expo Center Norte, em São Paulo (SP). Na ocasião, o tema da palestra do médico  será: “Especial Saúde – Construindo a segurança, mentalidade e cuidados na comunidade escolar”.

Confira agora a entrevista com o pediatra Daniel Becker.

Escolas Exponenciais: Quais foram os principais prejuízos que as crianças sofreram com a pandemia e com as escolas fechadas?

Daniel Becker: A pandemia vitimou as crianças de forma muito pesada, tem gente que diz que elas foram as principais vítimas não fatais e, mesmo assim, elas foram vítimas fatais também, depois que a gente foi descobrindo isso. As crianças sofreram bastante com a covid-19, inclusive fisicamente. No início da pandemia, a gente tinha a impressão que esse sofrimento era mais psíquico, elas foram submetidas a inúmeros fatores de estresse. 

O confinamento permanente entre quatro paredes, em primeiro lugar; o convívio com pais extremamente sobrecarregados, sem tempo para nada, muito tensos com toda as marcas desse período, e sobrecarga também, como home office, cuidar das crianças, sem apoio nenhum, e cuidar de casa; falta de socialização com avós, amigos e, especialmente, da escola, que fez muita falta para as crianças. A gente descobriu que a escola tem uma essencialidade para a vida das crianças, que ficou latente na pandemia; e o excesso de telas foi brutal, aumentou muito a exposição e foi prejudicial para as crianças. Já no início tivemos uma epidemia de sintomas comportamentais, psíquicos e psicossomáticos nas crianças, como dor de barriga, falta de apetite, excesso de apetite, insônia, irritabilidade, falta de atenção, dificuldade de acompanhar as aulas on-line, rebeldias, enfim, todo tipo de distúrbios comportamentais. Depois percebemos que elas estavam sendo vítimas da covid também. Menos que os adultos, mas muitas morreram, principalmente as de 5 a 11 anos.

O fechamento das escolas foi extremamente danoso para as crianças. A escola não é só conteúdo formal, ensino de proficiência e matérias. É um espaço essencial da criança, de socialização, de habilidade interpessoais fundamentais e de aprendizado. É um espaço de relaxamento das relações de casa. As relações domésticas são muito mais tensas, para o bem e para o mau. Na escola as crianças ficam em um ambiente menos intenso nas relações, mas muito importante, porque com os professores elas têm, muitas vezes, em relacionamento muito bacana, de um guia não parental. 

Ela aprende a brincar, tem segurança alimentar, principalmente para as da escola pública. É um espaço precioso e que não podemos, de forma nenhuma, nunca mais negligenciar como a gente fez, fechando as escolas e deixando tudo aberto no Brasil, durante quase dois anos. Isso foi um crime contra a infância

Escolas Exponenciais: Vários estados e municípios já flexibilizaram o uso de máscaras nas escolas. Há quem comemore a nova possibilidade, mas há famílias e escolas receosas com os decretos. Como o senhor avalia o atual momento?

Daniel Becker: É muito natural que as pessoas tenham dificuldade de aceitar as mudanças, depois de dois anos de pandemia, em que tantas pessoas morreram. Só que da mesma maneira que a gente aumenta as medidas sanitárias quando a transmissão aumenta, a gente pode relaxar as medidas quando a transmissão diminui. Aqui no Rio de Janeiro estávamos com uma transmissão quase zerada, muito baixa. 

Isso é acompanhado constantemente pelas autoridades sanitárias do município e, se houver um aumento, vamos voltar às restrições. Mas, neste momento, a transmissão está baixíssima, por tanto, o risco de contrair covid é muito pequeno. Por isso, a gente pode abandonar as máscaras temporariamente, mesmo em ambiente fechado, pelo menos por algum tempo. É recomendado que grupos de risco continuem usando máscaras e isso inclui as crianças não vacinadas.

Eu achava que precisava deixar um pouquinho mais o uso de máscaras nas escolas, uns 15 dias, para vermos os efeitos justamente dessa retirada. Mas as crianças estão sem máscaras e está tudo ocorrendo bem, o que mostra que não há motivos para manter restrições muito severas quando a situação epidemiológica permite um relaxamento.

Escolas Exponenciais: É preciso adotar alguma outra medida sanitária na escola para que ela continue sendo um local seguro? Distanciamento e uso de álcool em gel devem continuar?

Daniel Becker: Higiene tem que ter sempre, não só por causa da covid. Mas a principal medida que deve ser sempre reforçada é a ventilação. A ventilação é fundamental. Sei que a gente vive em um país tropical, onde os verões podem ser quentíssimos e é importante o ar-condicionado quando possível, mas neste momento temos que priorizar a ventilação. 

Mesmo com ar-condicionado ligado, abrir portas e janelas. Vai consumir um pouco mais de energia, mas é importante que haja circulação de ar, que é uma das medidas de maior eficácia, contra qualquer vírus respiratório. E dessa forma a gente minimiza também os riscos de contaminação pela covid

Escolas Exponenciais: Neste momento, é hora de as escolas proporcionarem aos alunos ainda mais a vivência na natureza?

Daniel Becker: Uma das melhores formas de aumentar a ventilação e trazer uma série de outros benefícios para as crianças é colocá-las do lado de fora das salas de aula. Escolas que têm espaços externos devem maximizar o uso desses espaços, fazer aulas ao ar livre, aulas no parque e aulas na pracinha. Se puder ter verde, melhor ainda. 

Escolas Exponenciais: Como a natureza favorece o aprendizado das crianças?

Daniel Becker: Traz benefícios enormes para as crianças. Do ponto de vista pedagógico, a natureza desperta curiosidade, interesse, foco, melhora na memória, melhora no aprendizado, na interação com outras crianças e desperta paixão e amor pela natureza. A brincadeira fica mais funcional, mais livre, possibilita descoberta, imaginação e criatividade. Brinca na natureza traz exercício físico e vai combater o sedentarismo de crianças que ficam sentadas cinco horas por dia em uma escola ou em casa, assistindo televisão. Vai trazer uma melhor imunidade, aquela sujeirinha natural que todo mundo sabe que faz bem.

 Escolas Exponenciais: Falando na relação escola e natureza, o que não deveria faltar nas escolas e que poderia fazer a diferença no desenvolvimento infantil?

Daniel Becker: Precisamos promover o brincar no currículo escolar, não só dos pequenos, na educação infantil, mas em todos os momentos. A brincadeira promove habilidade que nenhuma aula consegue promover, tanto a brincadeira livre quanto a pedagógica

Traz soluções de problema, colaboração, foco, de pensar criativo e vai desenvolver habilidades que quando adulto vai precisar. 

Neste momento, também não deve faltar acolhimento emocional, atenção e cuidado para as crianças que estão manifestando sintomas, que pode ser de desatenção, rebeldia ou de ‘comportamento mais disruptivo’, que a escola pode interpretar como sendo uma criança difícil, mas simplesmente é uma criança que está sofrendo em casa, seja pelo estresse pós-traumático que ela está vivendo.

 

Foto: Reprodução / Facebook